É um acordo histórico. O Irão e seis potências mundiais (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, EUA, Rússia, China, França e Reino Unido, mais a Alemanha) chegaram finalmente a acordo sobre o programa nuclear iraniano. Um acordo que permitirá levantar as sanções impostas a Teerão a troco da garantia de que aquele país vai travar a fundo nas suas aspirações nucleares.

As negociações foram duras mas terminaram finalmente e o acordo foi selado esta terça-feira em Viena, Áustria, pondo fim a mais de 12 anos de impasse sobre o programa nuclear iraniano que ameaçava um nova guerra no Médio Oriente a qualquer instante. O triunfo das negociações, que foi uma das bandeiras da política externa de Barack Obama, está a ser encarado como o início de uma nova era nas relações entre o Irão e o mundo ocidental.

Um ponto de viragem na diplomacia

Numa conferência de imprensa conjunta na capital austríaca, Federica Mogherini, alta representante da União Europeia para a Política Externa, considerou que “hoje é um dia histórico” e um marco “na história da diplomacia”. “Apesar dos altos e baixos, a esperança e a determinação permitiu-nos ultrapassar os momentos difíceis. Resolvemos uma disputa que dura há, pelo menos, dez anos“, disse.

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Falando a partir da Casa Branca, Barack Obama elogiou o novo acordo, considerando que os Estados Unidos da América e a comunidade internacional alcançaram algo que décadas de animosidade não conseguiram – um acordo de longa data que irá impedir o Irão de obter armas nucleares“. O Presidente norte-americano avisou ainda o Congresso de que irá vetar qualquer tentativa de bloquear a implementação das novas medidas, acreditando que de “daqui a dez ou 15 anos, a pessoa que herdar este gabinete terá uma posição mais forte”.

Nos EUA, o Congresso terá 60 dias para rever e discutir o acordo, o que dará tempo suficiente aos republicanos mais críticos para absorver todos os detalhes e contestar a posição da administração Obama. Em Viena, John Kerry fez ecoar as palavras do Presidente norte-americano, dizendo acreditar que o “Congresso não irá virar as costas à restante comunidade internacional” e que a implementação do acordo é mais importante do que o próprio texto. “Não vou dizer que tudo vai funcionar na perfeição”, ressalvou aos jornalistas o Secretário de Estado dos EUA.

Relançadas em novembro de 2013 pelo Irão e pelas seis potências mundiais do G5+1, as negociações tinham como objetivo primordial chegar a um acordo histórico que garantisse que Teerão não viesse a usar o programa nuclear para fins militares (construção de bomba atómica) recebendo como contrapartida um levantamento das sanções económicas que lhe foram impostas internacionalmente.

Embargo de armas da ONU vai continuar em vigor

O acordo inclui um compromisso de que os inspetores das Nações Unidas vão poder visitar as instalações militares iranianas como parte do processo de monitorização do acordo. Este foi um dos pontos mais sensíveis nas negociações, uma vez que as autoridades iranianas sempre disseram que nunca deixariam a Agência Internacional de Energia Atómica, da ONU, entrar nas suas instalações alegando tratar-se de um pretexto para as Nações Unidas terem acesso a segredos militares.

Um dos pontos do acordo refere que as sanções económico-financeiras impostas ao Irão só serão aliviadas quando o país começar a cumprir os compromissos acordados. Porém, de acordo com o Guardian, o embargo de armas da ONU vai continuar em vigor por mais cinco anos e as sanções que impedem a compra de mísseis vão prolongar-se por outros oito. Caso o Irão viole o acordo, as sanções serão repostas num prazo de 65 dias, após decisão do conselho de segurança da ONU. Outros pontos do acordo incluem a redução de 96% do stock de urânio empobrecido e a remoção do núcleo central do reator de Arak, que será redesenhado de modo a que não seja capaz de produzir capacidades significativas de plutónio.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo publicou um documento que parece ser o texto integral do acordo firmado em Viena. Pode ser lido aqui (em inglês) e aqui, ponto por ponto, no nosso Explicador.

Irão e Israel, inimigos entre o “triunfo da diplomacia” e o “erro histórico”

O Presidente iraniano, Hasan Rohani, reagiu logo à notícia afirmando que a conquista de um acordo será “um triunfo da diplomacia” e servirá como um “bom começo” para novas relações internacionais. Numa mensagem divulgada através da rede social Twitter, proibida no Irão mas cujos líderes usam com frequência, Rohani realçou ainda que espera que o acordo que se ultima na capital austríaca, figure como um instrumento que coloque termo a uma época de “exclusão e coerção” nas relações entre países.

Oficializado o compromisso, o chefe de Estado iraniano afirmou que o “diálogo construtivo” permitiu “abrir novos horizontes” nas relações internacionais e nos desafios conjuntos.

Uma coisa é certa, o acordo deverá encontrar um muro de oposição no congresso norte-americano, de maioria republicana, mas está sobretudo a esbarrar no primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, que sempre foi crítico das negociações e que considera o acordo como a abertura de uma via mais rápida para armar o Irão de armas nucleares.

A reação de Netanyahu à notícia do dia, por isso, não se fez esperar. E ouviu-se ao longe. Numa conta que abriu no Twitter, escrita em persa, especificamente para atacar o acordo sobre o dossier nuclear iraniano, o primeiro-ministro israelita acusou o acordo de ser “um erro histórico para o mundo”. “Enquanto o espetáculo com o Irão continua, o Irão está prestes a fabricar a bomba nuclear e dispõe de milhares de milhões de dólares para o terrorismo e para ataques”, escreveu.

“O objetivo é estabelecer uma comunicação direta com os iranianos, doutrinados a odiar Israel desde a revolução islâmica de 1979”, declarou ainda um responsável do gabinete do primeiro-ministro israelita. “Queremos dizer, em persa, a verdade aos iranianos sobre o acordo e explicar que os milhares de milhões de dólares que o regime iraniano vai conseguir com esta negociação vão servir para financiar o terrorismo e armas e não para construir escolas ou hospitais”, acrescentou.

Além desta conta no Twitter, Netanyahu tem ainda mais três, uma em hebreu, outra em inglês e árabe, e recorre frequentemente às redes sociais, incluindo ao Facebook, para fazer campanha contra o programa nuclear iraniano. Israel é considerada a única potência nuclear do Médio Oriente e não assinou o Tratado de Não-Proliferação das armas nucleares.

No Irão, o acordo ainda precisará de luz verde do líder supremo, o aiatola Ali Khamenei, para afastar as suspeições que restam perante um acordo com os EUA, cujas relações estão há anos envoltas em tensão e desconfiança.

O acordo chega assim ao fim de 18 dias de negociações quase ininterruptas em Viena (de um total de 21 meses de intensos contactos), numa maratona negocial que envolveu os ministros dos Negócios Estrangeiros destes sete países, mais a alta representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini.