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Que acordo é este?

 

O objetivo, do lado do Ocidente, é prevenir que o Irão construa armamento nuclear. Do lado do Irão, o objetivo é ficar livre das duras sanções económicas a que tem sido sujeito devido ao seu programa nuclear – que diz ser para fins pacíficos.

Para se chegar a um acordo com cedências dos dois lados, delegações compostas por diplomatas do Irão e dos países ocidentais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido -, a que se junta também a Alemanha, estiveram reunidos num hotel em Viena de Áustria, para mais uma tentativa de acordo sobre o programa nuclear iraniano.

A maratona negocial durou 18 dias intensivos, que terminaram esta terça-feira.

Em troca de maiores restrições ao programa nuclear, que o Ocidente quer garantir acima de tudo que não venha a ser usado para fins militares, o Irão consegue o levantamento, a prazo, das pesadas sanções a que tem sido sujeito e continua a poder desenvolver o seu programa de energia nuclear para fins pacíficos.

Os termos do acordo, na íntegra, estão aqui.

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O que está em causa?

Segundo disse a alta representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini, no dia 29 de junho (véspera de um suposto fim de prazo em Viena), o que estava em causa era nada menos do que a “segurança do mundo inteiro”.

Quais as possíveis consequências de ter em plena região do Médio Oriente um país dotado de armamento nuclear? Esse era o medo. O Irão há muito que aparece associado a financiamentos de terrorismo, pelo que a ideia de Teerão desenvolver um programa nuclear passível de ser usado para fins militares assustava não só as potências ocidentais, como também – e principalmente – o Estado de Israel, inimigo de longa data.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, já gritou ao mundo o seu descontentamento face ao acordo alcançado, reiterando que a ambição do Irão é construir armamento nuclear, expandir a sua influência e aniquilar Israel. “É um erro histórico”, diz.

Em causa estava também a economia iraniana, claro. Com as sanções impostas pelas Nações Unidas e pelo Ocidente ao longo dos anos, a economia do país tem ficado cada vez mais fragilizada e há muito que se exigia um acordo.

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O que propunham as duas partes?

Como travar as ambições nucleares do Irão? O que fazer para impedir que os iranianos venham a usar a tecnologia nuclear para criar combustível suficiente para uma bomba atómica?

O que os diplomatas dos países ocidentais propuseram foi que, no mínimo, houvesse inspeções regulares das Nações Unidas às instalações nucleares e à cadeia de abastecimento do programa nuclear iraniano para controlar a situação e garantir que programa não resvala para a via militar.

Do lado do Irão, duas exigências: o levantamento tanto mais rápido quanto possível das sanções económicas, e a promessa de que pode continuar a desenvolver o seu programa de energia nuclear para fins pacíficos.

O difícil terá sido o equilíbrio entre as exigências e os objetivos de parte a parte. Daí que muitos dos críticos considerem que o acordo não impedirá o Irão de construir armas nucleares, por não barrar totalmente o acesso aos meios.

Os defensores do acordo, no entanto, alegam que mesmo não conseguindo impedir a 100% essa hipótese de o Irão criar armamento nuclear, haverá agora mais obstáculos no caminho, o que dará mais tempo e mais capacidade de controlo ao resto do mundo para preparar uma resposta caso o Irão decida inverter a marcha e enveredar pelo caminho proibido da bomba atómica.

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Então as sanções foram levantadas? O acordo, ponto por ponto

Sim, mas a prazo e só mediante prova (verificada pela Agência internacional de energia atómica) de que as autoridades iranianas estão a cumprir o acordo. O embargo da compra de armas, no entanto, vai manter-se durante os próximos cinco anos e as sanções que impedem a compra de mísseis vão prolongar-se por mais oito. Com uma adenda: a venda de armas ao país pode ser feita desde que com aprovação do Conselho de Segurança da ONU.

Caso o Irão viole o acordo, as sanções serão repostas num prazo de 65 dias, após decisão do conselho de segurança da ONU. Foi este o acordo.

No geral, não se trata de uma suspensão das sanções, mas sim de um levantamento efetivo, só que não imediato. O Presidente iraniano fez questão de sublinhar isso mesmo, notando que era esse o objetivo desde o início – “caso contrário a maratona de 18 dias não tinha servido de nada”, escreveu no Twitter.

 

São estes os principais pontos do acordo:

  • Fim das sanções

O principal objetivo dos iranianos consistia em obter o fim das múltiplas sanções (da ONU, Estados Unidos e Europa) que são entrave ao desenvolvimento do país. As sanções adotadas pela UE e EUA dirigidas aos setores financeiro, energia e do transporte iranianos seriam levantadas a partir da aplicação pelos iranianos dos seus compromissos, atestados por um relatório da Agência internacional de energia atómica .

O mesmo procedimento será aplicado para anular as seis resoluções adotadas pelo Conselho de Segurança da ONU contra o Irão desde 2006.

  • Manter o embargo de armas

Mantêm-se as sanções relativas aos mísseis balísticos e às importações de armas ofensivas. A transferência de materiais sensíveis que possam contribuir parra o programa balístico iraniano também serão proibidas durante oito anos, salvo autorização explícita do Conselho de Segurança da ONU.

O texto não prevê o desmantelamento do programa iraniano, como admitido no início das primeiras negociações entre 2003 e 2005, conduzidas pelos europeus.

As infraestruturas iranianas também passam a ser vigiadas mais de perto para impedir Teerão de iniciar uma corrida clandestina à bomba atómica.

  • Limitar o enriquecimento de urânio

O objetivo principal consiste em pôr em prática severas restrições para garantir que o ‘break-out‘, o tempo necessário para produzir suficiente urânio enriquecido que permita fabricar uma bomba atómica, seja de pelo menos um ano e durante uma duração de dez anos.

O acordo prevê também uma redução do número de centrifugadoras para enriquecimento de urânico em dois terços, passando de mais de 19 mil para pouco mais de 5 mil.

Nos próximos dez anos, o número de centrifugadoras será limitado a 5.060 máquinas, e outras 1.044 serão mantidas em condições de funcionamento, mas sem estarem em uso. O Irão tem atualmente mais de 19 mil centrifugadoras para enriquecimento de urânio, um equipamento que pode ser usado para a produção dos compostos de uma bomba atómica.

  • Limitar a produção de plutónio

O plutónio é, com o urânio, a outra matéria fóssil que pode ser utilizada para o fabrico de uma bomba atómica. O acordo de Viena estipula que o reator da central de água pesada de Arak será modificado para não produzir plutónio com vocação militar.

  • Reforçar as inspeções

Era um dos pontos mais delicados das negociações. Será aplicado um regime reforçado de inspeções durante toda a duração do acordo, e mesmo para além em relação a certas atividades. A Agência internacional de energia atómica (AIEA) poderá assim verificar durante 20 anos o parque de centrifugadoras e durante 25 anos a produção de concentrado de urânio (‘yellow cake‘). O Irão compromete-se em aplicar, e depois ratificar, o protocolo adicional da AIEA, que permite inspeções intrusivas.

Ainda assim, o plano pode ter falhas, sendo que os mais críticos já estão a apontar uma: o acesso dos inspetores da ONU não pode ser feito a qualquer altura, precisando primeiro de uma autorização de Teerão que, mesmo depois de concedida, pode atrasar a ação dos inspetores, dando tempo aos militares iranianos de encobrir qualquer prova ou sinal de não cumprimento.

 

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O acordo afeta os preços dos combustíveis?

Sim. Os preços do petróleo caíram até 2,3% para 50,98 dólares por barril à medida que os investidores reagiam aos termos do acordo. Especialistas alertaram que o acordo podia levar a uma corrida de abastecimento ao petróleo do Irão, que terá na sua posse 30 milhões de barris prontos para venda.

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Porque demoraram tanto tempo as negociações?

Segundo explica a CNN, que ouviu diplomatas ligados ao processo, o ponto de maior discórdia nesta reta final de 18 dias quase ininterruptos num hotel em Viena foi a insistência do Irão para que fosse levantado o embargo sobre as armas convencionais e os mísseis. A Rússia estaria recetiva, mas os EUA não queriam ceder neste tópico crucial. E as negociações bloquearam. O prazo seria ontem, segunda-feira, mas o acordo acabaria por chegar um dia depois, esta terça-feira.

Os prazos para a maratona de Viena, de resto, chegaram a ser adiados mais do que uma vez. Primeiro a meta era 30 de junho, que falhou. Acontece que as duas partes estavam cientes de que nunca tinham chegado tão longe e pediram a extensão do prazo.

O problema no entanto, arrasta-se há bem mais tempo do que estes 18 dias de sprint final. Na verdade, há 12 anos que o programa nuclear iraniano é motivo de desentendimentos entre o Irão e as potências ocidentais devido aos seus supostos planos para construir uma bomba atómica. O braço de ferro tem sido inconclusivo, com o Irão a defender sempre que o programa é pacífico, e com o resto do mundo a olhar sempre com suspeição. A solução encontrada pelo Ocidente foi a das pesadas sanções económicas e o embargo à aquisição de armamento convencional e mísseis, mas durante muito tempo os EUA quiseram ir mais longe, sugerindo a via militar para travar a ameaça de vez.

Em 2007, quando Barack Obama corria à presidência dos EUA chegou a prometer que iria abrir a via de conversação com o Irão sobre a velha ameaça nuclear, mas foi sobretudo desde 2013 que se chegou a vias de facto. Quando foi eleito em novembro 2013, Hassan Rouhani foi visto como reformista e como um sinal de que as relações com o Ocidente podiam finalmente suavizar. Desde essa altura que o Irão se empenhou mais nas negociações, tendo como objetivo final o levantamento das sanções económicas, que têm vindo a enfraquecer e a fragilizar o país.

Em novembro desse ano as negociações chegaram a resultar numa espécie de acordo interino, um Plano de Ação Conjunta, que aliviava algum peso das sanções em troca de restrições ao programa nuclear. Foi de facto o primeiro passo, uma espécie de rascunho para a solução encontrada esta terça-feira, que se espera ser permanente.

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E agora, o que se segue?

Apesar de já estar assinado, o acordo ainda precisa de ser submetido a aprovação interna. Nos EUA, o Congresso (de maioria republicana) terá 60 dias para discutir e analisar o acordo, o que não facilitará a vida a Barack Obama. Mas Obama já avisou o Congresso de que irá vetar qualquer tentativa de bloquear a implementação das novas medidas.

Numa primeira comunicação pós-acordo, o presidente norte-americano elogiou a solução encontrada considerando que os “Estados Unidos da América e a comunidade internacional alcançaram algo que décadas de animosidade não conseguiram”. “O novo acordo impede o acesso às armas nucleares e ajuda a tornar o mundo num local mais seguro”, acrescentou, sublinhando que o compromisso prevê que os iranianos “se desfaçam de 98% do seu material nuclear”.

Também em Teerão o acordo precisa de luz verde do líder supremo, o aiatola Ali Khamenei. Mas para o Presidente Rouhani, o que se segue é uma nova era. “Um novo capítulo” na vida do país e na história das relações bilaterais, que põe fim a uma longa e “desnecessária” crise, disse, notando contudo que o acordo “não é perfeito”.

No fundo, o que se segue é “esperança”, defendeu a alta representante para a política externa da União Europeia, Federica Mogherini, em conferência de imprensa em Viena. “Acredito que este é um momento histórico. Estamos a assinar um acordo que não é perfeito mas é o que conseguimos. Hoje poderia ter sido o fim da esperança, mas em vez disso estamos a iniciar um novo capítulo de esperança”, afirmou.

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Como reagiu o mundo? De Obama a Putin, passando por Netanyahu

Barack Obama fez uma declaração de 14 minutos ao mundo: estamos mais seguros, apesar das nossas diferenças, disse. Acordo com Irão não é uma questão de falta de confiança no outro, é uma questão de verificação, explicou. E garantiu que vai fazer de tudo para o implementar, mesmo que o Congresso norte-americano (de maioria republicana) o chumbe.

“Este acordo mostra que a diplomacia norte-americana pode conseguir mudanças reais e significativas”, declarou. “Não se baseia na confiança. Baseia-se em verificações. Os inspetores terão acesso 24 sobre 24 horas às instalações nucleares chave iranianas”, adiantou, numa declaração solene na Casa Branca.

Trata-se do início de uma nova era nas relações entre o Irão e os Estados Unidos. “Este acordo dá-nos a possibilidade de avançar numa nova direção. Devemos aproveitá-la”, declarou, prometendo o levantamento das sanções norte-americanas contra o Irão. Mas há um ‘mas’: “Se o Irão violar o acordo, todas as sanções serão repostas”.

 

Vladimir Putin, também parte ativa nas negociações, saudou o acordo: apesar das “tentativas em defesa de um recurso à força”, o acordo representa “uma escolha firme pela estabilidade e cooperação”, disse.

“Estamos certos de que o mundo hoje deu um enorme suspiro de alívio”. Da sua parte, “a Rússia fará todo o possível” para que acordo seja cumprido, acrescentou.

Do outro lado da mesa, o Presidente iraniano Hassan Rohani mostrou-se igualmente satisfeito. “É um ponto de partida para restaurar a confiança”, disse. E, muito importante, “é mútuo, é recíproco”, fez questão de sublinhar.

“Se este acordo for aplicado corretamente… podemos eliminar gradualmente a desconfiança”, afirmou num discurso transmitido em direto pela televisão, numa referência às difíceis relações com as principais nações ocidentais.

Em todo o caso, Rohani reafirma o que tem dito até aqui: que a intenção nunca foi de produzir uma bomba atómica. “O Irão nunca vai tentar produzir armas nucleares”.

O mais crítico foi, sem dúvida, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, que viu o acordo como “um erro histórico para o mundo”.

“Queremos dizer, em persa, a verdade aos iranianos sobre o acordo e explicar que os milhares de milhões de dólares que o regime iraniano vai conseguir com esta negociação vão servir para financiar o terrorismo e armas e não para construir escolas ou hospitais”, disse.

“O objetivo é estabelecer uma comunicação direta com os iranianos, doutrinados a odiar Israel desde a revolução islâmica de 1979”, declarou ainda um responsável do gabinete do primeiro-ministro.

Também em Portugal o ministro dos Negócios Estrangeiros se pronunciou sobre o dia histórico: “O Governo Português considera que o presente acordo constitui um importante contributo para evitar a corrida ao armamento na região do Médio Oriente” e congratula o facto de a solução ter sido encontrada “pela via negocial”.