Não há como o questionar, o vinho português está nas bocas do mundo pelos melhores motivos: só em 2014, a prestigiada publicação Wine Spectator colocou três vinhos nacionais no top 4 dos melhores do mundo e o Alentejo foi eleito a melhor região vinícola para visitar, a nível global, pelo USA Today. Falar de vinho deve estar, por isso, na moda. E quem melhor do que Tim Hogg, coordenador da formação em enologia na Escola Superior de Biotecnologia da Católica Porto, para nos dar uma palavrinha.

Sim, o nome e o sotaque são ingleses, mas a alma de Tim também já é portuguesa — há mais de 25 anos que o professor universitário e cientista vive em terras lusas, para onde se mudou a mando do coração. Dito isto, a escola onde dá aulas é responsável pela formação da mais recente geração de enólogos, de entre os quais constam Luís Sottomayor (Sogrape, recentemente eleita a melhor produtora do mundo), Anselmo Mendes e Catarina Vieira (Herdade do Rocim).

E o que tem Tim Hogg, dinamizador de investigação e inovação em enologia, para nos dizer? De entre um discurso eloquente, e em bom português, selecionámos sete ideias que refletem o estado do vinho nacional no resto do mundo. As notícias são boas — os nossos néctares não são só considerados sexy como, falando apenas em qualidade, conseguem estar de igual para igual com os melhores do mundo.

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Tim Hogg é professor na Escola Superior de Biotecnologia da Católica Porto / D.R

1. Vinho é paixão que suscita paixões

“Há pessoas que dizem que não existe uma indústria do vinho, que chamar-lhe indústria é retirar um pouco de magia”, começa por dizer Tim Hogg, defendendo que este é um universo onde há pessoas com paixão a todos os níveis, desde o produtor de uva ao CEO de uma grande empresa. “Haver paixão no vinho é uma coisa relativamente comum. Acredito que isso, juntamente com o espírito individualista dos produtores [no sentido em que têm ideias próprias e querem imprimir ao vinho um caráter pessoal], faz uma diferença muito grande.” Para Tim, produzir um bom vinho e engarrafá-lo é obra, mas acrescentar esse processo à sua exportação e venda, sabendo comunicá-lo, é um trabalho muito diferente: “O enólogo de hoje percebe que há paixão não só no que está a produzir, mas também na forma como comunica o que sente pelo seu vinho”.

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2. Falar de vinho é falar de ciência

A descoberta do genoma humano está para o avanço da medicina como a ciência está para o vinho — palavra de professor universitário. Ou seja, a tecnologia permite responder a novos desafios que vão surgindo, tal como as alterações climáticas ou — numa escala menos significativa em contextos globais — a alteração de padrões de consumo, como as eventuais necessidades de se reduzir o volume de álcool em alguns vinhos ou de produzir néctares mais estáveis. “Quem pensa que a história do vinho está acabada… não está nada. Acho que muitas gerações pensaram isso no passado, mas acho que a história do vinho não se vai esgotar”, diz.

Há aplicações práticas da ciência na construção de um bom vinho, sugestões tão óbvias, e ainda assim recentes, que poderão não passar, no imediato, pela cabeça. Exemplo disso é a questão da refrigeração: “Desde que estou em Portugal [final dos anos 1980] houve uma explosão da utilização da refrigeração, ou seja, à data havia muitas adegas que não tinham este sistema, que não conseguiam arrefecer nada. Tal deu acesso a uma ferramenta que permitiu fazer vinhos brancos frescos, ainda com muito sabor a fruta e sem oxidar. Isso [aconteceu] juntamente com a perceção da higiene. São duas coisas muito corriqueiras, mas que foram críticas, sobretudo no princípio dos anos 1990. O perfil dos vinhos brancos, mas não só, alterou-se completamente”.

3. Portugal é um dos países mais dinâmicos no mundo 

Não foi Tim Hogg quem o disse, embora concorde. Em julho deste ano, a prestigiada publicação Wine Spectator contou ao mundo uma história que mais parecia um conto de fadas: Portugal tinha uma variedade de castas, terroirs e culturas de vinificação de valor mundial. Para o professor universitário, são essas as características que permitem ao país, pequeno como é, produzir vinho desde o Minho até ao Algarve, incluindo as ilhas. Posto isto, Hogg diz que estamos no início de um período bom, com boas reviews a serem divulgadas nas revistas (mas também na blogosfera) e com o número das exportações a aumentar. “A oferta de Portugal é muito moderna, multifacetada, vai de encontro ao mundo atual. As pessoas querem coisas não muito conhecidas, diferentes, que contem uma história e que tenham uma boa relação preço-qualidade. A construção desta oferta não é mais do que a soma do que tudo o que as pessoas fazem, é o cuidado de uma forma coletiva. A tecnologia disponível para produzir vinho é igual aqui e em qualquer lado do mundo, não é pior nem melhor.”

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A capa da Wine Spectator de julho deste ano, dedicada a Portugal. (DR)

4. Somos sexy, pois 

“Portugal tem uma oferta que vai muito em linha com o que o consumidor quer. Acho que, hoje em dia, Portugal é muito sexy lá fora. O vinho português é uma proposta sexy, no sentido inglês, é uma proposta que provoca paixões. Atualmente há um segmento de consumidores que está a fugir de tudo o que é padronizado. As pessoas procuram identidade, procuram saber de onde vem a vaca e quem cozinhou o bife. Querem autenticidade. Acho que Portugal chegou já formado ao mercado externo com esta autenticidade embutida.”

5. Ainda não estamos na Liga dos Campeões

Não falamos de qualidade, antes de reputação. “Em termos coletivos, os grandes vinhos do Douro, Dão e Alentejo são vinhos fabulosos que não envergonhariam nenhuma mesa no mundo”, afirma Tim Hogg, não sem antes questionar quem é o árbitro desta decisão e afirmar que em causa não está apenas a qualidade intrínseca dos vinhos, mas também outros fatores intangíveis. “Ainda não estamos na Liga dos Campeões. (…) Outros vinhos foram cotados como muito positivos durante quase um século. Tem que ver com história, com a opinião dos jornalistas… Em termos qualitativos, pondo os vinhos à frente das pessoas para que elas os possam provar e ouvir as suas histórias, não há dúvida que são iguais aos melhores do mundo. Ou seja, os melhores [vinhos] portugueses são iguais aos melhores do mundo. O vinho do Porto, enfim, foi uma coisa que foi sendo construída com muito tempo — mas espero que não seja preciso esperar 400 anos [para que os vinhos de mesa ou tranquilos alcancem o sucesso global]. Portugal também não partiu do zero. É um país conhecido enquanto produtor de vinho.”

6. Preparem-se, a Bairrada vem aí

“O que está a suscitar muito interesse é uma zona tradicional portuguesa, a Bairrada. Por causa da influência atlântica e porque consegue fazer vinhos mais frescos e com novas abordagens de vinicultura. Há muitas pessoas em muitas regiões com o interesse em criar parcerias e em arranjar uvas da Bairrada. O Dão também está a suscitar interesse, mas do que oiço falar mais é da Bairrada.”

7. Os novos críticos somos nós

E da próxima vez que lhe derem um vinho a provar, seja no restaurante ou em casa de amigos, encha-se de orgulho — a sua opinião também conta. “Os jornalistas clássicos, que eram os guardiões da opinião, hoje em dia têm concorrentes que são irreverentes. Até certo ponto, a nova geração de consumidores é o seu próprio crítico de vinhos, porque, atualmente, qualquer pessoa que tem tempo para compor um blogue consegue espalhar a sua opinião. E, às vezes, basta um click para conseguir arranjar centenas de seguidores e isso tem tanto impacto como uma revista escrita.”