Em primeiro lugar, na Roda dos Alimentos, surgem os cereais (com respetivos derivados e tubérculos), com a recomendação de quatro a 11 porções diárias. Depois aparecem as hortícolas e as frutas com proporções equivalentes – três a cinco porções – e que agora aparecem separadas na Nova Roda dos Alimentos para reforçar a sua importância. Cumprir estas recomendações abre-nos caminho para uma alimentação saudável e apresenta a base para uma alimentação vegetariana. Mas será que devemos privar as crianças de todos os alimentos de origem animal? O Observador foi consultar a opinião dos especialistas.
“Embora seja consensualmente aceite que uma alimentação vegetariana bem planeada é uma opção válida na idade adulta desde que se dê a devida atenção a certos nutrientes chave como as proteínas, os ácidos gordos ómega 3 e algumas vitaminas e minerais, a sua adequação à idade pediátrica é discutível e controversa“, refere a Comissão de Nutrição da Sociedade Portuguesa de Pediatria (CN/SPP) na Acta Pediátrica Portuguesa (volume 43, número 5).
Alejandro Santos, membro do conselho jurisdicional da Ordem dos Nutricionistas, não descarta que seja possível este tipo de alimentação, mas alerta que se requer uma seleção muito criteriosa de alimentos para que não falte nenhum nutriente essencial ao desenvolvimento das crianças. O professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto lembra ao Observador que este tipo de cuidado com uma alimentação diversificada e equilibrada é válido tanto para crianças como para adultos.
“Seguir uma dieta vegetariana não implica, per se, melhor saúde. Mais e melhor saúde depende da escolha de um estilo de vida saudável, onde a alimentação é apenas uma de diversas escolhas”, alerta a Direção Geral de Saúde, nas “Linhas de Orientação para uma Alimentação Vegetariana Saudável”.
As dietas de base vegetariana são muito variáveis. Daquelas em que se consome estritamente vegetais (incluindo o veganismo, que além de dieta é uma filosofia de vida), àquelas que incluem ovos ou leite ou àquelas que admitem o consumo de peixe ou de carne de aves. A Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição, citada no documento da SPP, “considera inadequada uma dieta vegan” nos primeiros anos de vida e recomenda “uma quantidade diária de cerca de 500 mililitros de leite (materno ou fórmula infantil) ou de lacticínios e, ainda, uma oferta pelo menos semanal de produtos animais (peixe)”.
“Quanto mais alimentos de origem animal forem excluídos, maior o risco de existirem carências alimentares”, lembra Alejandro Santos. Dito isto, o nutricionista considera que o risco é muito maior para os veganos porque exige muito mais cuidado na seleção dos alimentos que satisfaçam todas as necessidades de uma criança ou adolescente em desenvolvimento, ou mesmo de uma grávida.
No entanto, o nutricionista lamenta que “ainda não exista informação cientificamente fundamentada suficiente” para poder aconselhar as famílias que optam por estas dietas mais restritivas. Na ausência de recomendações, os profissionais não se sentem preparados e preferem não recomendar uma alimentação vegana para crianças. Depois da publicação das “Linhas de Orientação para uma Alimentação Vegetariana Saudável” pela Direção Geral de Saúde (DGS), Alejandro Santos confia que outras recomendações surgirão, mas lembra que este documento dirige-se exclusivamente ao indivíduo adulto saudável.
Os riscos e as recomendações
“Durante o crescimento, uma criança precisa de mais energia e mais proteínas do que vai gastar naquele momento”, exatamente porque está a crescer, refere o nutricionista. Mas, enquanto os produtos de origem animal, como os ovos ou o leite, têm quase todos os aminoácidos essenciais para a produção de proteínas no nosso organismo, nos vegetais exige-se que se consuma uma diversidade muito maior para obter todos esses aminoácidos.
Uma dieta pobre em proteína, em vitaminas D, B12 e riboflavina, assim como em cálcio, ferro e zinco, pode comprometer o desenvolvimento físico e cognitivo da criança. E o problema de alguns destes nutrientes, como o ferro, é que são mais difíceis de absorver pelo organismo quando a origem é vegetal, explica Alejandro Santos.
O nutricionista reforça que nos momentos dos picos de desenvolvimento das crianças é preciso atenção redobrada no consumo suficiente dos nutrientes e aminoácidos, como durante a adolescência. Nesta fase, e em particular para as meninas, a puberdade pode acentuar a carência de ferro já existente.
Numa fase mais precoce do desenvolvimento e na ausência de leite materno, as famílias podem optar por fórmulas infantis com proteína de soja, mas a SPP alerta que este produto tem “elevada concentração de alumínio” e hormonas, “desconhecendo-se os efeitos a longo prazo desta exposição precoce”.
Recomendações para dietas vegetarianas nas crianças:
- Entre os zero e os seis meses: Aleitamento materno exclusivo, que requer maior atenção por parte das mães lactantes que sejam veganas.
- A partir dos seis meses: Pode ser introduzida uma fórmula infantil com proteína de soja em alternativa ao leite. A SPP defende que as bebidas vegetarianas, como as de soja (excepto fórmula) ou de arroz, não são boas alternativas ao leite nos primeiros dois anos de vida.
- Aleitamento: “O aleitamento materno é ainda aconselhado durante o processo de diversificação alimentar, mais ainda nos vegetarianos o aleitamento materno deveria ser prolongado até aos dois anos de idade”, recomenda a DGS.
- Diversidade: É uma palavra chave para a alimentação de crianças vegetarianas e não-vegetarianas, lembrando que também é importante a ingestão de alimentos ricos em gordura e energia, conforme as recomendações da Roda dos Alimentos. “Evitar o estabelecimento de uma dieta monótona,
habitualmente rica em calorias e pobre em nutrientes”, recomenda a SPP. - Suplementação de lactantes: “Lactantes a efectuar dietas vegetarianas restritivas deverão
efectuar suplementação com DHA, vitamina B12 e ferro”, assim como “um adequado suprimento proteico e energético”, recomenda a SPP. - Aminoácidos essenciais de alto valor biológico: Encontrados em alguns alimentos de origem animal, como carne, pescado, laticínios e ovos, e vegetal, como a soja, quinoa e amaranto.
- Digestibilidade: Os alimentos vegetarianos são de mais difícil digestão que os de origem animal, por causa da parede celular das células, podendo dificultar o acesso à proteína e restantes nutrientes. Demolhar, descascar e cozinhar em panela de pressão pode aumentar a digestibilidade proteica, refere a DGS.
- Ómega 3: Um ácido gordo essencial e normalmente encontrado nos peixes gordos pode ser compensado com a ingestão, por exemplo, de algas e sementes de linhaça, chia e cânhamo.
Artigo atualizado com recomendações de leitor às 20h00