A Tese

“O Partido Socialista quer usar parte dos dinheiros do Fundo de Estabilização da Segurança Social, que deve estar guardado para uma situação de emergência para assegurar o pagamento das responsabilidades sociais do Estado, para apoiar obras de construção civil, no âmbito da renovação urbana. [É] incompreensível. (…) Esse fundo tem a participação e acompanhamento dos parceiros sociais, que não darão o seu assentimento para uma proposta desta natureza. O PS tem revelado um certo irrealismo e uma ligeireza nas propostas que apresenta”.

Marco António Costa, declarações à Agência Lusa, 6 de julho de 2015

Os Factos

Primeiro facto – No programa eleitoral, o PS apresentou uma proposta que diz: “Criação de bolsas de ‘habitação acessível’, nomeadamente através da mobilização de verbas – em montante não superior a 10% – do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social para investimento em prédios de rendimento (aquisição e reabilitação de fogos devolutos com vista a arrendamento em regime de ‘habitação acessível’), que garantam não só uma taxa de retorno em linha com a rentabilidade média daquele fundo (eventualmente combinando as rendas acessíveis com rendas a preços de mercado), como possam contribuir para outros objetivos importantes a nível nacional, como a reabilitação urbana e repovoamento e rejuvenescimento dos centros históricos”.

Ora, esta proposta sobre o destino a dar às verbas do Fundo Estabilidade Financeira da Segurança Social (FEFSS) abriu uma guerra entre socialistas e coligação. No sábado, Marco António Costa, vice-presidente do PSD, acusou o PS de querer apoiar a construção civil com “parte dos dinheiros do FEFSS”.

Do lado socialista, João Galamba foi rápido a reagir e acusou a coligação de “distorcer” de forma “grosseira e desonesta” a proposta do PS. Em declarações à Agência Lusa, o socialista especificou pela primeira vez que o objetivo do PS é investir esse dinheiro em ativos imobiliários que “já são da Segurança Social”, valorizando assim esse património, em vez de investi-lo na bolsa de ações. Contudo, ao Observador explicou que a ideia é “dar prioridade à reabilitação de ativos que já são da Segurança Social”, mas que, “se houver edifícios devolutos, preferencialmente do Estado, podem ser incluídos na carteira”.

Já em relação à crítica de que serviria para animar o setor da construção civil através do dinheiro dos trabalhadores, João Galamba considera uma crítica “absurda”. “Trata-se de uma reafetação de recursos. Não há um cêntimo de aumento da despesa pública, nem qualquer verba que vá aumentar o défice”, acrescenta.

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Segundo facto – No final de 2014, de acordo com o relatório do Tribunal de Contas, 66% (9 mil milhões de euros) do FEFSS está aplicado em dívida pública nacional quando no ano anterior era de 5,3 mil milhões de euros. 9,9% (1,3 mil milhões) foi aplicado em dívida estrangeira. O restante estava divido em três rubricas: 10,9% (1,5 mil milhões) em ações variadas; 1,2% (164 milhões) em ativos imobiliários; 0,1% (20 milhões) faziam parte da reserva estratégica do Fundo – o restante (11,2%, ou seja, 1,5 mil milhões) serve para assegurar a liquidez do fundo. De acordo com uma portaria de julho de 2013, a compra de dívida pública portuguesa pode ir até 90% do valor do fundo. Uma medida que foi tomada quando os mercados financeiros ainda estavam muito instáveis e o Governo preparava o regresso aos mercados.

Ora, perante este cenário, os socialistas querem “alterar o perfil de investidor”, explica João Galamba. Ou seja, desinvestir em ativos financeiros e realocar essas verbas na reabilitação dos imóveis que, “preferencialmente” já pertençam à Segurança Social.

Para o PS, utilizar estes 10% serviria para a criação de um mercado de rendas acessíveis, controladas, capazes de atrair famílias de classe média e/ou com menos rendimentos, e, sobretudo, jovens que procuram autonomia. Ou seja, a intenção não é usar dinheiro da Segurança Social para apoiar de forma artificial a construção civil, mas sim, reinvesti-lo na valorização de ativos para alimentar políticas públicas de habitação – uma prática que o Estado português foi perdendo, reforça João Galamba. O socialista acrescenta ainda que, neste momento, o Fundo já compra ativos, mas que estes são ativos financeiros e não ativos que “criarão emprego e animarão a economia”.

O debate

Apesar de ter sido reacendida no último fim de semana, a polémica entre socialistas e coligação sobre que destino a dar a parte das verbas do FEFSS já não é de agora. A medida foi das primeiras a ser apresentada pelo PS, ainda sem ter programa eleitoral desenhado e logo recebeu críticas do Governo.

Mais tarde, foi António Costa a defender a medida, explicando que não criaria risco para o Fundo, uma vez que este tem sido utilizado maioritariamente para dívida pública. “[O Fundo] tem estado a ser aplicado quase exclusivamente na compra de dívida pública, contribuindo desta forma para que o Governo diga que as taxas de juro [da dívida soberana] estão a baixar. Pelo contrário, como está previsto na lei, devemos diversificar as fontes de aplicação”, por exemplo, financiando as “caixas de previdência”, investindo “em prédios de rendimento“. “Essa é aliás uma boa aplicação que está prevista na lei – uma pequena aplicação (não mais de 10%), mas que ajude a relançar a economia, criando emprego e assim diminuindo as prestações a pagar pela Segurança Social”, acrescentava António Costa.

Mas nem as explicações de Costa convenceram PSD e CDS. Ainda em maio, em declarações ao Expresso, Jorge Bravo, um dos economistas que ajudou a desenhar o programa eleitoral da coligação, defendeu que esta proposta, além de ser arriscada e “altamente questionável”, acabaria por beneficiar “construtores civis, proprietários, câmaras”. “Parece-me uma estratégia de tentar fazer obra pública mas com verbas do FEFSS“, insistiu. Uma ideia replicada este fim de semana por Marco António Costa.

A Conclusão

Esticado. A tese defendida por Marco António Costa – a de que a proposta do PS se prepara para financiar o setor da construção civil através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social -, é correta na generalidade, mas é possível dizer que a proposta do PS tem um racional defensável, tendo em conta que atualmente o Fundo já tem investimentos imobiliários na sua carteira (embora numa medida muito menor).

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Vai obrigar a investimento? Vai. Mas as verbas já existem no FEFSS e não envolvem um aumento da despesa pública. A discussão que se deve fazer é se o investimento no mercado imobiliário é ou não mais arriscado do que em dívida pública – o que exige uma análise mais fina e maior detalhe da proposta.

Comporta riscos? Sim, em alguma medida indeterminados – a crise do setor imobiliário está, por exemplo, ainda bem presente na memória coletiva. Mesmo assim, o PS já começou a mitigar alguns desses riscos. Primeiro, limitando “preferencialmente” a medida à reabilitação de imóveis do próprio Estado (o que não é o que está escrito no programa); em segundo lugar, colocando apenas parte do fundo nestes investimentos (até 10%, ou seja, até 1,4 mil milhões de euros) quando até 90% pode ser aplicada na compra de dívida pública portuguesa – um mercado também ele volátil e com taxas de juro baixas, que não geram agora dividendos atrativos, argumenta o PS.

Mas sobram questões por analisar: não só a rentabilidade deste investimento é incerto, como o prazo desta rentabilidade será difícil de aferir. O PS explica o objetivo social (um programa de “habitação acessível” – que promoveria rendas mais baixas, controladas, capazes de atrair famílias de classe média e/ou com menos rendimentos). E dá um exemplo de como o dinheiro das rendas reverteria para o Fundo da Segurança Social: o terá sido feito no passado no bairro dos Olivais, Lisboa, ou o antigo Bairro das Caixas (Bairro de Alvalade em Lisboa), por exemplo. Mas precisa de concretizar melhor como o dinheiro do FEFSS pode ser aplicado aqui.

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