Durante doze anos, Manuel Monteiro recolheu erros comuns da língua portuguesa. O resultado de mais de uma década de pesquisa saiu em livro em junho. Dicionário de Erros Frequentes da Língua não pretende ser um livro de consulta, mas uma obra para ser lida de uma ponta à outra. Sem pausas.

“Um livro que foi escrito por um licenciado em Economia pode ser contestado”, começa por dizer. “É um trabalho de autodidata.” Apesar disso, Manuel Monteiro garante que ainda ninguém se queixou. Muito pelo contrário. O sucesso de Dicionário de Erros Frequentes da Língua foi quase imediato. A primeira edição saiu em junho deste ano, pela Soregra Editores. À tiragem inicial de dois mil exemplares, seguiu-se uma segunda, logo no mês seguinte. A edição esgotou-se em dias.

“Não estava à espera”, confessa o autor. “Não é um livro que pretenda ser popular. Caso contrário, não citava Camilo Castelo Branco e outros autores que já ninguém sabe quem são.”

Formador de correção de textos há pelo menos seis anos, Manuel Monteiro sempre se interessou por linguística. Ainda antes de se tornar um dos professores da Escrever Escrever, um centro de formação especializado na área da escrita onde dá aulas “todos os dias menos em agosto, de manhã e à noite”. “É uma área que me apaixona”, admite.

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A mania de colecionar erros começou há cerca de doze anos. Mas a ideia de editar um livro só surgiu mais tarde, no decorrer das aulas do curso de Revisão de Textos. “Quando tive de preparar o curso, fiz uma lista de erros para dar nas aulas. Havia gramáticas, dicionários, mas não existia uma compilação dos erros mais frequentes. Apercebi-me que podia dar um livro.”

Consultou gramáticas, dicionários de etimologia e até obras literárias. Mas muitas das entradas do dicionário surgiram de dúvidas dos alunos, colocadas durante as aulas. “Vejo no contacto diário com os alunos que existem muitas dúvidas. Tenho alunos da área da Linguística — licenciados, mestres e até doutorados — e, ao longo de seis anos, vi que eles não têm este tipo de conhecimento.”

dicionario de erros frequentes da lingua,

O livro, construído para ser lido de uma ponta à outra, não tem índice (Sebastião Almeida/Observador)

Apesar de ter a palavra “dicionário” na capa, o livro não foi feito para ser uma obra de consulta. Não existem índices nem entradas que encaminhem para outras entradas. Foi feito para ser lido de uma ponta à outra, como se de um romance se tratasse. “Não utilizar o dicionário como obra de consulta permitirá ao leitor conhecer aquilo que, de outro modo, não conheceria”, pode ler-se na nota de instruções, logo na primeira página. “Há erros frequentes que não suscitam sequer a dúvida que origina a consulta.”

Mas mais do que uma recolha de erros do português, Manuel Monteiro tentou criar um livro com cunho próprio. Até porque, afinal, as entradas escolhidas foram aquelas que considerou serem relevantes. “As pessoas da área da linguística têm uma certa tendência para não criarem livros com um pensamento próprio. Todas as gramáticas e todos os prontuários usam sempre os mesmos exemplos. Porque é que, para exemplificarem as figuras de estilo, usam sempre as mesmas frases, os mesmos autores?”

De tal modo quis fazer diferente, que as entradas do Dicionário de Erros Frequentes da Língua não incluem expressões que facilmente se encontram em qualquer prontuário do português. Para fugir à regra, Manuel Monteiro admite que teve de arriscar. Uma das entradas é “filho da puta”, expressão que o autor considera ser mal usada. Em vez de um “da”, devia ser usado um “de” porque, “filho da puta” implica “que a puta seja um sujeito determinado — que se saiba quem é”.

“Com o ‘filho de puta’, arrisquei. Nunca vi a expressão em nenhum livro sobre a língua portuguesa. O uso do ‘de’ é uma sugestão minha.”

Veja aqui se sabe mesmo escrever “em bom português”

Atazanar: O verbo mais correto é “atenazar” e não “atazanar” (ou ainda “atanazar”). Apesar de “atazanar” já se encontrar em alguns dicionários, Manuel Monteiro considera que o verbo “mais fiel ao étimo” é “atenazar”, que significa apertar com uma tenaz e, por extensão do sentido, afligir, atormentar ou angustiar.

Catrapázio: A palavra certa é “cartapácio”, que significa uma carta ou uma mensagem muito grande. Em sentido figurado, o termo pode ainda ser usado para descrever um livro ou material de leitura volumoso e muito aborrecido.

Mal e porcamente: A expressão original é “mal e parcamente”, e não “mal e porcamente”.

Ovelha ranhosa: À semelhança de “mal e porcamente”, a expressão “ovelha ranhosa” também começou por ser bastante diferente. A expressão idiomática original é “ovelha ronhosa” porque, como explica Manuel Monteiro, vem de “ronha” e não de “ranho”.

Pelos vistos: A expressão correta é “pelo visto”, sendo que “visto” é o particípio passado do verbo “ver”. Assim, “pelo visto” é sinónimo de “pelo observado” ou “pelo verificado”, também particípios passados.

Piar fino: “Fiar fino”, “fiar mais fino” ou “fiar muito fino” — e não “piar fino”. Herberto Helder, em A Morte Sem Mestre, diz “que ele próprio ia pagar com a vida por essas outras razões, mas que logo ressuscitaria e depois é que todos veriam como tudo ia fiar mais fino“.

A expressão surge também referida em vários dicionários, como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporâneo, da Academia das Ciências, como sinónimo de “exigir esforço, cautela e minúcia”.

Por portas e travessas: A expressão correta é “por portas travessas”, sendo que, neste caso, “travessas” é um adjetivo e não um substantivo.

Portugal dos Pequeninos: Apesar de ser conhecido como “Portugal dos Pequeninos”, o parque temático de Coimbra chama-se “Portugal dos Pequenitos”.

Rebaldaria: Uma “rebaldaria” é, na verdade, uma “ribaldaria”. O termo vem do francês antigo “ribalt” (“ribaud” no francês atual), que quer dizer patife, malandro ou libertino.

Salganhada: A palavra correta é “salgalhada”. De acordo com Manuel Monteiro, o termo vem de “salgar” e significa trapalhada, confusão ou mixórdia.