“O tempo pergunta ao tempo/Quanto tempo o tempo tem/O tempo responde ao tempo/Que o tempo tem tanto tempo/Quanto tempo o tempo tem.”
Domingo, dia de eleições presidenciais. O tempo é o inimigo de candidatos, apoiantes e cidadãos em geral até à saída dos resultados eleitorais. Um minuto parece uma hora e a espera pelos resultados finais leva a unhas vertiginosamente roídas, cérebros perto da explosão e corações prestes a disparar. Mas afinal, como é que o nosso cérebro entende a passagem do tempo?
“Temos vários relógios no nosso corpo que medem o tempo. São, pelo menos, cinco ou seis”, começa por explicar Gustavo Mello, neurocientista da Fundação Champalimaud. Por exemplo, temos um relógio que mede a nossa perceção de “um dia” e outro responsável pela nossa percepção de “horas”.
“Para o nosso cérebro perceber a passagem do tempo, tem de transformar a informação do ambiente numa espécie de sinal“, explica o investigador. Mas há vários fatores a jogar: “quão ativos estamos, quão emocionalmente alterados estamos, quão concentrados ou distraídos estamos”, esclarece.
Um evento gera uma representação no cérebro. Depois tudo o que fica é a memória do evento e a memória com o tempo vai desaparecendo”.
O tempo que um determinado evento fica no nosso cérebro depende de nós. “Se nos tentarmos lembrar sucessivamente de um evento, estamos constantemente a renovar a memória”, explica Gustavo Mello. Se ficarmos distraídos, a memória vai-se desgastar mais rápido. Se nos concentrarmos, o tempo passa mais depressa.
Um exemplo. “No primeiro encontro, a pessoa presta muita atenção a tudo o que está a acontecer. Há várias coisas a atuarem em simultâneo: o estado emocional, a dopamina e a endorfina a entrar no organismo. Isso faz com que as memórias desse evento sejam intensas e vão desgastar-se devagar”. O tempo parece ter passado muito rápido. “Passaram quatro horas e, de repente, parece que passaram dois minutos”, acrescenta o neurocientista.
Um exemplo ao contrário: “estamos no último dia de aulas da faculdade, na aula mais chata, antes das férias de verão, não estamos a prestar atenção a nada. Tudo o que aparece passa rapidamente, desgasta-se rapidamente. Aquele minuto para terminar a aula dura o equivalente a uma hora”.
Aqui não há formulas científicas, salienta Gustavo Mello, porque tudo depende do grau de ansiedade de cada pessoa e da forma como reage. Há, sim, uma regra infalível: “qualquer coisa que se faça com concentração total, seja um trabalho, uma aventura ou uma tarefa, faz com que o tempo passe mais depressa. Quando não se está a fazer nada, o tempo passa mais devagar”.
Mas o que é que posso fazer para me distrair?
Informação apreendida. Vamos então a alguns truques para nos concentrarmos em tarefas que nos façam esquecer das horas que temos pela frente, até às percentagens finais.
- Ver um filme que quer ver há muito tempo mas que ainda não teve tempo. Mas cuidado com a escolha do filme: não convém que o argumento esteja ligado ao evento que está a causar ansiedade. No caso do dia de hoje, será melhor não ver um filme relacionado com derrotas na política ou com a queda de governos ou de líderes. E assim se passam cerca de duas horas, ou um pouco menos ou um pouco mais.
- E porque não aprender um truque? Por exemplo, porque não aprender a girar um lápis com o polegar? O site wikiHow ensina aqui. E como forçar o choro num determinado momento? Pode começar a treinar seguindo todos os passos aqui.
- Pode também começar a ver uma série. Se começar a ver “Dexter”, ficará viciado a partir do 3º episódio — pelo menos é o que diz a Netflix. Sendo que cada episódio tem cerca de 40 minutos, passam duas horas até não conseguir largar mais a série. Depois é só parar quando se lembrar do dia de hoje e conseguir ignorar Dexter Morgan e as suas peripécias.
- Começar a pensar num jantar diferente. Dê uma volta aos armários, faça um levantamento dos ingredientes que tem em casa e depois desenhe potenciais combinações para receitas novas. É tarefa para demorar perto de uma hora. Pode também fazer compras de supermercado pela internet — consta que, se a lista for grande, também não é tarefa rápida.
- Fazer um puzzle. Hoje é o dia ideal para tirar o pó aos puzzles e relembrar a arte de juntar pecinhas. Os de 1.000 peças podem tirar-nos muito tempo e tem vários benefícios para o cérebro: melhoram a capacidade de memória, estimulam a criatividade e aumentam a produção de dopamina. Também estimulam a nossa capacidade de resolver problemas. O que pode dar jeito.
- Faça jogos com as pessoas que estão à sua volta. Se estiver com os seus filhos, comecem a inventar uma história e prolonguem-na até se cansarem. Agarrem num livro de colorir e pintem em conjunto. Podem ainda fazer jogos de palavras, como o típico jogo do STOP e palavras cruzadas. E o jogo da mímica?
- Terminamos com o conselho em jeito de lição motivacional: relativizar e pensar que aquele é só um momento no meio de milhões. E que, depois daquele momento passar, há muitas coisas que ainda vão acontecer. Boas ou más.