As escutas telefónicas recolhidas pela Policia Judiciária estarão no centro do interrogatório ao ex-ministro Miguel Macedo, esta tarde, que estão a cargo da procuradora Susana Figueiredo, titular do inquérito dos Vistos Gold no Departamento central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

Macedo foi apanhado em conversas que os investigadores consideram como comprometedoras com dois dos principais arguidos do caso Vistos Gold: António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) e Jaime Couto Alves Gomes, sócio-gerente da empresa JMF Projects & Business.

As conversas mais preocupantes para a defesa de Miguel Macedo, a cargo do advogado Alfredo Castanheira Neves, são precisamente as que o ex-ministro de Administração Interna teve com este último, visto que Jaime Gomes era um amigo íntimo de Miguel Macedo e estará, segundo o DCIAP, directamente envolvido na rede dos Vistos Gold. Ao que o Observador apurou, Macedo alega não ter estado a par dos problemas financeiros que estariam a afectar as empresas do seu amigo Jaime – problema esses que estarão na origem do seu envolvimento com a rede. Além da amizade, Macedo foi sócio da JMF Projects & Business antes de entrar para o governo de Passos Coelho (entre 2009 e 2011) tendo passado a quota para o nome de Jaime Gomes.

O ex-ministro também tem uma ligação antiga com António Figueiredo (estudaram ambos em Coimbra e foi Macedo quem o nomeou presidente do IRN em 2004 enquanto secretário de Estado da Justiça), há outro problema para a defesa: uma das empresas sob investigação, a Golden Vista Europe, tem como sócia a filha de Figueiredo que também foi sócia de Macedo na JMF Projects & Business.

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Recorde-se que o caso Vistos Gold consiste em suspeitas de corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais, falsificação de documento, prevaricação, abuso de poder e peculato de uso por parte de uma rede que procurava lucrar ilicitamente com a atribuição de Vistos Gold a empresários estrangeiros, nomeadamente chineses, que pretendiam investir em Portugal. Dessa rede, segundo o DCIAP, farão parte António Figueiredo, Manuel Palos (enquanto director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), Maria Antónia Anes (ex-secretária-geral do Ministério da Justiça), além de Jaime Gomes e de mais quatro funcionários do IRN.

Um acórdão da Relação de Lisboa que foi revelado pelo jornal i em primeira mão em Abril, e a que o Observador teve acesso, relata um conjunto de indícios recolhidos contra Miguel Macedo que passam por escutas telefónicas, encontros e ofertas de um cidadão chinês ao actual deputado do PSD.

O documento judicial tem origem em diversos recursos de António Figueiredo e de outros arguidos. No mesmo, a procuradora Susana Figueiredo dava Miguel Macedo como suspeito de prevaricação, acrescentando mesmo que o ex-ministro é “único responsável político” que tem “directa participaçao nos factos”. Os desembargadores responsáveis pelo acórdão da Relação de Lisboa concordaram e consideravam que, face aos indícios que estavam a apreciar, o alegado crime ter-se-á consumado “na esfera do ministro”. Daí o facto de podermos ler no acórdão que Miguel Macedo terá dado uma “ordem ilegal”, violando dessa forma os procedimentos sem atentar ao interesse público e “favoreceu ilegalmente”, alegadamente em conjunto com Manuel Jarmela Palos (antigo director do SEF) “os interesses privados lucrativos” de António Figueiredo e de Jaime Gomes.

Escutas, prendas e sociedade na China

No acórdão da Relação de Lisboa é possível constatar que parte dos indícios recolhidos contra Miguel Macedo nasceram das escutas telefónicas que foram realizadas a diferentes arguidos. Por exemplo, no final de 2013, a Polícía Judiciária apanhou uma conversa telefónica entre Macedo e Gomes em que este chama-lhe a atenção para a necessidade promover os serviços imobiliários na China. O objectivo do antigo sócio de Macedo passava por conseguir a nomeação de um funcionario do SEF em Pequim que servisse os interesses da rede dos Vistos Gold. Estes indícios foram reforçados com outra conversa ocorrida no início de 2014 entre Jaime Gomes e Figueiredo, na qual Macedo é tratado como “o nosso amigo” e a urgência da nomeação para o SEF em Pequim é abordada porque sem uma pessoa de confiança “os vistos” atrasavam-se “pa caralho lá na China”.

De acordo com o DCIAP, Macedo terá acedido a esse pedido de Gomes e terá instruído Manuel Palos a realizar tal nomeação com a intenção de defender “os interesses lucrativos” de Figueiredo e de Gomes. Contudo. Apesar de Palos ter alegadamente acatado a ordem de Macedo, a nomeação não foi avante devido a uma fuga de informação.

As escutas telefónicas serviram também ao DCIAP para ficar a saber que António Figueiredo ter-se-á gabado junto do empresário Zhu Xaiaodong (um dos cidadãos chineses constituídos arguidos) de que conseguir abrir “as portas todas” em Portugal, acrescentando mesmo que conseguia ter influência junto de “empresas privadas, administração pública, tudo”. Outro exemplo da influência de Figueiredo era o próprio Miguel Macedo: “Eu depois também quero apresentar-lhe o dr. Miguel Macedo para ele ficar a conhecer também. Pronto, que é para ele ver que nós temos aqui um grupo de pessoas…”, afirmou Figueiredo, segundo o acórdão da Relação de Lisboa.

No que diz respeito a alegadas prendas recebidas por Macedo, o DCIAP entende que tem fortes indícios de que o empresário Zhu Xaiaodong terá oferecido três volumes de tabaco e duas garrafas de vinho ao ex-ministro da Administração Interna, tendo Macedo retribuído com dois bilhetes para a final da Liga dos Campões – bilhetes esses que foram cedidos pela Federação Portuguesa de Futebol.

O DCIAP acredita que terá encontrado igualmente indícios de que o empresário Zhu Xaiaodong, António Figueiredo, Jaime Gomes e Miguel Macedo terão acordado a criação de uma sociedade comercial na China com o propósito de ligá-la ao negócios dos Vistos Gold.

O caso da Líbia

Miguel Macedo está igualmente a ser investigado em relaçao à sua intervenção no processo de concessão de vistos a cidadãos líbios que desejavam receber tratamento médico em unidades hospitalares privados em Portugal. É no contexto deste processo que Jaime Gomes, de acordo com as escutas telefónicas do caso Vistos Gold, se refere a Macedo como o “Cavalo Branco” – nome de código a que o ex-ministro da Administração Interna ficou associado devido à sua cabeleira branca.

N.D. Este texto foi alterado, introduzindo-se a devida referência ao jornal i, que revelou em primeira mão um acórdão da Relação de Lisboa relacionado com o caso Vistos Gold. Pelo lapso, pedimos desculpa ao jornal i e aos leitores.