Habituamo-nos a ver os chimpanzés apoiados sobre as quatro patas quando se deslocam de um lado para o outro, a não ser que precisem das mãos para carregar algo. Durante muito tempo acreditou-se que mesmo quando caminham sobre duas patas, os chimpanzés não o faziam como os humanos. Mas a equipa de Nathan Thompson, investigador na Universidade Stony Brook (Estados Unidos), num estudo publicado esta terça-feira na Nature Communications, vem mostrar que afinal uns e outros têm mais semelhanças no andar bípede do que se pensava.
Se tiver algum humano por perto aproveite para ver como este anda (sem ligar aos maneirismos): corpo direito (ou quase) e pernas que se movem em oposição aos braços – quando a perna direita vai à frente é acompanhada pelo braço esquerdo e vice-versa. Esta rotação da bacia, em sentido oposto ao do tronco, permite-nos dar passadas mais largas. E estes movimentos opostos que anulam o momento angular reduzem o trabalho muscular e o esforço na locomoção.
Dos chimpanzés em locomoção bípede pensava-se que por terem o tronco muito mais curto e a bacia mais larga mantivessem o corpo rígido, sem rotação na bacia, zona lombar e tórax, que é característica dos humanos. Mas a equipa norte-americana lembra que até à data não se reuniram provas que demonstrem esta assunção e apresentam agora observações que contrariam esta ideia. Se lhe parece estranho, veja o vídeo.
Ainda que a rotação das porções do tronco do chimpanzé – bacia, zona lombar e tórax – sejam diferentes dos humanos não quer dizer que os primeiros não tenham capacidade de rotação do tronco, defendem os autores. Aliás, aparentemente os chimpanzés conseguem rodar a bacia muito mais do que os humanos. A diferença é que os humanos torcem parcialmente o tórax e a bacia em sentidos opostos e os chimpanzés rodam ambos no mesmo sentido. Mas não como um bloco rígido: o tronco roda para o mesmo lado que a bacia, embora muito menos do que esta.
Para tirarem estas conclusões, os investigadores tiveram de usar mais do que o olho humano, ou não conseguiriam ver as diferenças mais pequenas entre as três porções do tronco estudadas – bacia, zona lombar e tórax. Colocaram marcas, em humanos e chimpanzés, nas três partes do corpo em estudo, filmaram-nos e fizeram uma reconstrução tridimensional – no fundo é o estudo dos movimentos num processo chamado análise cinemática. Foi a primeira vez que se usou este tipo de técnica em primatas não-humanos.
Para este estudo contaram com cinco homens e cinco mulheres, no grupo dos humanos, e dois chimpanzés machos que foram treinados durante dois anos para andarem sobre os membros posteriores. Ainda que com um grupo pequeno, os investigadores não hesitam em afirmar que os dois chimpanzés se tornaram bons no bipedalismo porque esta é uma capacidade intrínseca.
A equipa de Nathan Thompson foi mais longe na investigação e verificou, a partir de modelos dos movimentos e da estrutura do corpo, que nos animais que tivessem as ancas 50% mais largas do que a humana, a bacia se mexia no mesmo sentido do tórax. Mas quando fossem mais pequenas do que isso, as duas porções do tronco rodariam em sentidos opostos como acontece com os humanos.
Esta proposta vem desafiar as teorias sobre a locomoção dos primeiros hominíneos. Têm-se assumido que os Australopithecus afarensis, cujo representante que melhor conhecemos é a Lucy, teriam uma estrutura de tronco semelhante à dos chimpanzés: acreditava-se que fosse rígida. Mas esta ideia tem opositores. Alguns autores que defendem que a estrutura do tronco é mais semelhante à dos humanos modernos do que à dos chimpanzés e o trabalho agora apresentado pela equipa norte-americana mostra que os chimpanzés também têm mobilidade no tronco quando se deslocam sobre dois membros.
Assim abre-se a possibilidade para que a locomoção bípede tenha surgido bem cedo na evolução do homem, mas mais trabalhos nesta área terão de ser feitos. E a mudança de rotações para o mesmo lado para rotações em sentido oposto parece ter permitido aos indivíduos melhorar a eficiência da deslocação. Por exemplo, a corrida só é possível caso haja rotação de bacia e tórax em sentidos diferentes.
- Faça a experiência: corra com o tronco como se fosse um bloco e puxe à frente sempre o ombro (ou braço) correspondente ao lado da perna.
A questão que fica por responder, lembram os investigadores, é: “Porque é que os humanos quando caminham bípedes têm rotações de bacia mais pequenas do que os restantes primatas?”.