Não é todos os dias que nos sentamos à mesa para provar um vinho cujo produtor está a três lugares de distância, de sorriso na cara e língua afiada, pronta para uma conversa (e refeição) que à partida se adivinha longa. Foi precisamente o que fez Charles Symington — um dos membros da conhecida família que há cinco gerações anda pelo Douro a fazer vinho — na última sexta-feira, dia 4 de março. A convite da Quinta das Lágrimas, Symington sentou-se para jantar com um grupo restrito de clientes-enófilos.

Em causa está a iniciativa “À mesa com o produtor”, que promete animar (ainda mais) o restaurante Arcadas: todos os meses, um produtor diferente vestirá a pele de anfitrião num jantar exclusivo que custa 50 euros por pessoa. Enquanto os vinhos vão variando consoante o nome e o rosto apresentado mensalmente — à exceção de julho e agosto, altura em que é feito um interregno –, o menu fica a cargo do chef Victor Dias, que terá sempre como prioridade um casamento feliz entre o que se bebe e o que se come.

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Mas voltemos a Charles e ao seu apelido difícil de soletrar. Caso não saiba, este é um dos nomes da família produtora que no ADN leva ascendência escocesa, inglesa e portuguesa, e que detém mil hectares de vinha distribuídos por 27 propriedades vitivinícolas durienses. Com números tão redondos — foquemo-nos nas vinhas –, não é de estranhar que em causa esteja um dos principais produtores de vinhos do Porto de qualidade superior (trabalha as marcas Graham’s, Cockburn’s, Dow’s e Warre’s), além de deter a Quinta do Vesúvio.

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Com tanta margem de manobra, a escolha seria sempre difícil, mas o que acabou por chegar à mesa na passada sexta-feira deu para ter um cheirinho da obra vínica da família. O muito jovem Altano Branco 2015 quebrou o gelo e permitiu as primeiras garfadas da noite, na forma de um salmonete fumado, enquanto um Pombal de Vesúvio 2013 veio (e foi) servir de acompanhante ao mil folhas de queijo de cabra com redução de vinho licoroso. Houve ainda tempo para a chanfana, bem casada com um Quinta do Vesúvio 2012, e um cestinho de ovos, já a lembrar a Páscoa, com um Graham’s Quinta dos Malvedos Vintage 2004.

O próximo produtor a ter lugar de destaque na mesa redonda — porque, à semelhança da lendária Távola Redonda, não há cá cabeceiras — é Carlos Lucas, embora a data ainda não esteja fechada. O enólogo tem mais 20 anos de experiência e está muito habituado a trabalhar a zona do Dão (entre outras), de onde são provenientes os vinhos Ribeiro Santo — recordemos que o Dão Ribeiro Santos Branco 2014 foi o vinho português que já chegou à mesa de Gordon Ramsay e que o Ribeiro Santo DOC branco Escolha 2007 esteve entre as 10 propostas vinícolas do Observador para 2016.

Morrer de amores por um wine hotel

Se o vinho suscita paixão, o mesmo se pode dizer da Quinta das Lágrimas, cuja arquitetura e decoração ainda espelha muito do legado histórico do palácio do século XVIII, situado no centro de Coimbra. É certo que por ali já passaram reis e imperadores, mas falar da Quinta das Lágrimas sem recordar o romance que a literatura, música e cinema já eternizaram é como ir a Roma sem ver o Papa ou como abrir um bom vinho para vê-lo passar de copo em copo sem que sobre nada para nós.

O hotel ainda hoje presta homenagem à lenda de amor entre o príncipe Pedro e a galega Inês de Castro. Isso é sobretudo visível nos jardins exteriores que podem ser acedidos gratuitamente pelos hóspedes. Percorrendo trilhos mais e menos definidos, é possível dar de caras com a Fonte das Lágrimas, cujas águas terão, conta a lenda e a página do Turismo de Portugal, tido origem nas lágrimas vertidas por Inês aquando da sua morte. Só depois surge a tão conhecida Fonte dos Amores, a qual serviria para que os amantes comunicassem — é aí que se encontra uma mancha de algas avermelhadas na rocha, associadas ao sangue de Inês.

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Sobra mais o que ver em cerca de 12 hectares de jardins, onde foram plantadas árvores provenientes de cinco continentes, com destaque para a imponente figueira-australiana que, dizem os funcionários do hotel, terá entre 400 a 500 anos, embora seja particularmente difícil determinar a sua data de nascimento. Para lá desta árvore que mostra, vaidosa, a suas raízes robustas à superfície, estão outros trilhos que levam o caminhante a perder-se em segurança.

E se o exterior convida — mesmo quando o frio cumprimenta os ossos num conjunto de arrepios pouco subtis –, o interior, com os seus cantos e recantos por entre salas decoradas a dedo e quartos de ambientes diferentes, também não deixa ninguém indiferente. A Quinta das Lágrimas, apesar do nome, é um bom motivo para sorrir (e brindar).