A história repete-se. Mesmo com critérios mais abrangentes, campanhas de promoção e maior facilidade na atribuição, a tarifa social da eletricidade continua a não chegar à maioria dos seus potenciais destinatários, consumidores economicamente vulneráveis. Os últimos dados oficiais apontam para uma percentagem de aderentes de apenas 12% face à meta de beneficiários fixada pelo governo em lei. Em tese, há mais de 400 mil clientes que poderiam estar a pagar menos na conta da luz.

O desconto médio face aos preços “normais” (seja da tarifa transitória ou de mercado) é da ordem dos 35%, diferença que aumenta todos os anos, uma vez que a atualização tarifária é distinta. A proposta de preços para o próximo ano, conhecida na semana passada, prevê uma subida de 2,5% nas tarifas transitórias e de 0,9% na tarifa social.

Neste momento, têm direito a estes descontos os beneficiários das seguintes prestações da Segurança Social, desde que sejam titulares de contrato de fornecimento de eletricidade para residência permanente com uma potência contratada até 6,9 kVA.

  • Complemento solidário para idosos
  • Rendimento social de inserção
  • Subsídio social de desemprego
  • Abono de família
  • Pensão Social de invalidez
  • Pensão social de velhice

Estes consumidores já eram abrangidos pela tarifa social desde 2010. No final do ano passado, a legislação foi alterada com a finalidade de alargar o universo de beneficiários dos descontos até 500 mil famílias, passando a contar também para o acesso o rendimento do titular do contrato, mas também dos que vivem na mesma morada fiscal. Os patamares de rendimento anual em vigor que atualmente dão acesso ao desconto são os seguintes:

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  • Um residente: 5820 euros
  • Dois residentes: 7920 euros
  • Três residentes: 10560 euros
  • Quatro residentes: 12300 euros

Não obstante o alargamento dos critérios de elegibilidade, que passou também pelo aumento da potência contratada abrangida, os últimos números conhecidos, divulgados pela ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), de junho, apontam para uma adesão de apenas 60 mil titulares, um número que até é inferior ao que foi alcançado no anterior regime da tarifa social, supostamente mais restritivo. Esta regressão preocupou o governo e fez soar os alarmes.

A ERSE fez inspeções na Galp e a EDP e instaurou um processo de contraordenação à elétrica, por suspeitas de não atribuição indevida de tarifas sociais. O regulador apresentou uma nota de ilicitude contra a EDP que já respondeu. A multa promete ser pesada, varia entre 2% e 10% do volume de negócios, o que no caso da EDP Comercial é muito elevado. A empresa faturou quase dois mil milhões de euros em 2014.

O compromisso de honra

Em agosto, o governo avançou com uma portaria radical contra obstáculos burocráticos, sobretudo nos casos em não sejam apresentados documentos comprovativos por parte do cliente. O objetivo é compensar o atraso nos procedimentos por parte da Segurança Social e do Fisco que permitiriam às elétricas conferir rapidamente se o cliente tem ou não direito à tarifa mais baixa. E, eventualmente, ultrapassar alguma má vontade da parte das redes comerciais das empresas de eletricidade que, no final do dia, têm de financiar uma parte dos descontos.

Um consumidor que peça a tarifa social só tem de assinar uma declaração sob compromisso de honra em como cumpre as condições de rendimento que dão acesso a este regime. A possibilidade já estava prevista no decreto-lei original, mas mediante a verificação das condições de atribuição previstas, a título de regime transitório, enquanto não estiver operacional um sistema que permita cruzar dados da Segurança Social e do Fisco.

Agora fica explicito que a atribuição da tarifa social deve ser logo disponibilizada, apenas mediante a apresentação da declaração de compromisso de honra do candidato. Se este prestar falsas declarações será multado (até 2500 euros) e terá de devolver os descontos de que beneficiou.

Fonte oficial da EDP, que através da EDP Comercial e da EDP Universal, é a principal prestadora deste regime, confirmou ao Observador que esta declaração de honra “basta para validar a elegibilidade do cliente para que seja concedida a tarifa social”, sem verificação previa, desde que tenha a potência contratada adequada.

Quando o cliente assina uma autorização de consulta de dados junto de entidades competentes, para revalidação anual, a tarifa social só é confirmada depois de obtido o OK das autoridades (Fisco e ou Segurança Social).

Tarifa social. 20% já é atribuída por declaração de honra

A EDP revela que 20% das tarifas sociais atribuídas no final de setembro, resultam já da entrega das declarações de honra. Mas na ausência de documento de prova, quem confere se o cliente cumpre os critérios que dão direito a uma eletricidade mais barata? No caso dos titulares de prestações sociais, basta consultar a Segurança Social. Mas no critério do rendimento, a verificação é mais complexa porque envolve o titular, mas também a situação dos que vivem com ele.

A elétrica diz que “disponibiliza a possibilidade de ser efetuada uma consulta por escrito à entidade em causa”. Mas a própria EDP, acrescenta que só no momento da revalidação anual é que consulta as entidades, por via eletrónica ou escrito, para confirmar a manutenção de elegibilidade dos clientes com tarifa social.

Os números crescem, mas lentamente e ainda estão muito longe da meta. De acordo com dados recolhidos pelo Observador, o número de aderentes ultrapassa os 70 mil, já depois de ter entrado em vigor o regime facilitado. Cerca de 14% do universo alvo. A percentagem não é muito mais elevada do que a alcançada com a anterior lei que não cumpriu o objetivo para que foi criada.

Desta vez a legislação está preparada para a inércia do sistema. Por cada seis meses que passam sem alcançar a meta dos 500 mil clientes, o rendimento abrangido pelos descontos sobe 10%, alargando o universo dos que têm direito a descontos.

Desde que a lei entrou em vigor, este patamar já subiu uma vez e está agora nos 5280 euros de rendimento por ano para uma pessoa. Por cada elemento adicional na mesma morada fiscal, o rendimento abrangido é multiplicado por 0,5. Há no entanto dúvidas, sobretudo do lado das empresas, de que a meta fixada politicamente pelo executivo venha alguma vez a ser alcançada.

Afinal de onde saíram os números de 700 mil (previstos na primeira lei de 2010) e de 500 mil beneficiários? O primeiro valor, fixado ainda no governo de Sócrates, resulta da contagem feita à data das pessoas que recebiam prestações sociais mínimas. Os 500 mil definidos no último decreto-lei serão um cálculo conservador, feito a partir do número de famílias que entregou declarações com rendimento anual dentro dos limites abrangidos pela lei.

Contribuintes e contadores. Quem paga a conta da luz?

Existe alguma afinidade entre o número de contadores de baixa tensão (domésticos), que são cerca de seis milhões (o que inclui segundas residências), e de contribuintes (cinco milhões em 2012). Os dois universos cruzam-se, mas não são necessariamente coincidentes. Ou seja, há contribuintes que cumprem critérios de rendimento ou prestações que os habilitam à tarifa social, mas que não são os titulares dos contratos. E os donos dos contadores não estão nas categorias elegíveis.

Num passado recente, a falta de informação e de promoção (a campanha que esteve prevista desde 2012 só avançou este ano), uma atitude pouco colaborante das elétricas (ou de alguns funcionários), serviram de argumento para a fraca adesão à tarifa social. Agora o maior obstáculo parece ser a inércia dos consumidores alvo.

Uma das razões que podem explicar uma cerca apatia, prende-se com a circunstância dos descontos da tarifa social terem começado por ser muito modestos, ou quase irrelevantes. A realidade mudou a partir do terceiro trimestre de 2011, quando o governo de coligação criou o ASECE (Apoio Social Extraordinário ao Consumidor de Energia). Esta iniciativa, financiada pela Segurança Social, deveria servir de travão ao aumento extraordinário do preço da eletricidade, provocado pela subida do IVA para a taxa máxima.

O ASECE aumentou substancialmente o desconto para os clientes mais vulneráveis, beneficiando os mesmos consumidores que tinham a tarifa social e que se previa que seriam 700 mil. No entanto, de um orçamento anual de 30 milhões por ano, gastou-se uma fatia muito reduzida, 10% em 2015 e 16% em 2013, o que é revelador do fracasso das políticas de apoio aos clientes de energia com baixo rendimento.

Demorou algum tempo, mas no ano passado o governo reconheceu o “desfasamento entre as estimativas inicialmente feitas e o reduzido número de beneficiários verificado”, e anunciou uma mudança na lei com o objetivo político assumido de reforçar o desconto e alargar substancialmente o número de beneficiários.

Para além do Orçamento do Estado, a medida deve ser “subsidiada” pelas centrais de produção de eletricidade. O custo para o setor foi estimado em 25 milhões de euros por ano para meio milhão de famílias, mas enquanto o número de beneficiários for reduzido a fatura será mais baixa.