“Foi uma decisão de vida”. Os microfones continuavam ligados, mas Portas já saía pela porta da sala de imprensa. Era a frase que respondia às perguntas. Nem mais uma. Portas ali tinha entrado para anunciar o adeus à liderança do partido. O “ponto final” e não mais um recomeço, garantiu. O anúncio tinha sido feito aos dirigentes do partido às 21h36. Hora não exata para uma despedida de 16 anos. Demorou quase quatro horas a anunciá-lo aos microfones: “16 anos é tempo que baste”.

Paulo Portas não vai ser candidato à liderança do CDS no congresso, que deverá acontecer em abril do próximo ano, e garante que com isso abre a porta ao futuro do partido. Um futuro, disse, que não será apenas nas caras da liderança, mas também de fundo. O futuro “não deve ser olhado como um problema, mas como uma oportunidade. É algo que traz ao CDS renovação e não continuidade. É uma decisão que em qualquer caso deverá permitir ao CDS renovar a sua liderança, reposicionar a sua estratégia, recomeçar a sua luta, refletir um novo projeto e uma nova agenda”, disse.

E foi sobre o futuro do partido, que já não liderará na frente, que mais se debruçou. Em tempo de saída, é tempo de mostrar confiança em quem lhe seguirá. Ainda não se sabem os nomes daqueles que avançarão para a liderança, mas Portas quer deixar os “militantes e simpatizantes” tranquilos. Até porque, lembrou, se houve líder que preparou a sucessão, foi ele.

“Conheço, percebo, mas não estou excessivamente preocupado com natural e muito democrática preocupação que possam ter os nossos militantes e simpatizantes. Tenho uma grande esperança na nova geração do CDS e acho que chegou o tempo de um ciclo político novo dar grandes responsabilidades”, disse.

Por detrás da decisão do líder que há mais tempo estava à frente de um partido, ficaram “três razões simples”, garantiu. Em primeiro lugar o tempo. Nas contas do centrista estavam não só aqueles anos que já passou à frente do CDS, como aqueles que o esperavam pela frente. Acredita que se ficasse, e tendo em conta as circunstâncias políticas, não o faria por apenas mais dois anos. “Quase 16 anos de liderança de uma instituição (…) é tempo que baste. Não quero que o exercício da autoridade por demasiado tempo me faça perder exigência comigo próprio e com os outros. Se me candidatasse agora teria de estar disponível não para um mandato de dois anos, mas para vários mandatos de vários anos. Os da oposição e os da reconquista e os do regresso do centro-direita ao governo”. Contas feitas, seriam “para lá de 20 anos o que, com muita franqueza, não é politicamente desejável”.

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Destas palavras de Portas fica no entanto a ideia de que para o líder centrista, o Governo de António Costa pode até, durar mais tempo do que previa.

Passado o argumento do tempo passado, Portas focou-se no tempo futuro. O tempo da “esperança” nesse tal “novo CDS” que irá começar a partir do próximo congresso e no qual deposita todas as fichas. E com a sua saída, garantiu, “o partido fará com total isenção uma escolha de futuro, que deve ter toda liberdade para se afirmar”.

O terceiro argumento para a sua saída tem a ver com o “novo ciclo político”. Aquele em que acredita que o CDS “só voltará a ser Governo com maioria absoluta”, até porque o contexto mudou. Não lhe chamou “geringonça”, mas garantiu “oposição ao Executivo de Costa. Contudo, Portas pede que se olhe para este novo tempo em que o voto útil não será muito mais relevante e “os portugueses darão mais valor a um partido que não é calculista e não é demagogo”.

Pelo caminho, e também no fim, Paulo Portas deixou uma “palavra” ao antigo companheiro de aventura, Passos Coelho. Disse-lhe que “as circunstâncias” dos dois “são diferentes”, que é como quem diz, não será pelo tempo de liderança do partido que Passos deverá seguir o exemplo e sair da presidência do PSD. E pelo conteúdo e pela situação atual? O ainda líder centrista não dá palpites sobre a casa do vizinho, diz apenas que teve “muito orgulho” no que fizeram enquanto Governo.

“Não tenham medo”

Paulo Portas insistiu na mensagem de esperança e confiança na nova geração do partido, pela qual, disse, puxou, incentivando os jovens dirigentes a andarem “pelo seu pé” e a “não dependerem da política”. Disse ainda conhecer e perceber, mas não estar excessivamente preocupado, “com a natural e muito democrática preocupação que possam ter neste momento os militantes e simpatizantes”.

“Porventura, a personalidade que mais marcou a minha geração disse um dia ‘não tenham medo, não tenham medo’. É isso que neste tempo de vésperas, para construir futuro, para passar o testemunho, para confiar em gente com muita qualidade, eu queria dizer em último lugar, como se fosse em primeiro. Não tenham medo, não tenham medo, confiem, o CDS vai ser capaz”, pediu o líder cessante.

A afirmação de Paulo Portas inclui uma dupla citação, por um lado, do papa João Paulo II, ao pedir “não tenham medo” e, por outro lado, do antigo presidente do CDS Adriano Moreira, ao usar a expressão “tempo de vésperas”.

O Conselho Nacional do partido, o órgão máximo entre congressos, reunirá no dia 8 de janeiro para convocar o 26.º Congresso, e definir o local, a data e os regulamentos da reunião magna dos centristas que estatuariamente é eletiva da liderança e teria de realizar-se em 2016.