O escândalo em torno da Volkswagen rebentou este fim de semana mas a investigação aos resultados dos testes às emissões poluentes começou há cerca de ano e meio, em maio de 2014. E tudo aconteceu por acaso, quando uma equipa de investigadores independentes quis usar os modelos da Volkswagen para provar que os carros movidos a gasóleo podiam ser pouco poluentes. Os investigadores ficaram “chocados” quando viram a discrepância entre as medições feitas no laboratório e as que foram realizadas em estrada.
A Volkswagen e a norte-americana Environment Protection Agency (EPA) estão, afinal, em contacto há vários meses, conta a agência Bloomberg News. Depois de a empresa ter chamado à oficina os quase 500 mil veículos em causa para fazer uma atualização de software, a Volkswagen foi informada a 8 de julho dos resultados finais da investigação levada a cabo pelas autoridades. E só mais recentemente, quando os reguladores estavam a avaliar se certificavam ou não os modelos da Volkswagen que irão para o mercado em 2016, é que a empresa admitiu, segundo a EPA, ter “concebido e instalado um defeat device em vários veículos que detetava, através de um algoritmo informático sofisticado, que o carro estava a ser submetido a testes em laboratório”.
Mas todo este processo começou por acaso. Tudo começou quando um grupo de investigadores ligados ao International Council on Clean Transportation, uma instituição pouco conhecida que se dedica às questões relacionadas com os transportes amigos do ambiente, decidiu usar os carros da Volkswagen para demonstrar como os automóveis com motor diesel podem ser relativamente impoluentes.
O problema é que os carros usados pelo pequeno grupo de investigadores ficavam perfeitamente dentro dos limites quando eram testados em laboratório mas, quando eram levados para a estrada, libertavam grandes quantidades de emissões poluentes – até 40 vezes o máximo permitido por lei.
Uma curiosidade que revelou uma enorme fraude
Um dos investigadores, Peter Mock, teve a ideia de comparar os testes às emissões poluentes quando notou que existiam discrepâncias nos testes feitos na Europa aos modelos VW Passat, VW Jetta e, ainda, o BMW X5. Foi assim que tudo começou.
Mock, que faz a sua investigação a partir da Europa, conversou com John German, o seu colega baseado nos EUA. A ideia era replicar os testes feitos nos EUA e aplicá-los nos carros comercializados na Europa. A Bloomberg explica que, como os EUA têm regras mais apertadas no que diz respeito às emissões poluentes, Peter Mock não tinha dúvidas de que os carros passariam nos testes e mostrar-se-ia aos europeus que os carros a gasóleo eram mais limpos do que se acredita.
“Não tínhamos qualquer razão para suspeitar” que os testes mostrassem outra coisa que não que os veículos “eram limpos”.
Com a ajuda dos laboratórios da West Virginia University, os investigadores colocaram mãos à obra e utilizaram os equipamentos portáteis de medição de gases poluentes. Com estes equipamentos na bagageira e ligados ao tubo de escape, percorreram uma distância de quase 2.100 quilómetros entre San Diego e Seattle e, quando foram apurados os resultados, os investigadores ficaram “chocados”.
“Chocados” porque os resultados que obtiveram não tinham qualquer comparação com os que as autoridades – em rigor, a California Air Resources Board – tinham registado. O Jetta superou os limites legais (americanos) em 15 a 35 vezes e o Passat em cinco a 20 vezes mais. O teste ao BMW X5 não revelou qualquer discrepância, diz a Bloomberg.
Uma atualização do software para resolver o problema
Daí à abertura de um processo de investigação foi um passo. A investigação começou em maio de 2014 e, numa primeira fase, a Volkswagen garantia que tinha descoberto a razão que justificava a discrepância nos resultados. Propôs-se fazer um recall para aplicar um patch, isto é, uma atualização do software que resolvesse a falha.
Mas a agência governamental manteve-se cética e continuou a testar os carros em estrada, constatando que os carros estavam, efetivamente, a emitir mais gases poluentes do que era permitido por lei. Os meses passaram e, por entre garantias por parte dos engenheiros da VW de que era uma questão técnica, a VW foi informada de que não seriam aprovados os novos modelos a menos que a questão fosse plenamente esclarecida. Foi aí que o grupo assumiu a fraude.
Martin Winterkorn, presidente-executivo que acaba de vencer uma luta interna contra o presidente do conselho de administração – e seu antigo mentor –, Ferdinand Piech, garante que fará “tudo o que for necessário para reverter os danos que isto causou”. Esta é, “pessoalmente, a prioridade número 1”, garantiu Winterkorn. A penalização poderá ser, contudo, muito pesada: o grupo arrisca até 18 mil milhões de dólares em multas e alguns executivos poderão enfrentar processos nos tribunais, não sendo de excluir que possa haver detenções no processo.
O principal desafio da Volkswagen será, contudo, reconquistar a confiança dos consumidores norte-americanos.