A maior ameaça ao crescimento mundial e ao sistema financeiro vem agora dos mercados emergentes, pressionados pela desvalorização das matérias primas. A China, e o esvaziar da bolha de crédito, é uma das protagonistas deste filme, mas não é a única.

O Relatório de Estabilidade Financeira Global, do Fundo Monetário Internacional (FMI), considera que a estabilidade financeira melhorou nas economias desenvolvidas, uma vez ultrapassada a crise aguda da Grécia na zona euro, mas aumentaram os riscos de liquidez, que resultam do menor apetite dos investidores por ativos de maior risco, ou seja, pelas economias em desenvolvimento.

Por outro lado, alerta, o sistema financeiro está vulnerável a “choques” que tanto podem vir dos países ricos, como dos emergentes. Ainda assim, é nestes que se centram as maiores preocupações.

Muitas economias emergentes apostaram no acesso rápido ao crédito para gerir os piores impactos da crise global e esta escalada do endividamento resultou num setor privado demasiado alavancado. A exposição ao risco cambial, muita da dívida foi contraída em moedas que estão a valorizar, aumentou a vulnerabilidade destas economias. Os bancos perderam almofadas, os balanços das empresas estão mais frágeis.

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Bolha na China e desvalorização do petróleo

O esmagamento do preço das matérias primas, o petróleo é o mais relevante, pressiona ainda mais estas economias que em muitos casos estão demasiado dependentes de um setor e de algumas grandes empresas. Angola é um exemplo.

O cenário base do Fundo continua a apostar numa recuperação do ciclo, mas com perspetivas mais fracas para o crescimento do médio e longo prazo, um diagnóstico que serve para as economias desenvolvidas e emergentes.

O Fundo não podia deixar de prestar uma atenção especial à China, onde a banca só agora começou a lidar com o problema da qualidade dos ativos das empresas que servem de garantia a empréstimos. O sistema bancário destes países tem de seguir os passos dados pela banca dos países desenvolvidos nos últimos anos.

É preciso agir, mas políticas erradas podem alimentar choques

O FMI defende que é necessário promover soluções políticas fortes para responder a estes desafios. E deixa mesmo o alerta: sem a implementação de medidas que permitam uma normalização dos mercados, há a probabilidade de intervenções erradas desencadearem um agravamento súbito dos prémios de risco (spreads) e conduzirem a uma rápida erosão da confiança.

Os “choques”, que tanto podem surgir as economias emergentes, como nas avançadas — o recente caso da Volkswagen é um bom exemplo — combinados com vulnerabilidades por resolver, podem conduzir a uma disrupção global dos mercados e uma seca súbita da liquidez em muitas classes de ativos. E este cenário terá repercussões negativas na estabilidade financeira mundial.

Os recados para a Europa

Nas economias mais desenvolvidas, o Fundo antecipa o início do ciclo de subida de taxas de juro nos Estados Unidos. E deixa um recado para a Europa que não pode apostar apenas na intervenção do Banco Central Europeu.

O elevado volume de empréstimos malparados é um dos maiores problemas da banca europeia e o FMI defende mais medidas para os diminuir e assim aumentar a concessão de crédito e ajudar à retoma económica.

“Encorajar o crescimento do crédito” é uma condição necessária para que a Europa volte ao crescimento sustentado. E para isso é importante que os bancos europeus “se livrem” de parte do crédito de cobrança duvidosa que têm nos seus balanços e que no final de 2014 ascendia a 52 mil milhões de euros.

No entanto, refere a instituição sediada em Washington, um dos problemas que impede os bancos de limpar a carteira de empréstimos é o ‘pricing gap’ — a diferença a que os créditos estão no balanço dos bancos e o preço que os investidores estão dispostos a pagar para ficar com eles.

O FMI defende que seja reduzido o tempo que, no caso de incumprimento de um crédito, demora a ser retomada a garantia (caso de um imóvel). Se o tempo de retoma de um imóvel descer para um ano, e se os empréstimos malparados forem vendidos a investidores esperando retornos de 10%, poderia ser gerada uma capacidade de concessão de crédito de 602 mil milhões de euros na Europa, dos quais 373 mil milhões de euros poderiam ficar disponíveis nos países da periferia, como Portugal.

Além do facto de o elevado volume de crédito malparado limitar o empréstimo de dinheiro à economia, a instituição liderada por Christine Lagarde está também preocupada com o facto de a concessão de pouco crédito dar origem a bancos pouco rentáveis. Isto porque bancos pouco lucrativos apoiam menos a economia, num ciclo que liga a fragilidade do setor financeiro à fragilidade económica.