Não consta que a cor faça parte do arco-íris ou sequer da escala de cores que compõem um semáforo, mas brevemente poderá vê-la em toda a cidade de Lisboa. Às zonas verdes, amarelas e vermelhas criadas há anos pela Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), poderão juntar-se as “zonas mais do que vermelhas”, nas palavras do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina.

A plateia era de moradores do centro histórico, indignados com a falta de estacionamento no Chiado, Santa Catarina e Baixa, indignados com aquilo que dizem ser a inação da EMEL, indignados com a atuação da polícia. Aproveitando uma reunião descentralizada da câmara no Museu da Farmácia, junto ao Miradouro de Santa Catarina, os habitantes daquela zona levaram uma enxurrada de queixas aos membros do executivo. Fernando Medina, talvez surpreendido pela quantidade de pessoas que falaram sobre os problemas de estacionamento, prometeu-lhes que a alteração ao Regulamento Geral de Estacionamento e Paragem na Via Pública — atualmente em discussão pública –, apesar de “muito cirúrgica”, terá “muito impacto” na vida das pessoas.

Por um lado, explicou o autarca, “a EMEL vai ficar com a concessão de toda a área da cidade”, podendo atuar em zonas onde ainda não está presente. Por outro, o novo regulamento vai permitir a agilização de procedimentos que até agora exigem bastante burocracia. É o caso, por exemplo, da alteração dos limites das diferentes zonas de estacionamento, exigida por alguns moradores do Chiado que se queixam de não ter alternativas para deixar o carro, uma vez que, nas redondezas, há sítios onde o estacionamento é totalmente proibido.

Por fim, Medina assegurou que esta alteração regulamentar vai permitir uma “gestão mais flexível dos tarifários” e a criação de novas zonas. “Zonas… eu não diria vermelhas, mas mais do que vermelhas”, disse o presidente da câmara, deixando assim em aberto a possibilidade de criar tarifas altamente desincentivadoras do uso do automóvel em certos locais. Como o centro histórico, onde os lugares de estacionamento estão quase sempre ocupados por carros de não-moradores — queixam-se os moradores. Atualmente, as zonas definidas pela EMEL distinguem-se por cores conforme o preço praticado: nas verdes o estacionamento é mais barato (0,80 euros por hora) e nas vermelhas é mais caro (1,60 euros por hora).

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Apesar destas afirmações, Medina fez questão de dizer à plateia que este é “um problema que não tem solução fácil”, uma vez que o número de lugares de estacionamento no centro histórico é muito inferior ao número de dísticos de morador emitidos pela EMEL. Segundo o autarca, em Santa Catarina há 5,4 dísticos por cada lugar, no Bairro Alto há 6,6, no Castelo há 3,7 e em Alfama há 4 dísticos para cada lugar.

Perante esta “desproporção enorme”, Medina afirmou que “não é materialmente possível imaginar que, no Castelo, temos dois carros por residência”. Antes, uma habitante da Costa do Castelo que queixou-se de não poder parquear o segundo carro mais do que meia hora. “Não posso ir a casa dormir com o meu marido”, lamentou.

Câmara, uma “caixa de carimbos”?

Na reunião, que começou pelas 18h30 e só terminou muito depois das 24h, os moradores aproveitaram também para se queixar de uma situação que há muito os vem preocupando: o ruído e a vida noturna. Na intervenção mais aplaudida do serão, Miguel Moreira classificou a vida no Cais do Sodré como um “estado de sítio” e, pouco depois, como “um estado de guerra”. “Pensa-se em tudo menos nas pessoas”, disse o munícipe, acusando a câmara de ter “falta de pensamento filosófico” ao permitir a proliferação de hotéis, bares e de apartamentos para turistas naquela zona e adjacentes.

Medina recusou a ideia de que a câmara promova o aumento de bares no centro histórico e preferiu salientar a importância da reabilitação daquela zona. “A câmara é dona de uma igreja, mas não de nenhum bar”, ironizou, acrescentando depois que a autarquia, à semelhança de todas as outras, não pode impedir ninguém de abrir um hotel, um hostel ou um bar. A intervenção, que motivou um sururu entre as cerca de 200 pessoas presentes, mereceu igualmente críticas do vereador comunista João Ferreira, que acusou a câmara de se ter tornado “uma caixa de carimbos” para hotéis.

No fim, os presidentes das juntas de Santo António, Santa Maria Maior e Misericórdia associaram-se às queixas dos moradores e exigiram à autarquia soluções para limitar o aumento dos bares, a desregulação de horários, o excesso de ruído e o excesso de oferta hoteleira.