Há palavras que se dizem com os olhos, lá dizem os românticos. E também há aqueles que inventam novas formas de sorrir, como se fosse possível sorrir só com os olhos, fazendo-o para dizer o que não se pode dizer em palavras. Foi mais ou menos assim que alguns deputados do PS circularam esta terça-feira pelos corredores do Parlamento e responderam à curiosidade dos jornalistas. Bem, não foi bem esse o caso de Ana Paula Vitorino. Mas foi o de Tiago Brandão Rodrigues e de João Soares. E de Alexandre Quintanilha ou Rocha Andrade, que eram para o ser mas já não são. Afinal, à hora a que foram abordados pelo Observador já estes deputados eram dados como ministros.
“- Então, ainda lhe chamamos sr. deputado, ou já podemos chamar sr. ministro?
– Ora essa! Não lhe vou responder a isso”.
O ar não era enfastiado, de quem teria dezenas de mensagens no telefone com a mesma pergunta, mas era bonacheirão. Afinal, calhou-lhe uma pasta menos política, menos polémica e por isso mesmo menos problemática na relação com os jornalistas. João Soares, segundo a TSF, vai ser ministro da Cultura. Ia agarrado ao telefone. Do outro lado da linha, tinha ouvido o convite de António Costa, que lembrou a alguns dos mais próximos que João Soares foi “o melhor vereador da cultura de Lisboa”, contam ao Observador. Foi aquele que levou Lisboa a ser Capital da Cultura em 1994.
O mesmo sorriso trazia Tiago Brandão Rodrigues, aquele que não só se prepara para ser ministro da Educação, como se prepara para ser um dos ministros mais novos no cargo. Aos 38 anos, o cientista e investigador na área da biomédica, trocou uma vida de académico na Universidade de Cambridge para aterrar, primeiro, numa campanha eleitoral, depois, no Parlamento, e agora, por fim, na 5 de Outubro, sede do Ministério da Educação. A circular apressado pelos corredores da Assembleia, onde se estreou há menos de um mês, Tiago Brandão Rodrigues ainda não conhece bem os cantos à casa e por isso, além do sorriso que já lhe é habitual e do ar descontraído que apresenta, apenas nos retribui uma pergunta: “Onde é a sala dois das comissões?”.
O sorriso, em todo o caso, continua lá à passagem da pergunta que se impunha: “Já lhe podemos chamar de ministro?”. Silêncio e, lá está, um olhar que é uma resposta em si mesmo. Certo é que a presença de Brandão Rodrigues num Executivo do PS não é surpresa para ninguém, já que a ideia não seria trocar a prestigiada Universidade de Cambridge pela campanha eleitoral em Viana do Castelo (onde foi cabeça de lista) se fosse para se limitar a sentar no lugar de deputado na Assembleia da República.
A mesma boa disposição já não teve Ana Paula Vitorino. A deputada e futura ministra do Mar não quis comentar o seu novo cargo. A bem da verdade é preciso dizer que interrompeu uma chamada para responder gentilmente à pergunta da jornalista, mas a resposta não seria a desejada. Sem comentário, ministra do Mar it is.
Saltaram à vista os sorrisos à esquerda e a boa disposição de quem acabou de ganhar um jogo.
“- Já viram a bolsa hoje?
– Qual, a de apostas para o Novo Governo?
– Não, a verdadeira. Está a subir”.
A boa disposição com os números e um gráfico no telemóvel sai de João Galamba. O deputado foi tido como muitos como possível membro do Governo, mas vai ficar na Assembleia da República como porta-voz do partido. Será o homem que Costa põe na linha da frente, das televisões e da arena política, preparado para abrir fogo aos pesos pesados do PSD/CDS que voltam para a casa da democracia. Leia-se Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque. Sobretudo estes três.
Também a caminhar em passo apressado pelos corredores da Assembleia no dia em que a esquerda respirou de alívio foi outro dos potenciais ministeriáveis de Costa que, afinal, já não deverá ser ministro. Alexandre Quintanilha, o físico que foi uma das surpresas do PS nas listas de candidatos a deputados, dirigia-se a todo o gás para uma reunião de comissão quando, bem-disposto, disse ao Observador que ficaria pelo Parlamento. Quanto ao nome que está a ser anunciado para o lugar que também poderia ser seu, o de ministro da Inovação, Ciência e Ensino Superior, Quintanilha mostrou-se satisfeito. Manuel Heitor? “É ótimo”, limitou-se a dizer, entre sorrisos.
Quem também ficou de fora do elenco foi Rocha Andrade, o novo deputado do PS que chegou a ser avançado como possível ministro da Administração Interna. Poderá não ser a justificação oficial, mas vai defender a tese de doutoramento no início de dezembro e isso pode tê-lo afastado do Executivo.
Sem sinais de deputados do PSD ou do CDS, ou pelo menos com pouca afluência da ala direita do Parlamento num dia em que os trabalhos parlamentares se reduziam às reuniões de duas ou três comissões, entre os socialistas que circulavam esta terça-feira à tarde pelos corredores principais do Parlamento reinava a boa disposição. Alguns, menos habituados à vida parlamentar (ou com apenas um mês de experiência, dado que a Assembleia tomou posso no fim de outubro), notavam com visível boa disposição algumas das particularidades a que vão ter de se habituar: não poder, por exemplo, sair do gabinete do grupo parlamentar do PS para ir à casa de banho sem escapar aos jornalistas. Nesta terça-feira, tudo era motivo para uma troca de piadas ou comentário mais ligeiro. Afinal, era o dia em que à esquerda se podia começar a respirar de alívio.
Certo é que, na Assembleia da República, o dia que selou o sim do Presidente da República, mesmo que contra-vontade, à solução de António Costa foi um dia (dentro da anormalidade política das últimas semanas) que pode ser considerado… normal. Algumas comissões parlamentares funcionaram durante a tarde e houve até as primeiras reuniões pós-indigitação do PS com o PCP e com o BE: os comunistas receberam o líder parlamentar do PS, Carlos César, e a primeira-vice Ana Catarina Mendes no seu gabinete, enquanto os bloquistas se deslocaram eles próprios ao gabinete do PS para “uma reunião de trabalho”.
À saída, mais sorrisos e poucos comentários. O que acham da composição do Governo? “Que aqui as salas são maiores”, limitou-se a responder o bloquista Jorge Costa, referindo-se aos gabinetes do PS, que pelos vistos são mais espaçosos quando comparados com os do BE.