Yanis Varoufakis “voltou a casa”, à universidade, e trouxe a Coimbra um ataque cerrado à construção da moeda única e à democracia como, aos olhos do grego, ela existe (ou não) na Europa. Num discurso várias vezes interrompido por ovações da plateia, o ex-ministro das Finanças da Grécia voltou ao passado para explicar a sua visão sobre porque é que a zona euro nasceu torta. E só se endireitará se forem desafiadas as regras e se houver uma união de forças para uma conversa académica – “no bom sentido” – sobre que Democracia se pretende para a Europa.

O ex-ministro grego foi o académico convidado para a Aula Inaugural dos Programas de Doutoramento do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. À entrada, Yanis Varoufakis foi ovacionado pela plateia que se juntou para ouvir a palestra do economista grego, sobre a Democratização da zona euro.

Ao estilo a que habituou a Europa e o mundo desde que se tornou ministro das Finanças da Grécia em final de janeiro, Yanis Varoufakis criticou a classe política europeia, as estruturas que gerem a Europa, os banqueiros e, sobretudo, o “desprezo Platónico pela Democracia”. Varoufakis não quer uma revolução – porque essa revolução “só colocaria no poder os misantropos, os Le Pen, os intolerantes, aqueles que odeiam qualquer pessoa que não se pareça com eles” – quer “um novo modelo de política” na Europa, melhorando as instituições existentes.

E melhorar as instituições existentes passa por compreender, diz Varoufakis, que a moeda única foi “criada em cima de um cartel industrial” que era a Europa e para criar uma moeda alternativa ao dólar que permitisse “absorver choques e evitar recessões nos EUA, numa altura em que a URSS estava à espreita”. Foi, recorda Varoufakis, a 15 de agosto de 1971 que acabou o sistema monetário Bretton Woods, que fora criado em 1944 e que “lançou as bases para a União Europeia e para a era dourada do capitalismo”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Nesse período de Bretton Woods, o crescimento acelerou, o desemprego caiu e desigualdade também. Os banqueiros viviam uma vida frugal, nos anos 60 ser um banqueiro não era grande coisa, ganhava-se mais um pouco mas nada de especial. As taxas de câmbio eram quasi-fixas, os controlos de capitais existiam em todo o lado e não se conseguia, como hoje, transportar vastas somas de dinheiro de um lado do mundo para o outro apenas com um clique. Ser banqueiro era receber do Jack e entregar à Jill”.

A zona euro foi criada, diz Varoufakis, porque “inicialmente olhou-se para o marco alemão como a tal alternativa ao dólar e a solução para manter unido esse cartel industrial europeu. Mas era preciso convencer os franceses a entrarem num esquema que acabasse com as oscilações cambiais dentro desse cartel industrial e ajudasse a manter o equilíbrio mundial idealizado pelos EUA”.

Mas, com uma união monetária sem uma união política, “aconteceu o que acontece sempre: numa fase inicial o dinheiro flui do país deficitário para o país excedentário, porque o países deficitário compra os Mercedes e os Volkswagen, e depois o banqueiro em Frankfurt enfrenta um pesadelo – precisa de voltar a emprestar o dinheiro”. Então, o dinheiro volta para os estados deficitários, explica Varoufakis.

“No início da zona euro foi ótimo, até Portugal criou uma série de estádios para o Europeu 2004 que são elefantes brancos“, descreve Varoufakis. “Mas é como tentar invadir a Rússia: no início é muito fácil – perguntem ao Napoleão – mas, depois, chega o inverno e tudo acaba com sangue na neve”. Na falta de mecanismos absorvedores de choques, como os que Varoufakis elogia nos EUA, na Europa chega-se à situação “triste” que se vive hoje. “Temos deflação, temos um crescimento baixo, investimento mais baixo de todo o mundo, temos jovens a sair para os quatro cantos do universo”, lamenta Varoufakis.

Alias, “a única razão de que [Portugal] não foi à bancarrota completa é pelo que Draghi tem feito”, sublinhou Yanis Varoufakis, afirmando que, caso o BCE não tivesse avançado com o programa de compra de títulos de dívida “já não havia euro”.

Varoufakis e o seu “quase ataque cardíaco”

Varoufakis ganhou fama universal por ser ministro das Finanças da Grécia desde o final de janeiro. O académico não deixou de comentar o “ano tumultuoso” que teve e que lhe deu um bilhete de primeira fila para observar o “desprezo Platónico pela Democracia” europeia que existe nos corredores de Bruxelas.

“Tal como o académico que aceita ir para um cargo de direção de departamento, quem vai para a política esse deve ser um ato altruísta, de sacrifício. Quem tem o desejo de ser diretor de departamento ou político deve, automaticamente, ser desqualificado“, atirou Varoufakis, ouvindo gargalhadas da plateia.

Recordando os tempos de ministro das Finanças, Varoufakis – que se assume como um “mau político” – lembrou que a 25 de junho lhe foi apresentado “um ultimato“, um programa de reformas e financiamento que “bastaram cinco segundos para perceber que não era viável, qualquer criança de 12 anos via que aquilo não era uma proposta viável”. “Quem nos apresentou não eram pessoas inteligentes, apenas o fizeram para humilhar um governo que se atreveu a dizer não à troika“.

“Eu disse dois dias depois que este ultimato não é algo que eu possa aceitar, porque envolve novos empréstimos e condições que levariam uma probabilidade de 100% de não conseguirmos pagar nem a nova dívida nem a antiga”, recorda o grego. Assim,” o que decidimos foi fazer aquilo que qualquer democrata faria: levar a proposta ao povo. Se disserem sim, nós comprometemo-nos a tentar implementar o acordo. Se disserem não, esperamos ter uma nova ronda de negociações”.

A resposta do Eurogrupo? “O Eurogrupo disse que as pessoas não iam ter a inteligência para compreender o documento complicado estavam a analisar e a votar sim ou não“. A reação de Varoufakis? “Quase ia tendo um ataque cardíaco“.

A ideia de ter decisões complicadas de política social e económica a serem levadas às pessoas, sejam ricas ou pobres, educadas ou analfabetas – no Eurogrupo isto foi visto como escandaloso. No Eurogrupo tomam-se decisões baseadas em pura ignorância. Os ministros nunca eram informados sobre o que seria discutido. Fui proibido, como ministro das Finanças, de comunicar com os outros ministros. Foi-me dito claramente que seria visto como um ato de má fé enviar um e-mail aos meus colegas a explicar o plano que tinha em mente. Isso criaria o caos, disseram-me. Ainda não percebi bem porquê.

Não viria a ganhar, ao contrário do que era a expectativa de Varoufakis, que temia que com os bancos encerrados as pessoas votassem Sim no referendo de 5 de julho por medo. Mas Varoufakis demitiu-se nessa noite porque Alexis Tsipras, o primeiro-ministro, lhe disse que, apesar do resultado do referendo, ia assinar o acordo.

De volta a casa, à universidade

Yanis Varoufakis diz que, por querer discutir Economia nas reuniões do Eurogrupo, foi visto como “um animal estranho” e um “malcriado“.

“Na minha primeira reunião do Eurogrupo fiz um discurso muito moderado – só disse ‘não viemos cá para vos ditar o que vamos fazer, sabemos que temos de respeitar o memorando, mas fomos eleitos para desafiar este memorando'”. Perante esta declaração, o ministro francês Michel Sapin concordou que era “preciso um equilíbrio entre o memorando e a democracia”. Mas Wolfgang Schaeuble, o ministro alemão, tomou a palavra e “disse uma coisa tremendamente interessante”, garante Varoufakis, “não se pode permitir que eleições mudem o que quer que seja“.

Varoufakis ouviu muito falar em “regras” enquanto foi ministro das Finanças da Grécia. Mas “é impossivel discutir o que seja na Europa, incluindo as regras de Maastricht, que foram criadas para falhar”, afirmou o grego, acrescentando que o Mecanismo Europeu de Estabilidade não é eficaz e “funciona com um modelo semelhante ao que tinha o Lehman Brothers” e “a União Bancária é uma fraude”.

Não é verdade que a condição humana se tenha deteriorado nos últimos 20 anos. A inteligência das pessoas e a formação são cada vez melhores, porque é que a inteligência dos políticos é cada vez menor?

“Não desafiar as regras é um mantra em Bruxelas”, diz Varoufakis, que acrescenta que “a política, hoje, é uma coisa aborrecida porque nunca se controla as alavancas que permitem fazer alguma coisa. Apenas se tem uma habilidade para repetir o mantra” – daí que Varoufakis se considere “um mau político”.

Tal como na Academia, onde só por altruísmo se abdica da investigação para ser “administrativo”, como diz Varoufakis, “quem quer ser político – especialmente ministro das Finanças – deve ser logo desqualificado”, afirma o ex-ministro das Finanças grego. “Quando há um ano entrei na política, não foi uma decisão feliz, que tomei de bom grado. A ideia de ser ministro aterrorizava-me, especialmente ministro das Finanças de um estado falido“, diz Varoufakis. Mas fê-lo, por um “sentido de dever público”.

Traçando vários paralelismos entre a política e a academia, Varoufakis recordou que quando entrou pela primeira vez numa universidade para ser professor, foi-lhe incutida uma visão de que “os alunos eram como se fossem clientes – que tinham sempre razão, como quem vai a uma loja comprar tomates e tem direito a reclamar se os tomates não forem bons”.

“A liberdade académica é a essência da dúvida, da pesquisa”, afirmou Varoufakis perante a numerosa plateia. “A ciência emergiu numa base de energia antiestablishment. É um oásis do mercado, onde o cliente nunca tem razão. O aluno não é um cliente que vai à loja comprar tomates, porque se um aluno já tiver razão à partida, não vai à universidade fazer nada”. O professor da Universidade de Atenas diz que “na universidade devemos desafiar os alunos e os seus preconceitos, não olhá-los como quem vai à loja comprar tomates”.