Imposto sobre as mais-valias mobiliárias e a redução da abrangência do sigilo bancário. Estas eram duas das principais medidas que constavam da reforma fiscal do segundo Executivo de António Guterres, e que foi viabilizada pelo Partido Comunista. Foi um dos grandes acordos que foram possíveis entre PS e PCP, mas durou pouco tempo. Durante o Governo minoritário de Guterres, o PCP, à altura liderado por Carlos Carvalhas, viabilizou a reforma fiscal, que tinha sido proposta pelo Executivo em funções. Entre as medidas dessa reforma fiscal, aprovada a 21 de dezembro de 2000, estavam:

  • No primeiro ano, tributação em 75% das mais-valias mobiliárias
  • Aplicação de um regime de tributação especial para o offshore da Madeira
  • Os rendimentos dos dividendos de ações passavam a ser englobados em IRS
  • Redução dos privilégios de que o sistema bancário, as sociedades gestoras de participações sociais e os grupos económicos usufruíam
  • Redução da abrangência do sigilo bancário

Durante a decisão final sobre a reforma fiscal, o então líder parlamentar comunista Octávio Teixeira afirmou que o seu partido viabilizava a nova lei porque esta era “muito melhor” que as vigentes à altura, tanto “no âmbito do IRS como no do IRC e da Lei Geral Tributária”. Era uma lei que, na opinião do PCP, providenciava “mais justiça e equidades fiscais” e condições para “menos evasão fiscal”. Além de que, clamava o deputado comunista, “foi a persistência do PCP”, durante a legislatura que decorria e a anterior, que permitiram que se chegasse à lei em questão.

Ainda na semana passada, o eurodeputado do PS Francisco Assis, num artigo de opinião do Público, lembrava que “pura e simplesmente não é verdade” a “tese” dos partidos das bancadas parlamentares à esquerda do PS “segundo a qual foram objeto de uma ostensiva marginalização parlamentar de caráter não democrático”. Assis, que pensa que o discurso de Cavaco Silva ajudou a reforçar essa ideia, afirma que tanto os deputados do PCP, como do BE, “contribuíram para a tomada de decisões parlamentares da maior relevância pública”. Aquilo que Assis considera é que a “[a extrema esquerda] auto-excluiu-se em nome da fidelidade a um modelo de regime e de organização económica e social claramente repudiado pela maioria dos cidadãos portugueses”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar da viabilização da reforma fiscal, existiam pontos que o PCP considerava estarem “além do desejável” e daquilo que propunham “no seu projeto-lei”:

  • “O total englobamento dos rendimentos”
  • “A tributação a 100% das mais-valias”
  • “Maior alargamento da derrogação do sigilo bancário  para efeitos fiscais”
  • Aplicar maior tributação ao “offshore da Madeira”
  • “Maior redução dos benefícios fiscais”

Estes foram os pontos que Octávio Teixeira assinalou para justificar a abstenção do seu partido na votação da reforma fiscal, em vez de um voto favorável, mas que foi determinante para a sua aprovação. O PSD e do CDS votaram conta.

Esta lei não foi, no entanto, popular. Várias medidas foram contestadas, incluindo aquela que se pretendia com a taxa de tributação de mais-valias, que alguns analistas apontavam como causa da queda que a bolsa de Lisboa vinha a registar. O Executivo liderado por Guterres acabou por recuar na medida em outubro de 2001, com Oliveira Martins, então ministro das Finanças, a justificar esse retrocesso dizendo que a receita fiscal obtida através da tributação de mais-valias seria “zero” se se mantivesse essa medida da reforma fiscal. Isto porque o Estado cobrava nas mais-valias da venda de ações, mas as menos-valias eram deduzidas dos impostos, referia, à altura, o Jornal de Negócios. 

Lino Carvalho, então deputado do PCP, afirmou, citado pelo Jornal de Negócios, que as alterações feitas pelo Executivo de Guterres à reforma fiscal eram “escandalosas” porque continham contributos “ainda mais favoráveis” que o regime fiscal em vigor antes da reforma. Na opinião de Lino Carvalho essas alterações favoreciam “os movimentos especulativos na Bolsa de curto prazo”

Pouco depois, em 2002, António Guterres demite-se do cargo de primeiro-ministro. O governo seguinte, liderado por Durão Barroso acabou por revogar a reforma fiscal, seguindo a intenção das bancadas parlamentares do PSD e do CDS durante a votação final dessa proposta de lei. 

*Texto editado por Helena Pereira