De um lado da Avenida da Liberdade, em Lisboa, festa grossa. Atravessando a rua, outra festa, mais na teoria do que na prática. No Cinema São Jorge, o Bloco de Esquerda celebrou a subida a terceira força política. Do outro lado da Avenida, na habitual sede da CDU no Edifício Vitória, o discurso dos líderes era também vitorioso. Mas os militantes presentes nestas duas sedes políticas sabiam que havia uma festa mais animada do que outra. Foi sempre assim ao longo da noite eleitoral, que culminou com a desilusão comunista face ao anúncio de António Costa de viabilizar o Governo da coligação PSD-CDS.
Às 20h00, já Francisco Lopes, da Comissão Política do Comité Central, reagia assim às primeiras projeções: “Isto é uma hecatombe eleitoral”, concluiu, sobre os resultados da direita. Duas horas depois, Jerónimo de Sousa apareceu pela primeira vez para celebrar a subida da CDU e anunciar que iria rejeitar qualquer tentativa de Governo PSD-CDS face à não-maioria.
O PS “tem condições para formar Governo”, disse Jerónimo de Sousa. Sobre se estaria disposto a aprovar um Orçamento de Estado dos socialistas, o Secretário-Geral do PCP foi igual a si próprio: “A melhor prova do pudim é comê-lo”. Mas a pergunta mais repetida era se a coligação formada pelo PCP e pelos Verdes estava disponível para formar um governo maioritário de esquerda com os socialistas e com os bloquistas. “Ainda a procissão vai no adro”, ia dizendo.
Menos de uma hora depois, já no rescaldo da conferência de imprensa, Jerónimo voltou a aparecer junto dos militantes para lamentar a “posição equívoca do PS, que acha que não tem condições para formar Governo“. E para deixar um aviso: “os tempos que aí vêm não vão ser fáceis, com certeza. Não vão”. Ainda assim, ao Observador, Heloísa Apolónia dos Verdes mantinha que estavam criadas condições para formar “um quadro diferente” e lembrou que a CDU demonstrou disponibilidade para o diálogo. “A bola está do lado de lá”.
“Não peçam ao PCP que se trave aqui um duelo, um despique, uma ciumeira”
Os jornalistas insistiam na subida do Bloco, os comunistas evitavam comentar. “Para nós não é uma questão”, disse finalmente Francisco Lopes. Os dirigentes da CDU preferiam repetir que este era um dia “de esperança” face aos votos que tinham conseguido alcançar nas urnas e à descida de votos na direita. Jerónimo tentou matar o assunto: “Não há qualquer concorrência entre os dois partidos”, disse, lembrando que “há quatro anos o resultado foi diferente” e que a CDU também não fez comentários. “Não peçam ao PCP que se trave aqui um duelo, um despique, uma ciumeira” entre PCP e BE, concluiu.
No global, a CDU conseguiu os melhores resultados eleitorais em 16 anos: mais votos, maior percentagem (8,3%) e mais deputados (17). Na prática, viu o Bloco de Esquerda canalizar para si o grosso dos votos do descontentamento e subir a terceira força política, com 10,2% dos votos e 19 deputados. E assistiu à “derrota da coligação”, que tanto celebrou, esfumar-se com a recusa de António Costa em partir para o diálogo à esquerda. À meia-noite, os militantes começaram a desmobilizar em silêncio. Na terça-feira há reunião do Comité Central.