Esta foi a primeira exposição pública de longa duração de José Sócrates desde que foi detido a 21 de novembro — o ex-primeiro-ministro falou durante cerca de uma hora e meia — e, por isso, logo ao início quis deixar claro que a o processo que o envolve não faz mossa naquilo que diz serem os seus “direitos políticos”.
Eu não aceito o banimento que quiseram fazer-me da vida pública e da vida política do nosso país e quero deixar claro que todos os meus direitos políticos estão intactos e que tenciono exercê-los. E, portanto, se passou pela cabeça de alguém que eu iria prescindir dos meus direitos políticos e dos direitos de intervenção na política civicamente, estão equivocados.
Como tal, o ex-primeiro-ministro não quis terminar a sua intervenção sem falar sobre o momento político que o país vive.
“Parece que houve eleições, o povo falou, mas parece que não entenderam bem. Parece que muitos entenderam de forma diferente a decisão do povo relativamente a esta pergunta: ‘Quem deve governar?”, perguntou, dando uma resposta que lhe parece ser óbvia: “Deve governar quem tem maioria no parlamento”.
“Melhor dito, não pode governar quem tem a maioria do parlamento contra ele”, acrescentou. “É esta a boa regra democrática.”
José Sócrates falou ainda de quando o governo minoritário que liderou entre 2009 e 2011 terminou após a sua demissão. Para o ex-primeiro-ministro, não é justa a comparação com esse seu executivo com a atual situação. “Esse governo entrou em funções não tendo oposição no parlamento. Não houve uma moção de rejeição que tivesse a maioria no parlamento. Bem sei que era um governo minoritário, mas não tinha contra si a maioria do parlamento”, disse, para depois recordar a razão que o levou a demitir em 2011: “No primeiro momento em que o parlamento me mostrou que estava unido contra mim, que tinha uma maioria contra mim, eu demiti-me imediatamente”.
Afinal, “compromissos bons são quando permites que a direita governe”
O socialista aproveitou ainda para criticar o Presidente da República, Cavaco Silva, que na quinta-feira indigitou Pedro Passos Coelho para o cargo de primeiro-ministro. “Lembro-me de ter visto muita gente a apelar a um ‘sobressalto cívico'”, disse, com ironia, referindo-se ao discurso de Cavaco Silva da cerimónia de tomada de posse do seu segundo mandato, em março 2011. Pouco tempo depois, o governo de José Sócrates terminaria. “Nessa altura não ouvi ninguém dizer, e desculpem mas vou citar, que houve ‘interesses conjunturais que se sobrepuseram ao superior interesse nacional'”, voltou a ironizar, agora referindo ao discurso desta quinta-feira de Cavaco Silva.
Afinal de contas, o que nós ainda não tínhamos percebido é que quando há apelos ao chamado compromisso, ao acordo, nós não tínhamos percebido que isso não era um apelo ao compromisso, mas um apelo a um certo compromisso (…). Como se houvesse na política a possibilidade de dividir os compromissos entre bons e maus. Bons é quando permites que a direita esteja no poder. Isso, francamente…”
As críticas à decisão de Cavaco Silva continuaram, com José Sócrates a argumentar que o Presidente da República deu a entender que “aqueles que não concordam com a Europa, com o Tratado Orçamental, com a Europa, com a NATO, esses têm uma representação política um pouco mais diminuída”.
“Quero recordar que há um artigo na Constituição que diz que ninguém pode ser privado dos seus direitos políticos, e entre esses direitos políticos é o direito de representação e de contribuir para uma maioria de governo, por causa das suas convicções”, disse, arrancando mais um entre várias aplausos que se fizeram ouvir durante a sua intervenção.
Por fim, disse que é a favor da NATO, mas que é “muito mais a favor de um país onde se possa ser contra a NATO”. O mesmo para a Europa, também. “Eu sou a favor de muitas coisas, mas o mais importante para mim é que todos possam discordar delas e que possam ser respeitados por esse ponto de vista e não ostracizados.”