O apoio internacional que José Sócrates dava às empresas de Carlos Santos Silva, do Grupo Lena e do Grupo Octapharma levantou desde o início suspeitas aos investigadores da Operação Marquês face às transferências de elevados montantes que o ex-líder do PS recebia de Santos Silva. Mas uma viagem particular em outubro de 2013 à Argélia para encontros com o primeiro-ministro e ministro daquele país magrebino foi o primeiro grande sinal de alerta para os investigadores de que Sócrates procurava defender os interesses daquelas empresas. No caso da de Santos Silva, os investigadores consideravam mesmo que esses serviços seriam uma forma de compensação pelo dinheiro que recebia daquele empresário.

Quer José Sócrates, quer Carlos Santos Silva continuam contudo a afirmar que as transferências monetárias entre os dois representam empréstimos de Santos Silva ao ex-primeiro-ministro.

Mas quer seja seguindo o rasto do dinheiro que José Sócrates movimentava nas suas contas e dos montantes que lhes eram entregues pelo empresário da Covilhã (o Ministério Público calcula que tenham sido entregues por Santos Silva a Sócrates cerca de 1,6 milhões de euros em dinheiro vivo), seja através das escutas telefónicas aos dois amigos, o Ministério Público (MP) conseguiu reconstruir o trabalho de lobbying de Sócrates, imputando-lhe suspeitas da prática dos crimes de corrupção, de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais.

O apoio empresarial de Sócrates a Santos Silva começou por ser detetado na Operação Monte Branco. Em julho de 2013, os investigadores daquele caso, que são os mesmos que lideram a Operação Marquês, já tinham detetado indícios de uma atividade de lobbying de Sócrates a favor de empresas de Santos Silva em Moçambique. Precisamente no mesmo momento em que o local internacional das férias de verão de José Sócrates era o centro da atenção do empresário da Covilhã, que se disponibilizava para marcar as mesmas e pagar.

Pouco tempo depois, no início de outubro do mesmo ano, e já no âmbito das escutas telefónicas realizadas ao ex-primeiro-ministro e a Carlos Santos Silva na Operação Marquês, os investigadores constaram novamente indícios de lobbying por parte de Sócrates mas desta vez o beneficiário não era apenas Santos Silva (através da sua empresa Proengel) – o MP entende que os grupos empresariais Lena e Octapharma contaram também com os serviços de José Sócrates.

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No início da investigação, contudo, as relações entre Sócrates e Santos Silva eram seguidas com particular atenção, daí os investigadores entenderem em outubro de 2013 que, devido às elevadas somas de dinheiro, o lobbying de Sócrates seria uma aparente compensação por essas transferências.

Diretor-Geral do MNE e ex-assessor apoia Sócrates na Argélia

No centro da história está uma viagem a Argel organizada pormenorizadamente por José Sócrates e que contou com o apoio logístico de Francisco Duarte Lopes, então subdiretor-geral dos Assuntos Europeus, e hoje diretor-geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). Duarte Lopes foi assessor diplomático de José Sócrates durante o seu segundo mandato (2009 a 2011) e, a pedido de Sócrates, terá participado na organização de audiências com as autoridades da Argélia, nomeadamente com o então primeiro-ministro Abdelmalek Sellal e com o ministro da Saúde, como também terá ajudado a tratar do visto de entrada para aquele país do Magrebe.

Confrontado com estas informações, Duarte Lopes não quis prestar declarações ao Observador.

Ao que o Observador apurou, a organização das audiências terá sido operacionalizada através da embaixadora argelina em Portugal, Fatiha Selmane, tendo Duarte Lopes tido o papel de intermediário. A hora e o dia da audiência com o chefe do governo argelino, por exemplo, foram transmitidos a Sócrates pelo seu ex-assessor diplomático.

Para os investigadores é claro que José Sócrates informou o diplomata de que as audiências serviriam para apresentar uma sociedade comercial que pretendia entrar no mercado argelino.

Contratos em Oran

De acordo com o MP, Carlos Santos e o Grupo Lena estavam interessados em concursos de obras públicas na área de Oran, a segunda maior cidade argelina. A audiência com o primeiro-ministro Abdelmalek Sellal, figura muito próxima do Presidente Abdelaziz Bouteflika, visava obter ajuda em termos de contactos, precisamente porque Sellal, como o MP constatou, tinha sido ministro dos Recursos Hídricos, ministro interino dos Transportes, assim como governador da província de Oran.

Além do Grupo Lena e de Carlos Santos Silva, também o Grupo Octapharma estava interessado nos contactos de José Sócrates. Nas vésperas da viagem para Argel, a investigação descobriu que Paulo Lalanda Castro, administrador daquele grupo farmacêutico, recordou a José Sócrates que tal, como a Líbia, a Argélia também estava à procura de centros internacionais para tratar ex-militares com o objetivo de recolocá-los no mercado de trabalho. Lalanda Castro manifestou que estava interessado nesse projeto. Sócrates, por seu lado, partilhou com o gestor que teria uma audiência no dia seguinte com um ministro do governo de Sellal.

Recorde-se que Lalanda Castro foi constituído arguido na Operação Marquês em fevereiro por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais. O MP suspeita que o contrato de consultadoria estabelecido entre a Octapharma e José Sócrates não corresponde a uma verdadeira prestação de serviços mas sim a um simulacro contratual que terá servido para Sócrates ter um rendimento oficial que justificasse os gastos que tinha.

Já com Sócrates e o seu amigo Santos Silva em Argel, o MP diz ter provas de que o ex-líder socialista falou com o empresário depois de uma audiência com o primeiro-ministro Sellal para transmitir-lhe que as empresas de Santos Silva seriam chamadas. Isto é, poderiam vir a ganhar os contratos que pretendiam. Sócrates fez questão de referir a Santos Silva que Sellal conhece muito bem Oran por ter sido governador provincial.

Nesse mesmo dia, descobriram os investigadores, Romeu Branco Simões, administrador da Proengel (uma empresa do universo empresarial de Santos Silva) informou o amigo de José Sócrates de que aquela sociedade e a Prospetiva ganharam um concurso na Argélia. Trata-se da construção de um grande hospital oncológico, que só deve estar concluído em 2017.

A 14 de outubro, depois de um périplo que o levou a Paris e Genebra depois de Argel, José Sócrates, acompanhado de perto pela investigação, fez questão de ligar à embaixadora Fatiha Selmane para agradecer toda a simpatia e ajuda dada pela diplomata na organização da viagem. Sócrates acrescentou que ficou sensibilizado com a simpatia com que foi recebido pelo primeiro-ministro, ministro dos Negócios Estrangeiros e ministro da Saúde e solicitou um favor à embaixadora: na quarta-feira seguinte iria ter o livro “A Confiança no Mundo – sobre a tortura em democracia” e fazia questão de que um dos primeiros exemplares fosse para o Presidente Bouteflika com a respetiva dedicatória devido ao tema do livro ter sido inspirado na Guerra Colonial da Argélia protagonizada pela França do general De Gaulle com os independentistas argelinos. Segundo o próprio Sócrates, o presidente Bouteflika tê-lo-ia convidado no passado para passar um natal na Argélia com os seus filhos.

Recorde-se que, segundo o último comunicado da Procuradoria-Geral da República sobre a Operação Marquês, “subsiste a necessidade de conformação de versões e justificações dos arguidos, bem como a possibilidade de conformar factos desenvolvidos noutros países”.