O advogado de José Sócrates admitiu ao Observador que tem uma cópia da gravação do interrogatório feito pelo procurador do Departamento Central de Investigação Criminal ao ex-primeiro ministro no dia 27 de maio e cujos excertos foram publicados esta semana na revista Sábado e no Correio da Manhã. “É verdade que me deram o CD”, afirma João Araújo, para logo negar que tenha partido dele a fuga de informação que deu origem às notícias e que levou a Procuradoria Geral da República (PGR) a abrir um inquérito por violação do segredo de justiça.

João Araújo vai mais longe e afirma: “A Procuradoria Geral da República sabe de onde partiu a divulgação da transcrição. Isto é ridículo, estão carecas de saber quem foi”. O próprio José Sócrates, há alguns meses, disse ao Ministério Público quem achava que era o autor das várias fugas de informação que têm dado origem às notícias na comunicação social. Não apresentou provas “porque não é polícia”, diz João Araújo, que não se cansa de repetir: “A Procuradoria só não atua porque não quer, sabe quem foi”.

O advogado de José Sócrates, que continua a trabalhar na redação do recurso que vai questionar a revalidação, por parte do juiz Carlos Alexandre, da medida de prisão preventiva aplicada ao ex-primeiro ministro, sublinha que a divulgação do interrogatório na comunicação social é “uma manobra de diversão” que visa “distrair as pessoas daquilo que é verdadeiramente importante, a evidente ilegalidade da continuidade da prisão preventiva” de José Sócrates.

Admite vir a ser ouvido no inquérito aberto pela Procuradoria Geral da República, mas diz que nada tem a esconder. “Nem sequer li o que foi divulgado”, ressalva, lembrando que não tem relação com os órgãos de comunicação social que publicaram partes do interrogatório. Para concluir de seguida: “Pelos clientes, sabemos quem são os fornecedores”. Recusou-se, no entanto, a dizer de quem suspeita de estar a passar informações que estão em segredo de justiça para a imprensa.

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Quem teve acesso às gravações?

Em todos os interrogatórios é lavrado um auto com tudo aquilo que foi dito. Dependendo dos locais onde são feitos, pode ou não existir um suporte áudio desse mesmo interrogatório. No caso da audição de José Sócrates a 27 de maio houve gravação e o respetivo DVD, com registo áudio e vídeo.

Segundo o Observador apurou, uma cópia ficou no processo, outra foi enviada para o juiz Carlos Alexandre e uma terceira foi entregue ao advogado João Araújo, que a requereu com vista a preparar o recurso do seu cliente. Esta informação foi já confirmada ao Observador pela PGR: “Ao abrigo do art.º 101 n.º 4 do Código de Processo Penal, e na sequência de requerimento apresentado nos autos, foi entregue ao advogado do arguido José Sócrates cópia do DVD com as declarações prestadas no interrogatório realizado.” Esta requisição pode, por norma, demorar alguns dias, mas em muitos casos agiliza-se o processo e entrega-se de imediato a transcrição aos advogados dos arguidos. Foi o que aconteceu.

O que significa que há várias pessoas que tiveram acesso à cópia do interrogatório. Todas elas serão ouvidos no âmbito do inquérito instaurado pela PGR. A procuradora Joana Marques Vidal, que fez da luta contra a violação do segredo de justiça uma bandeira para o seu mandato, reuniu-se já duas vezes com procuradores do Ministério Público depois de o interrogatório ser divulgado.

Quem pode ser processado?

Uma vez aberto o inquérito pela PGR, faz-se uma investigação para saber quem foi o autor da fuga de informação para os órgãos de comunicação social em causa. A revista Sábado e o jornal Correio da Manhã também podem ser processados por terem publicado a transcrição de parte do interrogatório feito por Rosário Teixeira a José Sócrates.

Advogados e magistrados consultados pelo Observador referem que não têm memória de casos em que tenha sido transcrito, ipsis verbis, pela comunicação social um interrogatório judicial. Apenas têm sido citadas com frequência escutas telefónicas de processos e dados da investigação, mas sempre de forma indireta. E referem que este novo facto pode tornar mais fácil a prova de que existiu violação do segredo de justiça.

Segundo o artigo 371º do Código Penal:

1 – Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo.
2 – Se o facto descrito no número anterior respeitar:

a) A processo por contra-ordenação, até à decisão da autoridade administrativa; ou
b) A processo disciplinar, enquanto se mantiver legalmente o segredo;

o agente é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.