Os investigadores da Operação Marquês continuam no rasto da circulação de dinheiro entre José Sócrates e Carlos Santos Silva e já alargaram a malha à família do ex-primeiro-ministro. Ao que o Observador apurou, as contas bancárias de Maria Adelaide Monteiro (mãe de Sócrates) e de António Pinto de Sousa (irmão já falecido do ex-líder do PS) estão a ser analisadas em busca de depósitos e saídas em ‘dinheiro vivo’ que tenham como destinatário Sócrates.

Para já, terão sido detectados mais de 100 mil euros que foram depositados em numerário entre 2006 e 2009 nas contas bancárias de Maria Adelaide Monteiro, enquanto que cerca de 150 mil euros que entraram na conta do falecido António Pinto de Sousa entre 2007 e 2011 estarão igualmente sob suspeita. No total, estarão em causa cerca de 250 mil euros cuja origem e destino o Ministério Público (MP) quer escalpelizar para perceber se estão relacionados com o esquema criado por Carlos Santos Silva para fazer chegar a José Sócrates parte dos cerca de 23 milhões de euros que foram transferidos da Suíça para uma conta no Banco Espírito Santo – montante esse que, segundo o MP, pertencerá ao ex-primeiro-ministro.

As suspeitas do procurador Rosário Teixeira sobre esses depósitos em numerário saíram reforçadas quando a equipa de investigação liderada pelo inspector Paulo Silva (Autoridade Tributária) recolheu indícios de que essas entradas de dinheiro não se coadunam com os rendimentos declarados ao Fisco pela mãe de Sócrates e com a actividade que o irmão tinha – além de se verificarem de forma reiterada.

Por exemplo, ao que o Observador apurou, Maria Adelaide Monteiro terá recebido numa conta no BPI cerca de 50 mil euros em diversos depósitos de ‘dinheiro vivo’ nos dois primeiros meses de 2007. Mas a maior desconfiança da investigação da Operação Marquês é a forma regular como esses depósitos em numerário terão sido feitos – e sempre em números redondos e exactos. Desde um mínimo de 1000 euros a um máximo de 20 mil, os depósitos em ‘dinheiro vivo’ nas contas da mãe de José Sócrates foram uma prática regular ao longo dos anos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Estes factos foram recolhidos após a análise das várias contas bancárias de Maria Adelaide Monteiro e de António Pinto de Sousa, assim como das contas de José Sócrates. A investigação está neste momento a realizar o cruzamento entre estes depósitos em numerário e as saídas de dinheiro das contas de Carlos Santos Silva no Banco Espírito Santo.

Sócrates entregou ‘dinheiro vivo’ a namorado de ex-mulher

A circulação de ‘dinheiro vivo’ no círculo de conhecimentos de José Sócrates é uma prática que chamou a atenção dos investigadores desde o inicio da Operação Marquês. Para o MP, existem fortes indícios de que esse era o método preferido de José Sócrates para receber fundos e terá sido essa a razão para que Carlos Santos Silva tenha levantado mais de 1,1 milhões de euros em numerário das suas contas do BES entre 2011 e 2014.

A investigação tem chamado os funcionários, gerentes e directores do BES e de outros bancos com quem Santos Silva tinha contacto regular e muitos deles terão testemunhado que era prática corrente levantarem montantes significativos em numerário a pedido do amigo de Sócrates, entregando-lhe as notas em envelopes.

Uma dessas testemunhas foi, ao que o Observador apurou, Ana Isabel Almeida Vaz, membro do departamento de private banking. Chamada pelo procurador Rosário Teixeira no final do ano passado, a bancária terá explicado em pormenor a relação profissional que tinha com Santos Silva e os levantamentos em numerário que terá ordenado a seu pedido – existindo muitos outros em que não terá tido qualquer interferência.

Os membros do inner circle de Sócrates têm também evidenciado a circulação de dinheiro vivo como prática corrente, como Manuel Costa Reis, namorado de Sofia Fava (a primeira mulher de José Sócrates). Perante o procurador Rosário Teixeira, Costa Reis admitiu ter ido a casa de José Sócrates para recolher junto do ex-primeiro-ministro cerca de 4 mil euros em ‘dinheiro vivo’ para pagar dívidas relacionadas com a aquisição do Monte das Margaridas no Alentejo. A entrega do dinheiro terá sido previamente combinada entre Sócrates e Sofia Fava.

Costa Reis também afirmou que essa propriedade, adquirida por si e por Sofia Fava por cerca de 760 mil euros em 2012 com um empréstimo do BES avalizado por Santos Silva, fez com que o casal tivesse gerado várias dívidas para pagar a prestação mensal do empréstimo – apesar de Sofia Fava receber cerca de 4.600 euros mensais de uma empresa de Carlos Santos Silva, praticamente o mesmo montante da prestação mensal do empréstimo do BES.

Costa Reis também terá admitido que, além de todos estes montantes, Carlos Santos Silva também lhe emprestou cerca de 250 mil euros para pagar outra dívida (que aparentemente nada tem a ver com o Monte das Margaridas) que já estaria em execução.

Nota: Corrigida a identidade de Ana Isabel Almeida Vaz, membro do Departamento de Private Banking do BES, que estava referida erradamente como Isabel Almeida, ex-diretora-geral e ex-coordenadora do Departamento Financeiro, Mercados e Estudos do BES. Pelo lapso, apresentamos as nossas desculpas a Isabel Almeida e aos nossos leitores.