Há pouco mais de uma semana, andava António Costa em campanha por Aveiro. O roteiro era um exemplo da “proximidade das pessoas”: visita ao Conservatório de Música de Águeda, passeio pelas ruas, passagem por uma escola secundária com direito a selfies e a toques de bola. A intuição pode imaginar António Costa de calças de ganga e camisa, mas as fotografias mostram-no de fato e gravata — muito formal e distante, podia obstar-se, não fossem os óculos de sol ao estilo wayfarer.
“Não há um modo de vestir que capta o voto”, diz Ana Margarida Barreto, professora de Marketing da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. E explica: para que a roupa seja um dado a beneficiar um candidato numa campanha (ou qualquer outra pessoa em qualquer situação), o importante é que se crie identificação como interlocutor. Camisa e calças de ganga podem não ser a farda das arruadas se aquele grupo específico de eleitores reage melhor a um político de fato e gravata – é uma questão subjetiva e em constante mutação.
“O importante é ser coerente”, aprofunda Ana Margarida. “Se [os candidatos] mudarem muito a imagem de um momento para o outro, o eleitorado pode sentir que alguma coisa não está bem, pode estranhar” — a mesma coisa, continua, para quando dizem uma coisa e o corpo mostra outra ou para quando um discurso demasiado informal se acompanha de uma roupa de cerimónia. “A imagem é um todo, não é só a roupa e constrói-se. E não tem de corresponder necessariamente à identidade”, avisa.
Para Xana Guerra, fashion adviser apartidária — sublinha –, a roupa reflete e acentua a personalidade, quem se é e de onde se vem. “A campanha é o momento em que os candidatos têm de expressar a sua individualidade, não precisam de obedecer a protocolos.”
Dos guarda-roupas da campanha Xana diz ser “tudo muito normal” e resume a imagem que as roupas destas legislativas estão a passar: António Costa é cool, Passos Coelho tem medo, Portas é inteligente, Catarina Martins mostra honestidade e Jerónimo encara todos os outros candidatos de frente.
Dos chapéus de Portas ao “bê-á-bá” de Passos
Desde que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas se tornaram uma dupla, o líder do CDS moderou o seu estilo. As boinas em feiras de agricultores já não são tão frequentes mas não desapareceram: de visita a produtores agrícolas em Almeirim, Portas usou um chapéu de abas e camisa desabotoada além do politicamente correto botão do colarinho. Para Xana Guerra, o líder do CDS é um “clássico arrojado”, e apesar de estar mais moderado na forma de vestir — para acompanhar Passos — não está irreconhecível: “Mistura bem peças, tons, padrões e é engraçado a vestir.”
Nos comícios e na rua, Portas anda com calças de ganga ou calças beges, camisas de riscas ou lisas e muitas vezes de pólo. Não é difícil encontrar fotografias das duas caras da coligação lado a lado mas as semelhanças não são habituais ao ponto de permitir fazer o jogo do “descubra as diferenças”. “Passos Coelho é o bê-á-bá: a camisa branca, as calças bege, o blaser azul com os botões dourados. E faz a campanha toda com aquela camisa e aquele casaco”, diz Xana Guerra. “Faz-me lembrar aqueles miúdos betinhos que pensamos que não fazem mal a ninguém, e depois são os maiores malandros.” Acrescente-se a isto o acessório que anda sempre no bolso — o crucifixo que se tornou tema de campanha — e o líder do PSD é o conservador.
Numa rápida viagem pelas fotografias do Facebook da coligação Portugal à Frente, Passos insiste na monótona camisa branca ou azul clara. “Para ele, arriscar é pôr umas calças de ganga. Se não sai do mesmo registo confortável passa uma mensagem de medo, não se mostra confiante.” Ao lado dele, Paulo Portas é o número dois no programa da coligação, mas não se cola ao estilo sério e sisudo do atual primeiro-ministro. “Portas não quer ser igual ou uma cópia e isso demonstra inteligência. Assume uma maneira de estar na vida diferente, logo a roupa é diferente”, analisa Xana, acrescentando que, apesar de andar misturado com o eleitorado — como todos os outros candidatos — durante a campanha, a postura de Passos é de permanente distância.
Foi por isso raro o momento captado em Isto é Tudo Muito Bonito Mas, o programa de humor da TVI em que Ricardo Araújo Pereira, Miguel Góis e Zé Diogo Quintela acompanham as eleições. Nesse momento, os dois candidatos da coligação surgiam juntos e vestidos de igual, ao estilo previsível de Pedro Passos Coelho. No seu comentário, Ricardo Araújo Pereira chamou-lhes “manos” e imaginou o telefonema em que Passos diz a Portas: “Não te esqueças que são só duas dobrinhas nas mangas.” “Até a maneira certinha de dobrar as mangas é antiquada”, comentava a consultora de moda dias antes, em conversa com o Observador.
António Costa sem regras: fato e gravata sim, calças de ganga e óculos também
O lugar de chefe do Governo discute-se entre um homem de ar burocrático e outro descontraído. Costa desafia todas as regras implícitas às arruadas: usa fato e gravata quando disso não se está à espera e fala com as pessoas na rua de óculos de sol — quem disse que os políticos têm de olhar as pessoas nos olhos para serem eficazes?
“Parece muito mais jovem que Passos [é mais velho três anos]. Usa blusão e calças de ganga, e até pelas cores e cortes dos fatos ganha um ar ligeiro. Se chegar a primeiro ministro terá de ter outros cuidados, mas aqui não tem medo de arriscar”, analisa a fashion adviser, acrescentado que Costa se apresenta confiante.
Dizer que Costa se afasta da esquerda por usar gravata nas viagens pelo país será abusivo — já todos os partidos se libertaram desse acessório masculino que começou por ser renegado pela esquerda, como sinal de arrojo e libertação. Agora o arrojo parece estar na formalidade de um fato quando se devia estar de calças de ganga.
“A roupa que vestimos influencia a forma como os outros nos veem, mas também como nós nos vemos e sentimos. A isto chama-se enclothed cognition”, explica Ana Margarida Barreto. As roupas têm um poder simbólico que a pessoa que as usa tende a assumir. Se nos vestimos como um líder, mais facilmente nos sentimos um líder, e tendemos a agir como um líder.
Esta capital simbólico que as roupas e os acessórios têm não é dado à partida, mas nasce na história e com o tempo. Ana Margarida lembra as pérolas de Margaret Thatcher que reforçaram a sua imagem clássica, familiar, conservadora.
As versões melhoradas de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa
Nesta ótica, Catarina Martins nunca fará campanha de colares de pérolas. Por outro lado, parece ter moderado o tom artesanal dos pendentes que usava antes de se tornar a única cara do Bloco de Esquerda. É sem padrões, de calças de ganga e túnica ou camisa — de cores fortes como o vermelho ou outras menos comprometedoras como o azul escuro — que sai para a campanha. A grande diferença num grande plano de Catarina Martins é o cabelo, agora pintado. “A partir do momento em que salta para a frente percebe que tem de mudar, de mostrar que isto é a sério. É um sinal de competência e preocupação”, diz Xana Guerra. O todo é uma imagem clara, sem ruído: “Transmite honestidade. E não usa peças fortes porque não pode ofuscar as pessoas para estar próxima delas. Não está nem de mais, nem de menos, sabe adaptar-se ao sítio.”
No hemicíclo, na mesma ala de Catarina Martins, está Jerónimo de Sousa, que é agora — no que à roupa diz respeito — uma versão melhorada de si mesmo: não alterou o estilo, mas “nota-se um cuidado em ter um bom fato e uma boa camisa” e de vez em quando um pólo (sem marcas) com duas risquinhas na manga que, repara Xana, “lhe dá um ar ligeiro”, acrescentando que isto será provavelmente obra de algum conselheiro. “Este ótimo upgrade” é Jerónimo de Sousa a dizer que está presente e “a olhar frente a frente para os outros candidatos”, enquanto ao mesmo tempo “está próximo das pessoas na rua”. A consultora arrisca dizer que o comunista “dá 10 a zero a Passos Coelho”.
Para a fashion adviser, o líder do PSD pensa que está a dar mais importância ao que diz anulando a sua imagem, e não é assim: “Em Portugal, os políticos acham que a roupa está em segundo plano — e de facto não é pelo que vestem que são ou não competentes — mas a pessoa é uma totalidade: o que diz e o que faz mais a sua imagem. O todo é importante”, frisa, dando o exemplo de países como os Estados Unidos, em que há conselheiros que se ocupam especificamente do vestuário de um político para que ele se sinta confiante e o seu trabalho seja a sua única preocupação.
Não havendo esta tradição em Portugal, o candidato sabe que está a ser analisado ao pormenor. Ou então pior: não está a ser analisado — sendo isto uma racionalização —, mas gera uma opinião apenas ao nível sensorial. Um poder mais ou menos místico que atribuímos normalmente à publicidade. “Sabe-se que os primeiros três segundos de contacto são importantes na definição de um julgamento. O que o marketing e a economia comportamental estão a tentar perceber é porque é que em algumas situações em que devíamos tomar decisões lógicas, tomamos decisões irracionais, ligadas às sensações”, explica Ana Margarida Barreto, adiantando que, aplicando esta noção à política, os estudos dizem que isto pode ser relevante no caso dos indecisos e apartidários.
É já mítico o debate entre Nixon e Kennedy em 1960, quando ambos eram candidatos à presidência dos Estados Unidos: o primeiro, a recuperar de uma doença, suava e recusava maquilhagem, enquanto usava um fato escuro de ar pesado. O segundo, com um ar jovem e penteado, de um azul consensual (apesar da televisão a preto e branco), estava maquilhado e aguentava os holofotes do estúdio. Quem acompanhou pela rádio deu a vitoria à retórica de Nixon; quem viu na televisão (era o primeiro debate transmitido por este meio), deu-a à imagem de Kennedy.
Também nos argumentos para a força da imagem, alinham-se as experiências recentes de Alexander Todorov, do departamento de psicologia da universidade de Princeton. O psicólogo mostrou fotografias de dois candidatos a um grupo de pessoas e pediu que adivinhassem quem tinha ganho as eleições. A maioria das pessoas acertou no eleito. “Isto relançou o debate sobre qual o papel da aparência e da linguagem não verbal na política”, diz Ana Margarida.
O que se propõe não é a ideia de que sempre que alguém coça a cabeça está com dúvidas, ou que quem sabe criar identificação pela imagem ganha — até porque, nestes casos, não contam só os três primeiros segundos, há já uma imagem feita destes políticos. Mas estes dados ajudam a perceber a importância da roupa e da linguagem não verbal para tornar o discurso falado mais coerente. A professora da Universidade Nova lembra que se trata de uma área de estudos recente — as investigações mais antigas aconteceram por volta de 2005. “Estas áreas não têm leis que digam ‘é sempre assim’ e não reclamam a função de distinguir entre um mentiroso e alguém honesto.”
Sobre a sua farpela, um candidato dirá provavelmente que é secundária, que o importante é o que se diz e o que se faz: sem dúvidas, concordam eles e o eleitorado. Mas — sem querer pôr a roupa que vestem no centro da decisão política — “quando os estudos revelarem que os eleitores confiam em alguém de t-shirt, todos os candidatos vão andar de tshirt”, conclui Ana Margarida.
Ilustração: Milton Cappelletti