O Banco de Portugal está mais preocupado com o risco de descida dos preços das casas e, embora não antecipe uma “correção”, avisa que é preciso evitar que os preços subam à conta do aumento do crédito bancário. O alerta está no Relatório de Estabilidade Financeiro (REF), divulgado esta sexta-feira pelo supervisor e apresentado pelo governador Mário Centeno em conferência de imprensa em Lisboa.

Num ponto em que destaca o “risco de uma redução dos preços no mercado imobiliário residencial, decorrente de alterações nas condições de financiamento”, o Banco de Portugal começa por assinalar que “à semelhança do sucedido a nível internacional, e apesar da incerteza originada pela crise pandémica, os preços no mercado imobiliário residencial continuaram a aumentar em Portugal, refletindo, inter alia, a procura de habitação por não residentes, que se manteve, e a escassez de oferta“.

Neste contexto, o Banco de Portugal aponta que “nos últimos anos, o crédito bancário doméstico não tem sido o principal fator subjacente à subida dos preços da habitação”. Contudo, avisa o supervisor, “no contexto do recente maior crescimento observado no crédito à habitação, é fundamental assegurar que este não passe a assumir um papel determinante para a evolução dos preços no mercado imobiliário”.

Ainda assim, o supervisor está confiante de que as medidas preventivas que foram sendo tomadas contribuíram para que exista “resiliência” em relação ao risco de “correção”. “A adoção da recomendação macroprudencial relativa aos novos créditos tem-se traduzido numa melhoria do perfil de risco dos mutuários e das caraterísticas da carteira de crédito à habitação”, afirma o Banco de Portugal, afirmando que “neste plano, o rácio de empréstimo relativamente ao valor do colateral (LTV) da carteira de crédito à habitação indicia resiliência a uma correção dos preços do imobiliário residencial“.

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Continuam a existir sinais de sobrevalorização do imobiliário residencial. Contudo, estas estimativas não consideram fatores como a procura por não residentes e para atividades turísticas, que contribuíram para a evolução dos preços neste mercado. As vulnerabilidades neste mercado tendem a estar associadas a fatores de médio prazo, podendo demorar algum tempo a traduzir-se numa correção de preços”, afirma o supervisor.

Mário Centeno, ao lado do administrador Luís Laginha de Sousa, afirmou que o Banco de Portugal “não prevê uma subida significativa do incumprimento no crédito à habitação”, destacando, porém, que o fator principal nesta matéria será o comportamento do mercado de trabalho, que até ao momento tem superado todas as expectativas não só em Portugal mas em vários outros países europeus. Isso dá algum conforto quando se pensa na “na eventualidade de cenários menos positivos, em particular em relação à inflação”.

“Aflitinhos” com a subida dos juros. É desta que os preços das casas vão cair?

Outro risco destacado pelo Banco de Portugal, neste relatório semestral, é o perigo de uma “reavaliação adicional dos prémios de risco, não  obstante a correção já ocorrida“, o que é uma referência às recentes quedas nos mercados bolsistas ocidentais, acompanhado de recuos no valor da obrigações (e consequente aumento dos juros implícitos).

“O aumento da incerteza tem-se materializado numa maior volatilidade dos mercados financeiros internacionais, o que condiciona as perspetivas dos investidores e poderá conduzir a um aumento da sua aversão ao risco”, diz o Banco de Portugal, salientando que “apesar da correção já ocorrida, nas taxas de rendibilidade da dívida soberana e corporate e em alguns mercados acionistas, o risco de correções adicionais mantém-se“.

Uma reavaliação de risco significativa poderá interagir com as vulnerabilidades acumuladas na pandemia e levar a uma quebra adicional dos preços dos ativos, com impacto no sistema financeiro, sobretudo na valorização de carteiras”, afirma o Banco de Portugal.

Especificamente na área da saúde financeira das famílias, o Banco de Portugal salienta que “a redução do rendimento disponível real devido à inflação e o efeito do aumento das taxas de juro sobre o serviço de dívida são riscos relevantes para a situação financeira dos particulares“. “Acresce, ainda, a incerteza relativa à evolução da atividade económica e, em consequência, do emprego”, afirma o relatório, assinalando, porém, que “as medidas de apoio, o aumento da poupança e a constituição de depósitos em 2020 e 2021 poderão mitigar o impacto destes choques, embora de forma diferenciada de acordo com o rendimento e o alcance das referidas medidas de apoio”.

Já no que diz respeito às empresas, o Banco de Portugal fala de “vulnerabilidade financeira de algumas” empresas, refere que houve uma “recuperação incompleta da atividade e da rendibilidade de alguns setores no pós-pandemia” e, finalmente, sublinha um “enquadramento  macroeconómico e financeiro atual” que “deverá impactar de forma mais acentuada um subconjunto de empresas, aumentando a sua probabilidade de incumprimento no crédito”.

Novo instrumento do BCE não deverá exigir "condicionalidade"

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Questionado sobre o novo instrumento que o BCE confirmou estar a preparar, para combater o risco de fragmentação na zona euro (taxas de juro demasiado divergentes entre os diferentes países), Mário Centeno deu a entender que essa nova “ferramenta” não deverá exigir que os países se comprometam com reformas ou reduções da dívida, para que o BCE possa intervir com a compra da sua dívida.

Na semana anterior, o governador do Banco de Portugal tinha indicado que o novo instrumento poderia funcionar como “um seguro” que, no limite, até poderia nunca ser utilizado para fazer compras concretas de dívida pública – bastaria a sua mera existência para impor uma “disciplina” nos mercados de dívida. Nesses termos, o instrumento poderia ser em tudo semelhante ao programa OMT (Outright Monetary Transactions), anunciado por Mario Draghi em 2012.

Esse programa OMT, que acabou por nunca ser usado, implicava, contudo, que os países cuja dívida fosse comprada pelo BCE assumissem um compromisso de equilíbrio de contas públicas ou reformas estruturais (que teria de ser aprovado pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade).  Aqui será diferente, indicou Mário Centeno.

Questionado pelo Observador na conferência de imprensa desta sexta-feira, o governador do Banco de Portugal considerou que o OMT foi uma resposta dada num “tempo muito diferente” ao que vivemos hoje, em que a “intervenção do banco central era muito reduzida e não tinha instrumentos semelhantes aos que a norte-americana Fed já utilizava, por exemplo”.

“Hoje a realidade é muito diferente quer no BCE quer na UE”, afirmou Mário Centeno, lembrando que no final de 2019 um total de 14 dos 19 países da zona euro já tinham as contas públicas equilibradas à luz dos requisitos dos tratados europeus, o que faz com que hoje não existam desequilíbrios das contas públicas que importavam corrigir em 2012, indicou o governador. “O novo instrumento tem de dar resposta a esta realidade, não ser comparável com outros momentos muito distintos“.

O novo instrumento “vai com certeza demonstrar a determinação do Eurossistema em combater os riscos de fragmentação”, afirmou Mário Centeno, recusando que venha a ser um instrumento que irá basear-se na definição de níveis concretos de taxa de juro (ou de diferencial de risco) que levariam o BCE a intervir. Isto porque o nível do prémio de risco é apenas um dos indicadores para os quais o BCE olha quando avalia se os riscos de fragmentação são maiores ou menores, explicou.

Na área do Estado, o Banco de Portugal diz que aumento dos custos de financiamento e a incerteza quanto à evolução da atividade económica “constituem um risco acrescido para a trajetória de redução do rácio de dívida das administrações públicas em percentagem do PIB“. “De acordo com as projeções da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional este rácio deverá continuar a reduzir-se nos próximos anos, mantendo-se, contudo, elevado, destacando-se a incerteza associada à projeção dos determinantes desta tendência”. Ainda assim, “o custo médio, historicamente reduzido, e a maturidade média residual da dívida (sete anos) mitigam parcialmente este risco”, diz o Banco de Portugal.

Para a banca, “o aumento das taxas de juro, em particular, deverá traduzir-se, nos próximos anos, numa melhoria da margem financeira dos bancos e num aumento do reconhecimento de imparidades e de perdas potenciais decorrentes da desvalorização dos títulos de dívida a justo valor”. Essa é a possível boa notícia, porém, “a médio prazo, os desafios estruturais deverão afetar de forma transversal os diversos setores da economia, com implicações em termos de crescimento económico e de inflação.

Entre esses “desafios estruturais” está a “intensificação dos riscos geopolíticos e as perturbações das cadeias de valor global vieram acentuar uma tendência, iniciada com a pandemia, de abrandamento do comércio global e da globalização dos processos produtivos, com possível aumento dos custos de produção”.

Por outro lado, o Banco de Portugal salienta ainda a “pressão, imposta por motivos geopolíticos, nos mercados de energia, a par com a necessidade de transformação energética decorrente da crise climática, irão exigir avultados investimentos e provocar um aumento da incerteza em termos da capacidade tecnológica”.

“Nos próximos anos, a implementação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) deverá permitir financiar investimento público e privado sem recorrer ao endividamento público ou privado, aumentando a capacidade da economia portuguesa para fazer face aos seus desafios estruturais”, remata o supervisor.