Esta semana ficou marcada pelo primeiro round, ainda de reconhecimento, no processo de negociação entre o novo Governo e os acionistas privados da TAP.
As duas partes reafirmaram de forma clara e pública qual é o seu ponto de partida para este processo negocial que deverá prosseguir em privado. E apesar de neste momento as posições parecerem mais afastadas do que nunca, as duas partes têm demasiado a perder e podem estar condenadas a entenderem-se. Aliás, é o próprio primeiro-ministro António Costa que sublinha:
“Estou certo que será feito por acordo e que independentemente de declarações, o resultado final será a contento de todas as partes”.
Os acionistas da Gateway marcaram logo posição esta quinta-feira à saída do primeiro encontro com o novo ministro da tutela, Pedro Marques. Humberto Pedrosa e David Neeleman vierem reafirmar aquilo que já tinham dito no passado. Não estão disponíveis para devolver a maioria do capital da TAP ao Estado.
A resposta política foi dada ao mais alto nível e a partir de Bruxelas. António Costa reafirma que o governo vai reconquistar a maioria do capital, com ou sem acordo. O primeiro-ministro lembrou que a execução do programa do governo (onde está previsto o controlo pelo Estado da TAP) não depende da vontade de particulares.
Apesar de desvalorizar as declarações iniciais sobre o tema, mostrando-se confiante de que haverá um acordo, António Costa deixa um recado claro aos “donos” da TAP que, “resolverem assinar um contrato com o Estado português em situações precárias, visto que estavam a assinar com um governo que tenha sido demitido na véspera”.
Esta é, no entanto, uma apreciação mais de natureza política, dificilmente servirá de argumento jurídico num eventual conflito com os acionistas privados da TAP. Para reverter o negócio, o executivo teria de invocar, e fundamentar, o interesse nacional ou o incumprimento do contrato de venda da transportadora por parte do consórcio Gateway.
Do ponto de vista do governo, a privatização da TAP ainda não está fechada. A ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil) tem de dar o parecer definitivo aos termos em que foi concretizada a venda e sobretudo de assegurar que o negócio cumpre a exigência comunitária de que é um investidor europeu (neste caso Humberto Pedrosa) que detém a maioria do capital.
A partilha de investimento e poderes entre os dois sócios da Gateway, o português e o americano dono de uma companhia brasileira, tem sido apontado como o grande calcanhar de Aquiles desta operação. E ainda não se sabe se as alterações feitas ao contrato respondem às objeções levantadas pelo regulador. A resposta ainda pode demorar até março e a negociação vai ter de avançar entretanto.
“Estamos no início de um processo negocial que, de qualquer forma, deve ser célere até para a estabilidade da própria empresa. Não é uma corrida de 100 metros, claramente, mas creio que estamos a fazer bem”, disse o ministro aos jornalistas, à margem da apresentação do Plano 100, em Matosinhos, no distrito do Porto.
O governante frisou que quando o consórcio Atlantic Gateway, assinou o contrato de privatização, o Governo PSD/CDS-PP já estava demitido e havia uma maioria de esquerda na Assembleia da República, sendo previsível que houvesse um Governo liderado pelo PS.
Apesar do setor da aviação ser tutelado pelo Ministério do Planeamento e Infraestruturas, a ANAC deve funcionar como um regulador independente, tendo visto reforçadas as suas competências e poderes. Por outro lado, a sua administração foi uma das últimas nomeações feitas pelo anterior governo PSD/CDS.
David Neeleman invocou, por seu turno, o investimento já feito pela Gateway na TAP, de 180 milhões de euros, e a previsão de colocar a breve prazo mais 120 milhões de euros no quadro da recapitalização, em que o consórcio se compromete a investir um total de 338 milhões de euros. Esta nova tranche foi contratualizada com o Estado, ainda na vigência do anterior governo de gestão, que permitiu dividir o investimento inicial previsto em duas fases, a última das quais terá de ser concretizada até final de junho.
Os novos donos da TAP puserem também já em marcha a encomenda de 53 novos aviões. Tudo para dificultar a reversão do negócio. Os argumentos financeiros são aliás o grande trunfo com que contam os acionistas privados para convencer o governo. Se o negócio for abaixo, o governo teria de indemnizar a Gateway pelo investimento feito, no pressuposto de que teria o controlo acionista.
Num cenário em que o dinheiro privado ficasse numa TAP totalmente pública, a Comissão Europeia poderia ter de se pronunciar por estar em causa uma ajuda de estado e exigir um plano de reestruturação. A alternativa seria a própria empresa devolver os fundos recebidos, o que obrigaria a aumentar o endividamento. Qualquer um destes cenários seria um quebra-cabeças para o Estado de difícil resolução.
O governo quererá por isso manter Neeleman e Pedrosa na TAP e até pode estar disponível para lhes atribuir a gestão da TAP, salvaguardando o papel do Estado em decisões estratégicas, desde que consiga persuadir os privados a baixarem a sua participação, no papel, de forma a assegurar os 51% previstos no programa do governo e acordados à esquerda.