Quarta e quinta-feira da próxima semana são aquilo a que se chamam dias decisivos. E se as últimas semanas não têm sido fáceis para o PS, com alguns socialistas a oporem-se a um governo à esquerda, a fratura pode ser mais exposta já na quinta-feira com a eleição do presidente da Assembleia da República. PSD e CDS até admitem que a segunda figura do Estado não saia das suas fileiras, mas poderá não ser o nome que António Costa quer, Ferro Rodrigues, até porque há um grupo de deputados do PS que começa a lançar outro nome para a praça pública: Alberto Martins.

O caso promete ser difícil de desembrulhar – para todas as partes. As regras (e a prática) do Parlamento dizem que cabe ao grupo parlamentar mais votado indicar o nome para presidir à AR. Mas desta vez, sem maioria na AR, PSD e CDS terão que negociar com a esquerda um nome. No PS, a tentação de propor um nome que reúna o apoio de toda a esquerda é grande – fazendo o primeiro desafio à coligação, ainda antes do programa de Governo que ditará se Passos pode ainda governar (ou se PS, BE e PCP se juntam e o derrubam).

Feitas as contas, PSD e CDS precisam apenas de nove deputados do PS para conseguirem maioria. E os ‘seguristas’ no Parlamento são 15. É aqui que entra a memória do que aconteceu há quatro anos: como o voto para a eleição do presidente da Assembleia da República é secreto, Nobre – proposto então por Passos – chumbou e acabou por desistir. É possível que o filme se repita agora, mas ao contrário? (com os votos dos seguristas a chumbar o nome de Ferro Rodrigues e abrir caminho a outro socialista, o ex-líder parlamentar Alberto Martins?

O primeiro a dar conta da preferência foi João Soares, na TVI24 logo depois da noite eleitoral. Mas o ex-líder parlamentar já corre a sério nos bastidores, mostrando que a pressão desta corrente sobre António Costa começa a ser desenhada em vários passos estratégicos. “Começa a haver movimentações”, admite um socialista ao Observador.

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Uma antecâmara do programa de Passos?

Este é o “primeiro teste de António Costa na bancada”, diz outro segurista ao Observador, que lembra que uma rejeição de Ferro Rodrigues, o nome mais falado entre os socialistas, pode acontecer facilmente por via do voto contra de deputados da ala segurista. “Seria o cartão amarelo”, lembra a mesma fonte. Além de Ferro, que teria mais aceitação à esquerda, António Costa poderia tentar um outro nome, talvez mais aceitável para a ala crítica: o atual presidente do partido, Carlos César. Certo é que, à direita, os nomes de Ferro e de César não passam na direção do PSD ou na do CDS – exigindo assim quase unanimidade à esquerda para passar. “Primeiro, é a nós que cabe a escolha do presidente da AR; depois, qualquer outro nome terá que merecer o nosso consenso”, diz fonte da direção do PSD. E que diz a coligação sobre Alberto Martins? Ninguém responde.

O Observador tentou contactar o ex-líder parlamentar do PS, mas não foi possível até à publicação deste artigo.

Tudo isto pode acontecer como antecâmara de um voto sobre o programa de Governo de Passos Coelho e Paulo Portas. O cenário está cheio de “se’s”, mas começa a ser falado. Se António Costa tiver um acordo à esquerda e mesmo assim o Presidente insistir em indigitar Passos Coelho, é certo que ou o PCP ou o BE irão apresentar uma moção de rejeição ao programa de Governo. E Costa poderá querer obrigar o Presidente a escolher a alternativa de governo apresentada pelo PS, fazendo cair o Governo empossado logo na votação do programa. Mas para isso acontecer tem de garantir que todos os deputados estão no mesmo barco, uma vez que apenas nove deputados podem fazer cair a maioria de esquerda na Assembleia da República.

Pelas regras do partido, os deputados estão sujeitos a disciplina de voto em questões da governação, como é o caso de moções de censura ou confiança (ou de rejeição) ou ainda de orçamentos do Estado. Pelo que se estes deputados quiserem impor a sua vontade de não derrubar o governo PSD/CDS, têm de o fazer contra as directrizes do partido e sujeitando-se às fortes penalizações (incluindo a uma possível expulsão).

O problema coloca-se no facto de esta votação não ser secreta, ao contrário da eleição do presidente da Assembleia da República e de nem todos os deputados desta ala estarem dispostos a perder a confiança do partido. Este é no entanto um cenário mais grave de rutura total no partido, improvável, mas que só os próximos dias podem ajudar a esclarecer.