Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse esta quarta-feira como Presidente da República. Cumpriu a tradição e fez um discurso na Assembleia da República, perante os convidados, como Filipe VI, Rei de Espanha, perante os deputados, perante o Governo. Tal como os antecessores, Marcelo Rebelo de Sousa falou do desenho que faz para a sua Presidência, falou dos desafios nacionais, e também dos internacionais. O Observador foi comparar os discursos de tomada de posse dos primeiros mandatos de Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa para perceber quais os temas que mais importavam a cada um dos cinco Presidentes da República, depois do 25 de abril. E, afinal, quais eram?

Desafios nacionais

Ramalho Eanes (1976) avisou sobre o excesso de greves, falou sobre melhoria de condições de vida, da saúde e da educação.

  • “Para que a economia, a democracia e o próprio país se salvem é indispensável que todos os trabalhadores de facto trabalhem e produzam como se impõe”.
  • “Importa prosseguir uma política de melhoria de condições de vida das classes mais desfavorecidas”.
  • “Há que lançar programas ousados no domínio da habitação e da saúde e que encontrar soluções que melhorem a qualidade de vida das populações da cintura dos grandes centros urbanos”.
  • “Nos vários setores de atividade, temos de terminar com quaisquer formas de irresponsabilidade e corrupção, impondo o primado da seriedade e da competência”.

Mário Soares (1986) apontou para objetivos da modernização e do desenvolvimento, mas reconhece a existência de conflitos, que devem “estimular a concertação”.

  • “Não hesito em identificar esse desígnio nacional, nesta nova fase da vida portuguesa, com a estratégia para o desenvolvimento, a reforma do Estado, a modernização da sociedade e a afirmação da vitalidade indesmentível da nossa cultura”.
  • “É óbvio que há divisões, conflitos e contradições na sociedade portuguesa, que se exprimem livremente como é próprio das sociedades abertas e que se não podem ignorar. Mas longe de paralisarem devem estimular a nossa criatividade e capacidade de concertação”.

Jorge Sampaio (1996) mencionou o aumento das desigualdades sociais, em coesão nacional, e na formação dos jovens.

  • “Há sinais inequívocos de aumento de desigualdades sociais. Acumularam-se e atingiram níveis preocupantes, as profundas assimetrias regionais e o desenvolvimento nacional, bem como os fenómenos de exclusão e de marginalização de minorias”.
  • “Expressão desta quebra de coesão nacional são os crescentes indicadores de insegurança, o aumento dos factores de conflitualidade, o acumular de tensões inter-regionais (…)”.
  • “Temos de assegurar às novas gerações uma formação exigente, capaz de os habilitar para os desafios de um mercado aberto”.

Cavaco Silva (2006) salientou a forte dependência energética de Portugal, em realção ao exterior, a necessidade de tornar o sistema de justiça eficaz e de Portugal se voltar para o Mar.

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  • “Não nos podemos também esquecer que somos um país fortemente dependente e ineficiente em matéria energética (…) A sustentabilidade do crescimento da nossa economia passa também por uma política energética ajustada às novas realidades”.
  • “O empreendedorismo chegou tarde às nossas escolas e agora é preciso acelerar o passo”.
  • “Constitui responsabilidade inadiável das forças políticas, ouvindo os operadores judiciários, gerar consensos indispensáveis para se assegurar o funcionamento de um sistema de justiça eficaz, caracterizado pela qualidade, pela certeza e pela responsabilidade das suas decisões”.
  • “Seria desejável alcançar um consenso político alargado quanto à estratégia adequada para enfrentar a tendência para o envelhecimento da população portuguesa, a par do declínio da taxa de natalidade”.
  • “É tempo de prestar ao mar uma nova atenção”.

Marcelo Rebelo de Sousa (2016) foi abrangente relativamente aos desafios do país. Falou de igualdade, do Mar, da necessidade de combate à corrupção e da construção de consensos.

  • “Salvaguardar a vida, a integridade física e espiritual, a liberdade de pensamento, de crença e de expressão e o pluralismo de opinião e de organização é um dever de todos nós”.
  • “(…)Continuar a assumir o mar como prioridade nacional”.
  • “Temos de sair do clima da crise, em que quase sempre vivemos desde o começo do século”.
  • “Temos de ir mais longe, com realismo mas visão de futuro, na capacidade e na qualidade das nossas Educação e Ciência, mas também da Saúde, da Segurança Social, da Justiça e da Administração Pública e do próprio sistema político e sua moralização e credibilização constantes, nomeadamente pelo combate à corrupção, ao clientelismo, ao nepotismo”.
  • “Temos de cicatrizar feridas destes tão longos anos de sacrifícios, no fragilizar do tecido social, na perda de consensos de regime, na divisão entre hemisférios políticos”.

Relações internacionais

Ramalho Eanes foi sucinto no que diz respeito às menções das relações externas portuguesas.

  • “Intensificamos a nossa participação nesses espaços, na Europa em que estamos integrados, no mundo de expressão portuguesa a quem nos ligam laços afetivos e culturais, e colaboraremos com todos os países que connosco quiserem percorrer os caminhos da paz e comungar o pão da esperança (…)”.
  • “Não esqueçamos que, da nossa realidade, fazem parte muitas centenas de milhares de portugueses que noutros países procuram o que um regime padrasto lhes negou”.

Mário Soares, Presidente ainda no tempo em que Macau era um enclave português, a essa região se referiu, bem como à situação de Timor-Leste, que já em 1986 era complicada.

  • “Tudo farei para lhe garantir [à população de Macau] as melhores condições de estabilidade, de progresso e de desenvolvimento”.
  • “Desejo, também aqui, exprimir a minha preocupação relativamente à situação de Timor-Leste, que tem sido acompanhada por Portugal, nos últimos anos, com realismo e persistência, de harmonia com as regras do direito internacional. (…) continuaremos a lutar, na medida das nossas possibilidades, pelo Direito imprescritível do Povo de Timor Leste à autodeterminação e à independência”.

Jorge Sampaio foi mais abrangente e abordou não só tema de Macau e Timor-Leste, mas também da Europa e dos países de língua oficial portuguesa.

  • “O essencial do destino de Portugal joga-se na Europa. Esse é hoje um dado incontornável da inserção internacional do País”.
  • “Essas relações [com países de língua oficial portuguesa] representam um traço da união com a nossa própria história, uma longa história partilhada com os povos de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, da Guiné, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe e, naturalmente, com o povo de Timor-Leste”.
  • “Portugal tem uma responsabilidade histórica inalienável em relação a Timor-Leste e à comunidade timorense”.
  • “O Presidente da República tem especiais responsabilidades em relação a Macau. Pela minha parte entendo ser necessário uma estrita consonância com o Governo, tanto para a administração do território, com no quadro das relações com a República Popular da China”.

Cavaco Silva focou-se essencialmente na União Europeia, e mencionou a importância das relações transatlânticas.

  • “Eu acredito num Portugal forte e digno da sua História. Um país que traga a esse projeto extraordinário que é a União Europeia uma contribuição própria e uma participação ativa. (…) Mas não nos iludamos: há o risco de que os cidadãos se não revejam nesta União Europeia que vamos construindo (…)”.
  • “A construção de uma relação transatlântica saudável é fundamental para Portugal e para a União Europeia”.

Marcelo Rebelo de Sousa, sobre as relações internacionais, foi sucinto. Cumprir os compromissos internacionais com a União Europeia, com a CPLP e com a Aliança Atlântica. E elencou desafios.

  • “Temos de ser fiéis aos compromissos a que soberanamente nos vinculámos – em especial, aos que correspondem a coordenadas permanentes da nossa política externa, como a União Europeia, a CPLP, a Aliança Atlântica”.
  • “Os desafios dos refugiados na Europa, da não discriminação económica e financeira na CPLP e das fronteiras da Aliança Atlântica, são apenas três exemplos, de entre muitos, de questões prementes relevantes, mesmo se incómodas”.

Eu, Presidente

Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa. Todos sem exceção fizeram questão de referir nos discursos de tomada de posse o que tipo de Presidente que queriam ser durante os seus mandatos.

Ramalho Eanes:

  • “Exercerei o cargo de Presidente da República consciente de que um Estado de direito democrático se caracteriza pela pluralidade e independência dos órgãos e poderes constituídos. Comprometo-me a respeitar a esfera de cada um, a exigir de todos o cumprimento integral da sua missão e a todos garantir as condições do seu exercício correto”.

Mário Soares:

  • “[Cabe] ao Presidente da República, pelas suas próprias funções, ser um fator essencial de estabilidade, o natural mediador dos consensos possíveis”.
  • “Considero ser meu dever trabalhar lealmente com os governos que tenham a confiança da Assembleia da República ou que por estas sejam viabilizados, quaisquer que forem”.
  • “Tal como a entendo, a função presidencial não deve ser interferida por projetos pessoais nem por egoísmos partidários, sejam de que natureza forem”.

Jorge Sampaio:

  • “É necessário exercer uma magistratura que defenda, garanta e reforce a coesão nacional”.
  • “Como Presidente da República tudo farei para estimular os consensos na sociedade portuguesa”.
  • “O Presidente da República deve ser um garante da estabilidade política e institucional e exercer uma magistratura por forma a assegurar os equilíbrios institucionais”.

Cavaco Silva:

  • “Julgo, por outro lado, que os desafios que Portugal enfrenta neste momento histórico exigem uma magistratura presidencial que favoreça consensos alargados em torno dos grandes objetivos nacionais”.
  • “O Presidente da República deve empenhar-se numa autêntica cooperação estratégica em torno dos grandes objetivos nacionais, com os restantes órgãos de soberania e, em particular, com o Governo legítimo de Portugal”.
  • “Além do respeito pela separação de poderes, assumo igualmente um compromisso político de isenção”.

Marcelo Rebelo de Sousa:

  • “Um Presidente que não é nem a favor nem contra ninguém. Assim será politicamente, do princípio ao fim do seu mandato”.
  • “Sem promessas fáceis, ou programas que se sabe não poder cumprir, mas com a determinação constante. Assumindo, em plenitude, os seus poderes e deveres”.
  • “Um servidor da causa pública. Que o mesmo é dizer, um servidor desta Pátria de quase nove séculos”.

*Editado por Helena Pereira