Pescada fresca, em cama de molho de tomate com coentros frescos e puré de couve flor e batata. Isto depois de um creme de aipo, de entrada, e antes de um kiwi, de sobremesa. Parece refeição de restaurante, mas estamos mesmo numa escola pública. Na nova Escola Básica do Convento do Desagravo, em Lisboa, as quase 400 crianças do jardim de infância e do primeiro ciclo têm um chef a cozinhar para elas e as refeições são todas saudáveis. Ontem,  quarta-feira, foi dia de peixe.

“Temos três meses de receitas já preparados, o que significa que só ao fim desse tempo as crianças voltam a comer o mesmo prato. Durante a semana há dois pratos de carne, dois de peixe e um vegetariano. E há zero fritos nas ementas. Não temos óleo encomendado para o ano inteiro. A fritadeira que já cá estava quando chegámos continua nova e assim continuará”, resumiu ao Observador o chef Nuno Queiroz Ribeiro, que decidiu abraçar este projeto pioneiro proposto pela Câmara Municipal de Lisboa.

comida escola

O almoço dos alunos do Desagravo foi pescada fresca em cama de molho de tomate e coentros

Muito crítico da forma como os portugueses se alimentam e das técnicas de cozinha antiquadas que são utilizadas, Nuno Queiroz Ribeiro defende a reinvenção da comida portuguesa e abomina os fritos e o açúcar, que considera ser a maior epidemia do mundo.

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Há zero fritos nas ementas. Não temos óleo encomendado para o ano inteiro. A fritadeira que já cá estava quando chegámos continua nova e assim continuará”, garantiu o chef Nuno Queiroz Ribeiro.

“Um terço das crianças em Portugal tem excesso de peso, das quais 13,9% são obesas. O que eu pergunto aos pais é se é assim que gostam dos vossos filhos? Dar tudo o que eles querem não é uma forma de amar. Para além dos problemas de saúde que resultam daí, a concentração deles não existe porque estão sempre a pensar no que vão comer e por isso o aproveitamento escolar baixa”, avisa o cozinheiro

E revolucionando aquela que é a prática nas escolas públicas, nesta nova escola da capital, há muitos alimentos proibidos. “Não há iogurtes de aromas pois por cada 125g de iogurte de aromas, cerca de metade é açúcar, tal como o leite achocolatado, e só comem um doce de 15 em 15 dias”, avisa o chef. E quais são as alternativas? “Todos os dias comem fruta ou batidos e só temos iogurtes naturais aos quais podemos juntar compotas caseiras de pêra ou maçã.”

Assim, ao pequeno almoço, as crianças comem um pão integral ou de centeio com queijo magro ou fiambre de frango ou perú, sem manteiga. Acompanham com um batido, uma peça de fruta ou um iogurte natural com ou sem compota. Ao lanche, a mesma coisa.

A esperança do chef Nuno Queiroz Ribeiro, formado na mais antiga escola de cozinha do mundo (Cordon Blue, em Londres), é que este projeto pioneiro seja assumido pelo Governo e se avance com um “projeto escolar” de alimentação saudável a nível nacional, do género do que foi desenvolvido no Reino Unido, com a ajuda do chef Jamie Oliver.

Eu estou numa escola com 400 crianças, se apostarmos em reeducar o cérebro dos dois milhões que existem pelo país, elas vão crescer habituadas a comer todos os dias vegetais, fruta e água. Não vão comer açúcar e serão crianças mais saudáveis.”

Mas não chega. É preciso que haja o “envolvimento da comunidade, dos pais”. Nesta escola foi dito aos pais para não enviarem os lanches que habitualmente enviavam, carregados de açúcar.

Truques para pôr as crianças a comer bem

Tudo muito bem. Mas por esta altura estará a questionar-se sobre a forma como vai pôr o seu filho a comer essas comidas mais saudáveis e tirar-lhe os refrigerantes e os doces que ele tanto gosta e tanto come.

“Não se bate de frente com nenhuma criança. Vai-se à volta”, começou por dizer o chef Nuno Queiroz Ribeiro. Pode explicar melhor?

Quer introduzir o espinafre na alimentação da criança? Pode começar por fazer béchamel verde e assim ela vai-se habituando ao sabor. Depois poderá passar para um hambúrguer onde mistura a carne picada com espinafres partidos em pedaços pequenos. E por aí em diante.” Para introduzir peixe na alimentação pode-se fazer, por exemplo, almôndegas ou hambúrgueres de peixe.

Há também várias maneiras de pôr a criança a comer fruta, se ela rejeitar comê-la inteira e com casca (de preferência): fazer batidos ou compotas caseiras. Como? Para o batido pode escolher fruta da época, uma ou duas bolachas maria e leite de arroz. Para a compota pode cozer maçãs ou pêras e triturar tudo até ficar com a textura de uma compota ou papa. Sem qualquer adição de açúcar. Deixe de comprar os boiões de fruta já preparados.

E como se faz para retirar certos alimentos da dieta diária das crianças, como os doces, os fritos e os refrigerantes? “Vai-se tirando.”

Bebe ice tea há dez anos? Passa a beber metade água, metade sumo. Depois passa a ser um terço de sumo e dois terços de água, até passar a ser só água”, ensina o chef.

Outra das estratégias que pode utilizar para que tudo corra bem na hora da refeição é “envolver a criança no processo” da confeção. “Ela vai ter gosto em comer aquilo que esteve a ajudar a fazer”, explica Nuno Queiroz Ribeiro, acrescentando que outra dica é “brincar ao máximo com a comida, fazer com que a refeição seja uma coisa divertida”. E isso pode ser alcançado, brincando com a comida no prato, criando formas e figuras e introduzindo cores (purés de cenoura, ou bróculos, por exemplo, ligados com um pouco de natas de soja).

Como cozinhar bem sem ser um “chef”?

A verdade é que se “reinventar” pode ser fácil para os chefs, para o comum cozinheiro das horas livres pode tornar-se um bicho de sete cabeças. Falta de jeito, de conhecimento e de tempo tornam a tarefa de cozinhar, muitas vezes, aborrecida, stressante ou mesmo impraticável. Resultado? As refeições repetem-se a cada dia e, normalmente, são muito calóricas e desequilibradas.

Mas a verdade é que para fazer refeições mais saudáveis não precisa de ser um mestre da culinária, embora requeira tempo. O chef Nuno Queiroz Ribeiro sugere, logo para começar, que se evitem os fritos, os refrigerantes, as bolachas, os bolos, as natas e outros molhos de compra, comidas já pré-cozinhadas, as batatas fritas e outros aperitivos. Se tem crianças pequenas, risque também da lista do supermercado, por exemplo, aquelas refeições já preparadas que se vendem em boiões, sejam eles de fruta ou carne ou peixe e vegetais.

E como tornar uma refeição calórica numa outra mais saudável? Nuno Queiroz Ribeiro exemplifica com os croquetes: “Em vez de os fritar mergulhados em óleo como é habitual, pincele-os com um bocadinho de gordura, neste caso azeite, e coloque no forno a 250.º, durante 12 minutos”. E o mesmo se aplica a rissóis, chamuças e outros do género.

“Em vez de os [croquetes] fritar mergulhados em óleo como é habitual, pincele-os com um bocadinho de azeite e coloque no forno a 250.º, durante 12 minutos”, aconselha o chef Nuno Ribeiro.

Outra dica passa por cozinhar logo à segunda-feira ou ao domingo, massa e arroz para a semana inteira. Sem temperos. Depois ao longo da semana “podemos saltear com molho pesto, de tomate, leite de coco, espinafres, nozes ou outros frutos secos”, por exemplo. E assim se vai conseguindo ter sempre pratos variados, saudáveis e em menos tempo.

Ter sopa em casa é também fundamental e ajuda a criar refeições mais equilibradas. De resto, pense sempre que o ideal é criar um equilíbrio entre pratos de carne e de peixe.

Não faltam sítios onde pode encontrar receitas saudáveis e algumas até a pensar nos mais pequenos aí de casa. A Direção-Geral da Saúde, no site da Plataforma Contra a Obesidade, dá várias dicas de receitas que permitem preparar refeições equilibradas. Deixamos-lhe aqui uma a pensar nos miúdos…mas que muitos graúdos vão querer provar.

Hambúrguer de salmão

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Ingredientes:

4 filetes de salmão; 4 pães para hambúrguer; 1\2 cebola; 1 raminho de salsa picada; 1 gema de ovo muito fresca; 1\2 limão; 4 folhas de alface; 12 tomates cereja; 1 iogurte natural; sal q.b; 2 colheres (sopa) de azeite

Modo de preparação

Corte o salmão em pedaços, já descongelado e coloque-os na picadora. Pique-os ligeiramente, sem ficar em pasta. Depois, retire-os para uma tigela, junte a salsa picada, a gema, a cebola picada muito fina e o sumo de limão. Tempere com uma pitada de sal e misture bem. Molde 4 hambúrgueres, leve ao lume uma frigideira com o azeite e deixe aquecer. Junte os hambúrgueres e deixe cozinhar até ficarem douradinhos de ambos os lados. Lave a alface e seque-a. Lave os tomates e corte-os em rodelas. Corte o pão ao meio e ponha, em cima de cada metade de pão, a alface e o tomate. Regue com um pouco de iogurte e coloque em cima o hambúrguer de salmão. Pode juntar um pouco mais de iogurte e cobrir com a outra metade do pão.

Sugestão: O hambúrguer pode também ser servido no prato, acompanhado com massa e brócolos salteados.