Fosse para enviar uma carta, aguardar por uma consulta, tomar um café ou ver uma peça de teatro, o mais provável era encontrar uma mobília da Olaio no caminho. Entre meados da década de 30 e final dos anos 80, os móveis construídos na fábrica da Bobadela estavam não só dentro de casa mas também nos Correios, nos hospitais, nas escolas, nos ministérios, nas repartições públicas, nos hotéis, nos teatros, nos cafés, nos filmes portugueses e até no Parlamento. Uma parte da história do país senta-se nas cadeiras e poltronas da empresa fundada por José Olaio ainda no século XIX. Essa parte pode ser vista ainda em muitas casas mas pode, sobretudo, ser conhecida na exposição que o Museu de Cerâmica de Sacavém recebe até ao final do próximo ano.
“Móveis Olaio — Produção. Inovação. Qualidade” reúne centenas de fotografias, desenhos, testemunhos de trabalhadores e, claro, várias peças de mobiliário emprestadas por museus, instituições públicas e colecionadores, do biombo desenhado pelo arquiteto Raul Lino que veio da Assembleia da República, às muitas cadeiras que não envelheceram e são ainda hoje cobiçadas nas lojas vintage.
Como os próprios móveis, a exposição nasceu de um esboço. Ou melhor, de vários esboços: 590 desenhos a carvão ou caneta encontrados por Rui Rocha aquando do desmantelamento da fábrica Olaio para instalação de outras empresas, em cinco grandes envelopes organizados por temas, de sofás a escritórios.
A partir dos desenhos — que podem ser vistos em molduras ou digitalizados no Centro de Documentação do museu — a exposição faz um percurso da Olaio desde a sua fundação como loja de móveis na Rua da Atalaia, no Bairro Alto, em 1886, até à declaração de falência em 1998, já fora das mãos da família.
Reza a história que José Olaio decidiu abrir a loja do Bairro Alto depois de transformar dois caixotes de madeira comprados na Casa Havanesa em duas mesas-de-cabeceira, forrando-os com folha de raiz de mogno. Mais ou menos mitificado, o gesto do fundador acaba por ser um prenúncio da visão e inovação da marca ao longo de toda a sua história — desde o início, a Olaio não se limitou a martelar madeira mas foi também das primeiras a desafiar artistas, como o caricaturista republicano Leal da Câmara, a desenhar as suas mobílias.
Mas falar da modernidade da Olaio é falar sobretudo de três nomes: Tomáz Olaio, José Espinho e Herbert Brehm. O primeiro era filho do fundador e um industrial com visão, que não só convenceu o pai a lançar uma marca de produção própria como saiu do Bairro Alto e lançou o processo de modernização da Olaio, já na fábrica da Bobadela, em Sacavém. O segundo foi o designer que percebeu que os móveis que toda a gente queria (mesmo quando ainda não sabia que queria) estavam no norte da Europa e que trouxe para Portugal o modernismo escandinavo, deixando na gaveta — funcional e de madeira — os grandes ornamentos. Já o terceiro foi o engenheiro alemão contratado para vir pôr a funcionar a máquina plana de corte de folha que a Olaio comprou no final dos anos 50 — também ela alemã, e com a qual ninguém sabia mexer — e que marcou a transição do sistema de produção manual para o sistema de produção em série na fábrica da Bobadela. Juntos, os três puseram a Olaio nas bocas do mundo, nos escritórios do país, nos hotéis de cinco estrelas e nas casas da classe média.
Já desde 1934, a empresa familiar tinha saído do âmbito doméstico e era uma das fornecedoras do Estado, dando resposta à encomenda pública que tanto incluía mobiliário para as universidades como para os hospitais. Não por acaso, muita gente olha para a secretária dos anos 40 exibida na exposição e comenta: “Havia uma igual nos Correios” ou “lembro-me de uma na minha escola”. Mas é sobretudo nos anos 60 e 70, com o bom gosto de José Espinho, a capacidade de resposta da fábrica e as grandes obras do turismo, que a Olaio vai para fora cá dentro e começa a fazer os móveis e a decoração de hotéis como o Ritz, o Estoril-Sol e o Tivoli, os teatros Monumental, Éden e Politeama, e os cafés Império e Mexicana, entre muitos outros. É também nessa altura que ganha os contratos de licença para produzir e comercializar marcas estrangeiras como a sueca Lundia e a alemã Interlübke.
Décadas antes de a Ikea chegar a Portugal, o prestígio da Olaio já tinha chegado à Suécia, e a marca azul e amarela encomendou, inclusivamente, uma cadeira à fábrica portuguesa nos anos 70. “A parceria não continuou porque a cadeira era demasiado boa e o preço de venda era quase igual ao custo de produção”, conta Conceição Serôdio, do Centro de Documentação do museu, não sem acrescentar que antes disso a Olaio já tinha uma cadeira que se vendia toda desmontada e numa caixa igual às que hoje levantamos nos corredores self service, um dos muitos exemplares das linhas Pratic, Expert e Prefa (abreviatura de pré-fabricado) criadas no princípio dos anos 60.
O que é feito da Olaio atualmente?
Quase um século depois da fundação da José Olaio & Cª (Filho), muitos móveis da Olaio continuam em bom estado, mas o mesmo não se pode dizer da empresa. Mais do que um fator decisivo, há várias razões que estarão por trás da falência e desmantelamento da fábrica, entretanto ocupada por várias empresas no recém-batizado Parque Industrial Olaio. Para além da saída do trio Tomáz Olaio, José Espinho e Herbert Brehm (ainda hoje a viver em Portugal), o investimento brutal feito na modernização, a diminuição da encomenda pública nos anos 70 e o aparecimento da concorrência depois do 25 de Abril, aliados ao aumento da procura a baixo custo, fizeram com que a empresa tivesse dificuldades em competir com o mercado. A machadada final deu-se em 1987, quando Antero Olaio (irmão de Tomáz Olaio) vendeu toda a empresa a Mota Marques, e em 1998, quando foi declarada a falência.
2016 pode ser, no entanto, o ano de relançamento da marca, pelo menos segundo os esforços de José Pedro Olaio e João Olaio, bisneto e neto do fundador que, já em 2004, abriram uma pequena fábrica da Olaio em Torres Vedras. O projeto está atualmente parado — alegadamente por lhe faltarem os técnicos e a sofisticação da fábrica da Bobadela –, mas a nova estratégia do herdeiro passa, segundo o que foi avançado ao Observador, por relançar a marca mandando-a produzir no Norte.
Pode ser preciso esperar mais um pouco, mas que seja sentado numa cadeira Caravela e com a certeza de que há esperança para os saudosistas da Olaio.
O quê: Exposição “Móveis Olaio — Produção, Inovação e Qualidade”
Onde: Museu de Cerâmica de Sacavém (Praça Manuel Joaquim Afonso, 1, Urbanização Real Forte, Sacavém)
Quando: Terça a domingo, das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00, até dezembro de 2016
Bilhetes: 1,50€, grátis ao domingo