A Alemanha pediu, Holanda e Áustria alinharam, e a Comissão Europeia avançou com a exigência. A ideia de um plano B orçamental de Portugal — que não chegou a ser para implementar apenas “se”, mas “quando” necessário, por pressão destes três países –, surgiu na terça-feira de Carnaval em Bruxelas, numa altura em que as preocupações em relação a Portugal já haviam sido suscitadas, de acordo com várias fontes contactadas com o Observador.

Depois de meses a pedir a proposta de Orçamento do Estado a Portugal, a Comissão Europeia só recebeu o primeiro esboço do Orçamento a 22 de janeiro, já depois de algumas negociações que levaram a uma meta do défice mais ambiciosa que a prevista no programa de Governo, que passou de 2,8% para 2,6% do PIB.

No entanto, no Eurogrupo as dúvidas face ao que começava a ser anunciado começaram a ser levantadas ainda antes disso. Segundo apurou o Observador, Portugal nem estava na agenda, mas a Holanda puxou o assunto na reunião de 14 de janeiro, num prenúncio do que se seguiria.

Foi a 9 de fevereiro, terça-feira de Carnaval, na reunião do Eurogroup Working Group (EWG), onde os braços-direitos preparavam a reunião dos ministros das Finanças do euro que aconteceria dois dias depois, que a questão das medidas adicionais se colocou primeiro, contou ao Observador uma fonte com conhecimento da reunião, que pediu para não ser identificada uma vez que as reuniões são confidenciais.

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A reunião terá começado com o representante português, o secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Ricardo Mourinho Félix, a criticar a Comissão Europeia. Os mercados estavam agitados e os juros a subir, com muitas opiniões internacionais críticas, e, segundo uma fonte contactada pelo Observador, o representante português terá imputado a culpa ao comunicado da Comissão Europeia de dia 5 de fevereiro, que teria, alegadamente, colocado demasiado ênfase na diferença de posições entre o Governo português e a Comissão Europeia.

O mesmo comunicado dizia já que a Comissão esperava que as suas preocupações fossem atendidas ainda durante o processo orçamental e evidenciava que o ajustamento estrutural estimado pela Comissão Europeia (entre 0,1 e 0,2 pontos percentuais) não era o mesmo que o estimado pelo Governo (0,3 pontos percentuais). A explicação estava numa avaliação considerada otimista dos resultados de algumas medidas, como os aumentos de impostos sobre o tabaco ou as poupanças com a saída de funcionários públicos. A diferença entre as duas avaliações? 155 milhões de euros.

Neste contexto, a Alemanha deu a sua opinião e disse que, apesar de se tratar de um problema político e ninguém querer voltar a ter problemas com Portugal, o comunicado do Eurogrupo teria de ser diferente. “No entender do representante do ministro das Finanças alemão, Portugal é um caso diferente e tinha de ser tratado como tal”, explicou a mesma fonte.

À Áustria e à Itália foi feito um pedido semelhante, mas para vincar as diferenças entre Portugal e os restantes países, a Alemanha pedia que no comunicado do Eurogrupo, o ponto de acordo político entre todos os países do euro, fosse incluída uma posição mais forte e também um calendário para a apresentação dessas medidas.

Ao contrário do pedido de medidas “atempadamente”, como foi feito no caso da Áustria e Itália, o “pedido” alemão acabou por ser traduzido numa garantia que o plano ia ser elaborado para ser apresentado em breve (a expressão no comunicado, de 11 de fevereiro, é que esse plano começaria a ser desenhado “imediatamente”). Mas a Alemanha não estava sozinha nesta discussão. Consigo, entre os países mais duros com Portugal, estiveram também os representantes da Holanda e, curiosamente, da Áustria, país que está também em risco de incumprimento das regras orçamentais europeias e um dos países cujos responsáveis políticos queriam que não fosse comparado a Portugal.

A reunião de preparação do Eurogrupo (cujo tema principal foi Portugal) durou cerca de uma hora, com muitos dos países a deixarem-se de fora do debate. Espanha, por exemplo, colocou apenas questões mais técnicas.

No final, o acordo foi para que o comunicado do Eurogrupo exigisse a Portugal a preparação de medidas adicionais para tomar quando necessário. A Alemanha, que vincou a sua posição, deixou sempre para a Comissão Europeia a responsabilidade formal de exigir medidas, mas pediu também, ao contrário do que foi exigido aos restantes países, um calendário para que essas medidas viessem a acontecer, explicou outra fonte com conhecimento das discussões.

O representante português não terá tido, segundo a mesma fonte, grande intervenção durante a hora de reunião em Bruxelas, dizendo apenas no fim que teria tomado nota das preocupações dos países e que no Eurogrupo a questão seria tratada.

As medidas seriam para avançar, depois de a Comissão Europeia e o Eurogrupo terem ao seu dispor os dados finais do défice orçamental de 2015, publicados a 24 de março, o Programa de Estabilidade e o Plano Nacional de Reformas (que têm de ser enviados a Bruxelas em meados de abril), e ainda depois de serem atualizadas as previsões económicas da Comissão Europeia, conhecidas nos primeiros dias de maio.

É apenas quando tiverem toda esta informação à disposição que a Comissão Europeia, e o Eurogrupo, vão avaliar o plano B de Mário Centeno e decidir qual o esforço que vão exigir para cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Segundo o Diário Económico desta quarta-feira, em cima da mesa estará um valor a rondar os 700 milhões de euros em medidas que Bruxelas quer que sejam implementadas, para além do Orçamento.

As regras são para cumprir, diz a Alemanha

Contactado pelo Observador, o Ministério das Finanças da Alemanha diz que “para Portugal, como para os restantes Estados-membros, as regras orçamentais europeias são para cumprir”.

“Todos os países que tiveram um programa estão conscientes que os mercados acompanham de perto os seus esforços orçamentais e um possível risco de incumprimento, como mencionado no comunicado do Eurogrupo de 11 de fevereiro”.

Questionado diretamente se a Alemanha pediu mais medidas a Portugal na reunião do EWG, fonte oficial do Ministério de Wolfgang Schäuble explica que a responsabilidade para pedir medidas não é do EWG, mas sim da Comissão Europeia, e que é isso mesmo que espera do Executivo comunitário, que faça cumprir as regras.

“Uma vez que o orçamento permanece em risco de incumprimento [das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento], o Eurogrupo congratulou-se com o compromisso assumido pelas autoridades portuguesas de preparar já novas medidas adicionais para serem implementadas quando necessário. (…) As autoridades portuguesas assumiram de forma clara o seu compromisso de cumprir as regras. Nós esperamos que a Comissão tome todas as ações necessárias para garantir o cumprimento do PEC, como refletido no comunicado do Eurogrupo de 7 de março de 2016”, acrescentou fonte oficial do Ministério das Finanças da Alemanha ao Observador.

Porque não chumbou a Comissão o orçamento, se agora exige mais?

A dúvida foi levantada por várias vezes pelos representantes dos ministros e também pelos próprios comissários na reunião de dia 5 de fevereiro. Os serviços da Comissão Europeia explicaram que nesta primeira fase apenas a legalidade do orçamento estava em causa, ou seja, se cumpria o ajustamento estrutural mínimo exigido: a diferença não podia ser superior a 0,5% do PIB potencial e foi com o recuo da descida da TSU para os trabalhadores com rendimentos inferiores a 600 euros que esse ajustamento mínimo foi alcançado (uma medida que chegou apenas pelas 01h00 de sexta-feira dia 5 de fevereiro, o mesmo dia em que os comissários se reuniram).

A Comissão não podia chumbar o orçamento com base no cenário macroeconómico português – apenas se as medidas estivessem mal calculadas. Essa avaliação só será feita quando a Comissão publicar as previsões revistas, no início de maio.