A oposição, com o PS à cabeça, insistiu na tese de que PSD e CDS continuavam a nomear “boys” para os mais altos cargos da Administração Pública. A maioria defendeu-se dizendo que a ligação partidária não deve ser, por si só, um fator de exclusão nos concursos a cargos da administração pública. No meio desta troca de acusações, João Bilhim, presidente da Comissão de recrutamento e seleção para a administração pública (Cresap), ouvido esta quinta-feira no Parlamento, deixava a garantia: “Posso-me ter enganado algumas vezes, mas o Governo nunca, nunca me pressionou, nem eu admitiria que o fizesse”.
Na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, foi a deputada socialista Catarina Marcelino quem iniciou as hostilidades, lembrando a recente nomeação de Ana Clara Birrento, diretora do centro distrital de Setúbal e candidata a eurodeputada pelo CDS, para o cargo de Presidente do Instituto de Segurança Social. Uma nomeação que chega com sete meses de atraso e com muitas críticas ao ministro da Solidariedade, Trabalho e da Segurança Social, Pedro Mota Soares.
Ora, a deputada socialista considera “inaceitável” que depois de “meses e meses” de impasse seja agora conhecida a nomeação por cinco anos de uma pessoa com “fortes ligações político-partidárias”. Para Catarina Marcelino, é “profundamente chocante” e “grave” que o Governo esteja agora “a nomear toda a gente a correr” para se antecipar à alteração da lei de recrutamento dos dirigentes do Estado, que prevê, entre outras coisas, que os governantes fiquem impedidos de nomear qualquer quadro de topo da Administração Pública durante o período de campanha eleitoral – uma norma que já existia, mas que foi revogada pelo atual Governo em 2011.
Do lado da maioria, a resposta não tardou. Primeiro, foi a social-democrata Maria das Mercês Borges a defender que o novo sistema de recrutamento trouxe uma “melhoria acentuada ao nível da transparência e do rigor” da Administração Pública. Até porque, acrescentou, “anteriormente era muito simples: cada Governo nomeava quem queria [tivesse ou não] currículo técnico. Era nomeação política pura e dura”. Agora é diferente e, por isso, “o PS que não atire essa pedrada aos vidros [da coligação], porque que se fossem os seus próprios vidros estavam cheios de buracos”.
Na base da troca de argumentos entre a maioria e o PS está, mais uma vez, o facto de, segundo uma investigação da RTP, 75% dos nomeados para altos cargos da Administração Pública terem, no currículo, uma ligação ao aparelho partidário do PSD e do CDS. Pegando nas palavras de Maria das Mercês Borges, Artur Rêgo, do CDS, acusou os socialistas de estarem a insistir numa tese que não corresponde à realidade e de estarem a tomar uma “posição de hostilização e ostracização” para com os antigos detentores de cargos políticos. “Ter ligações aos partidos deve ser um fator de exclusão nos concursos públicos?”, perguntavam PSD e CDS.
Rita Rato, do PCP, seguiu o tom definido pelos socialistas e criticou o “embuste da independência criado pelo Governo” em torno da nomeação de altos quadros da Administração Público, que o Executivo de Passos diz ser garantido através da Cresap. “[Essa suposta independência] é desmentida todos os dias pela realidade”, defendeu a comunista. A bloquista Mariana Aiveca assinou por baixo e acrescentou que o “selo da transparência e despartidarização” da Administração Pública, que serviram de “motivações para a criação da Cresap”, está, hoje, muito longe de ser um dado adquirido.
Mas a maioria não desarmava e garantia que, em momento algum, houve coação sobre a Cresap para nomear este ou aquele homem do aparelho. Aproveitando o balanço, Artur Rêgo desafiou João Bilhim a revelar se alguma vez tinha sido pressionado pelo Governo para nomear algum dirigente afeto à maioria PSD/CDS. A resposta do presidente da Cresap foi um redondo “não”.
“O Governo nunca, nunca me pressionou, nem nunca sofri pressões. Nem eu aceitaria [tal coisa]. Mais: se eu soubesse que algum membro do júri tivesse recebido orientações do Governo, seria o primeiro a vir falar com o Presidente desta comissão [o socialista Eduardo Cabrita]”, garantiu João Bilhim.
Mesmo reconhecendo que a orgânica da Cresap ainda pode e deve evoluir, sobretudo na necessidade de avaliar os dirigentes da Administração Pública antes de se avançar para a renovação do mandato – coisa que a atual lei não prevê -, o presidente da Cresap acredita que estão a ser dados passos significativos no “país do azeite, onde impera a cunha”. Um país “muito diferente do país da manteiga” onde é “o mérito” quem mais ordena. “Mas não é de um dia para outro que se consegue alterar essa mentalidade”, avisou Bilhim.