Os moradores das zonas de diversão noturna de Lisboa (Bairro Alto, Santos, Cais do Sodré, Bica e Príncipe Real) estão cansados de ter à porta de casa um festival que dura “52 semanas por ano” e que, afirmam, é um “pesadelo”. Por esse motivo, escreveram uma carta aberta ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a quem pedem ações que limitem o ruído, a criminalidade e o consumo de álcool em excesso nas ruas do centro da cidade. Mais, convidam Fernando Medina a passar uma noite com eles, “de forma a viver a ‘experiência’ completa”.
Desde janeiro que está em vigor um despacho camarário que limita a venda de álcool para a rua a partir da 1h e estabelece horários mais rígidos para os estabelecimentos de diversão noturna e lojas de conveniência do Cais do Sodré, Santos e Bica. Tais limitações não se aplicam ao Bairro Alto. Como o Observador explicou na altura, na famosa “rua cor-de-rosa” pouca coisa mudou. E, passados alguns meses dessas novas regras, ninguém parecia contente. Agora, os moradores reforçam o desagrado perante a situação.
Leia a carta aberta na íntegra:
“Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa,
Sabe qual é a diferença entre um festival de música e a “noite” lisboeta?
Quem não vive no Bairro Alto, Bica, Cais do Sodré, Príncipe Real ou Santos poderá estranhar a pergunta. Quem lá vive sabe que ambos são fenómenos de massas, que juntam dezenas de milhares de pessoas por noite. E que em ambos se ouve música, se canta e se grita ao ar livre até de madrugada. A diferença é esta: o primeiro decorre
durante 3 dias por ano num descampado; o segundo durante pelo menos 3 dias por semana, 52 semanas por ano, em zonas residenciais.
Qualquer pessoa consegue imaginar o pesadelo que seria dormir junto ao recinto de um festival de música. Pois é esse mesmo pesadelo que vivem os moradores do centro histórico todos os fins de semana: multidões concentradas na via pública; bares que passam música sem cumprirem com os requisitos de insonorização legais; “concertos” improvisados de madrugada no meio da rua; praxes académicas ruidosas; condutores que buzinam seja a que hora for.
São noites a fio sem conseguir dormir; a tentar adormecer crianças que acordam assustadas com a gritaria na rua; a ligar para a polícia que não atende ou invoca a ausência de meios para intervir. Mais a criminalidade, os desacatos permanentes, os assaltos e o tráfico de droga; e o dia seguinte, que é de calamidade pública.
A lei do ruído é claríssima: o descanso noturno começa a partir das 20h com ruído moderado até às 23h. A partir das 23h a regra é o silêncio. A exceção ocorre apenas para atividades temporárias, desde que munidas de licença especial de ruído, que deve ser concedida com carácter excecional.
A CML dispõe de suficientes articulados legais para resolver a questão de forma simples e célere, em parceria com as demais entidades com responsabilidades nesta matéria. Infelizmente, opta há já vários anos pela inércia, permitindo que seja esmagado o nosso direito constitucionalmente protegido ao sossego, e isto apesar das queixas apresentadas, dos testemunhos divulgados, das reportagens realizadas.
Não nos opomos ao divertimento nem à exploração lucrativa do comércio noturno; opomo-nos sim a que o preço seja a nossa saúde. São inúmeras as famílias que já abandonaram os nossos bairros, desesperadas com o barulho. É essencial estancar a hemorragia, sob pena de vermos o centro histórico desertificado.
O despacho 140/2015 que reduz o horário de abertura de bares foi um primeiro passo, ainda que tímido, no reconhecimento de que a situação atual é insustentável. É urgente ir muito além.
É por isso, Sr. Presidente da CML, que vimos formalmente convidá-lo a fazer connosco uma visita guiada à publicitada e aplaudida noite de Lisboa. Muito nos honraria ainda se aceitasse dormir numa das nossas casas, de forma a viver a “experiência” completa. Compreenderia então a urgência de tomar medidas muito mais ambiciosas para repor o equilíbrio entre os direitos dos moradores, o comportamento dos utentes da noite, e a atividade lúdica e económica noturna. A começar por:
– A adoção urgente de regras e procedimentos com vista ao cumprimento da lei do
ruído e respetiva fiscalização;
– A restrição e uniformização dos horários dos estabelecimentos de venda de bebidas
alcoólicas para horários compatíveis com o direito dos moradores ao descanso;
– O fim do licenciamento zero nos bairros históricos;
– A realização de uma campanha de civismo, que recorde regras básicas de vivência
em sociedade, como não gritar nem urinar na via pública.
Sr. Presidente: estamos, como sempre, disponíveis e empenhados em colaborar consigo para melhorar a qualidade de vida na fantástica cidade que é Lisboa. Nós cumprimos com o nosso dever de cidadania ativa; cabe-lhe agora a si cumprir com o seu: defender os direitos básicos de todos os seus munícipes.
Isabel Sá da Bandeira, Mª João Podgorny, Miguel Sepúlveda, A.M Aqui Mora Gente
Facebook: AquiMoraGente”