“I Pity The Fool”, 1965
Single ainda editado como The Manish Boys, à segunda gravação oficial um mundo inteiro de ambição na voz, de técnica, de um palco à espera de o ver. Os blues são a nota maior da canção, popularizada no início dessa mesma década por Bobby Bland. Mas era o caminho até ao rock’n’roll que também ali estava, um que haveria de fazer sempre com olhos nos outros e ideias no futuro.
“Space Oddity”, 1969
Só para nos lembrarmos que, para todos os efeitos, Major Tom existe mesmo e continua à deriva. Quem não acredita que saia. Do álbum homónimo de Bowie mas com vida própria, perfeita para, neste século XXI, transformar quem a ouça num alien temporário. Ficção científica com todos os ingredientes.
https://www.youtube.com/watch?v=cYMCLz5PQVw
“Life On Mars”, 1971
Nas diferentes votações para “melhores canções da história” é das que sempre teve lugar cativo e assim deverá continuar. Incluída no álbum Hunky Dory, é uma fantasia intemporal que parece saída de um musical da Broadway escrito por um surrealista devoto das coisas da pop. A letra é uma viagem entre muitas e distintas referências mas consegue sempre deixar quem a ouve a perguntar-se de forma obsessiva se não haverá, de facto, nada melhor, seja em Marte ou na rua de trás. A magia de Bowie, que se entranhava sem pedir licença e, ao mesmo tempo, sem nunca incomodar – pelo contrário, temos tendência a agradecer-lhe o desaforo.
https://www.youtube.com/watch?v=v–IqqusnNQ
“Moonage Daydream”, 1972
Glam sem gravidade, Londres com todas as espécies do universo a correr pelas ruas, ficção científica de guitarra eléctrica para heróis saídos da garagem. Esta é só uma do álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars mas podiam ser todas, claro que podiam. Um disco que vai continuar a gerar seres de outro mundo com o rock como sonho maior. Uma canção que não sabe como cansar quem a ouve. E Mick Ronson, senhores, a guitarra de Mick Ronson.
“Young Americans”, 1975
Do álbum com o mesmo nome, uma viagem à soul e ao R&B, um balanço perfeito entre os estereótipos dos géneros e uma noção rara de apropriação estética. Não que os géneros lhe fossem desconhecidos ou distantes mas desta vez era quase um vício temporal, como se para Bowie nada mais interessasse naquele momento. “Young Americans”, canção sobre amor mas também sobre realidades sociais menos românticas, sobre uma América fascinante e, ao mesmo tempo, impossível de compreender nas suas contradições.
“Station to Station”, 1976
Tem a frieza do Thin White Duke mas são dez minutos de maravilhosa hipnose. Bowie estava a caminho de mudar o mundo da pop, ao mesmo tempo que se mudava a ele próprio. Parece o crooner de um cabaret futurista e, ao mesmo tempo, decadente. De cada vez que toca esta rapsódia, juramos ver à nossa frente um Bowie de calças e camisa impecavelmente engomadas, colete à medida e uma pose que mata. E não há forma de alterar isso, não há sequer quem o queira mudar.
https://www.youtube.com/watch?v=fDXBeu3198c
“Sound and Vision”, 1977
Bowie longe do mundo que habitava para criar um novo, um primeiro álbum, “Low”, de um conjunto de três que redefiniu limites para as possibilidades da pop. E uma canção genial, do princípio ao fim, intensa mas sem o assumir, distante nos seus ambientes sintetizados mas só para enganar o ouvinte, que quando dá por ela está a dançar sozinho, com a certeza que não precisa de mais nada.
“Boys Keep Swinging”, 1979
Uma canção sobre os putos, para pôr toda a gente grande a pensar como garotos. Bowie, rapazola crescido mas sem idade para ter juízo porque, afinal, nunca vai ter disso – nem idade certa, já que falamos no assunto. Ou então é só mais um papel, só mais um acto nesta coisa de ter a mania de fazer das canções um palco de teatro. E no meio de tudo isso, pouco mais de três minutos (parte do álbum “Lodger”) para desenhar um tratado irónico sobre o valor da masculinidade. Nem que muito quiséssemos lá chegaríamos com esta categoria.
https://www.youtube.com/watch?v=UMhFyWEMlD4
“Let’s Dance”, 1983
Que venham uns quantos dizer que isto não importa, que este Bowie não é o que nos mudou a vida, que já ouvimos isto vezes a mais e que já chega, que os oitentas eteceteras e tal. Certo. Cada um com a sua. Mas se isto toca, seja onde for, quem é que vai ignorar a bazófia de pista de dança que por aqui corre?
https://www.youtube.com/watch?v=N4d7Wp9kKjA
“Under The God”, 1989
Começa assim o primeiro de dois álbuns dos Tin Machine, David Bowie no meio de um quarteto nascido para o rock que não deixa espaço para mais nada, a dizer que os 80’s acabaram e que os 90’s vão trazer mais disto para o mainstream. Engravatados só para a fotografia, tudo o resto é suor e curto-circuito.
“Jump They Say”, 1992
Talvez nos lembremos mais disto graças ao vídeo de Mark Romanek, mas para Bowie isso seria uma razão tão boa como qualquer outra. O regresso aos discos em nome próprio surge, no seu primeiro single, com um funk ácido que canta o suicídio e a (de)pressão social, sobre o próprio artista e o irmão, que tinha morrido poucos anos antes. Um delírio pronto para a rádio, tão arrojado no som como na imagem que o acompanha (o costume, vá).
https://www.youtube.com/watch?v=hZSWZLJeIzI
“The Hearts Filthy Lesson”, 1995
Antes mesmo que o álbum 1. Outside estivesse nas lojas, Bowie chega-se à frente como uma espécie de messias da desgraça, um anti-herói que vem anunciar um futuro com pouco mais para oferecer do que opressão. Foi o anúncio de um álbum conceptual que abordava o fim do século de forma distópica. Rock como base para experiências, outra vez com Brian Eno e sem limites para a paleta sonora disponível.
https://www.youtube.com/watch?v=lVgk7wYeZHw
“The Loneliest Guy”, 2003
É bonito ouvir outra vez esta canção. É bom poder vê-la em muitas gravações que enchem o YouTube de momentos bonitos. Mas será sempre difícil ouvir isto se fizermos parte do grupo de infelizes que nunca viu Bowie apresentá-la ao vivo. Chama-se inveja, mas aqui não faz mal a ninguém. Claro, podemos dizer isto desta como de qualquer outra, mas esta foi das canções mais frágeis que o homem apresentou na sua última digressão (A Reality Tour). Tudo devagar, devagarinho, mas “The Loneliest Guy” tem (quase) toda a vida de Bowie lá dentro.
“The Stars (Are Out Tonight)”, 2013
O disco já conta quase três anos mas ainda estamos todos à procura da resposta para a pergunta fundamental: como é que se regressa aos discos, dez anos depois do anterior, com esta atitude, com a escrita apurada de quem nunca deixou a máquina parada, com esta fome criativa, de querer não só marcar o regresso mas fazê-lo com significado, como quem continuamente inspira outros a tentar fazer o mesmo. Não que isso preocupasse Bowie, certamente, mas “The Stars (Are Out Tonight)” roda e tudo isto parece óbvio. Claro que se fosse “Where Are We Now” a conversa seria a mesma, álbuns obrigatórios dá nisto.
“Lazarus”, 2016
A canção chegou-nos em álbum de corpo inteiro na sexta-feira, quando o músico fez 69 anos e editou o genial Blackstar. O disco é muito mais que só uma canção, mas “Lazarus” é o Bowie genial escritor e compositor; o intérprete imaculado, que sabe melhor que ninguém onde e quando cantar o que interessa; o Bowie como arrojado artista visual, com um vídeo que será certamente o melhor do ano; o Bowie destemido, o que fez todo este Blackstar, que é pop desafiadora, é jazz, é uma muralha sonora difícil de descrever porque mais ninguém faz isto, não assim. Saber que foi uma espécie de despedida leva-nos a compreender tudo de uma maneira diferente, mais completa, talvez, mais melancólica também. Ainda assim, sempre mais que perfeita, muito mais.