Na memória da maioria das pessoas, Bosch é sinónimo de berbequins, cortadores de relva e escovas limpa-pára-brisas, mas a multinacional alemã é muito mais que uma vasta gama de produtos de consumo doméstico e industrial.
Nos últimos anos a empresa alemã tem apostado naquilo que é já um movimento imparável designado por Internet das Coisas (IoT, sigla em inglês para Internet of Things), através da produção de sensores e software. Esta semana, fechou o ciclo com a apresentação de um novo produto: a Bosch IoT Cloud, um serviço de armazenamento remoto que reúne e processa dados provenientes dos seus equipamentos, que são já mais de 5 milhões.
Este novo serviço está, para já, apenas disponível para as soluções da empresa na Alemanha, mas a partir do próximo ano ficará ao dispor para outras empresas noutros países, com o objetivo assumido de concorrer com as grandes plataformas do mercado – Google, Amazon, IBM e Microsoft, por exemplo – no domínio da IoT.
A apresentação formal foi feita na passada quarta-feira em Berlim, na conferência Bosch ConnectedWorld IoT, que decorreu no Berlin Congress Center. Neste evento, dedicado maioritariamente ao segmento empresarial, estiveram presentes cerca de 800 participantes dos cinco continentes, entre eles alguns dos grandes representantes das empresas do setor automóvel, onde a Bosch tem uma presença importante no desenvolvimento de sensores e software de automação e onde estão, aliás, na linha da frente dos cada vez mais falados “carros que andam sozinhos”.
Como vai ser estacionar o carro a partir de 2018
Os testes estão numa fase bastante avançada e serão, muito em breve, uma realidade prática. A garantia foi dada por Dirk Hoheisel, administrador e responsável pela área de condução autónoma da Bosch. Em entrevista ao Observador, revelou que em 2018 o estacionamento automático estará disponível em Estugarda, a cidade berço da Bosch. Já em 2020, será a vez do sistema de condução autónoma em autoestrada – a entrevista completa estará disponível, em breve, aqui no Observador.
Dirk Hoheisel explicou-nos que, tecnicamente, uma autoestrada é um ambiente muito controlado, porque os veículos seguem em linha e os sensores e a capacidade de processamento dos computadores instalados nos carros dão conta do recado. Já a condução autónoma em meio urbano ainda não tem data marcada, dada a complexidade das variáveis em causa – veículos que circulam em dois sentidos, cruzamentos, peões e muitos obstáculos.
O conceito de “estacionamento automático” desenvolvido pela Bosch divide-se em dois tipos, que se explicam da seguinte forma:
Parque de estacionamento fechado
Chegados à entrada, fecha-se a porta do carro e ele estaciona-se sozinho, literalmente. Através da comunicação com sensores espalhados pelo recinto, o carro guia-se até um lugar vago. No regresso, basta chamar por ele à porta do parque através de um controlo remoto, que pode bem ser uma aplicação instalada no smartphone.
Via pública
Sensores colocados nos lugares de estacionamento emitem um sinal sempre que estiverem desocupados, num conceito idêntico aos sistemas de sinalização colocados no teto dos parques subterrâneos, onde uma luz verde ou vermelha indica a disponibilidade de um lugar. Essa informação é depois enviada aos condutores (carros) que andam à procura de um espaço nessa zona.
E no futuro, um sistema ainda mais complexo mas verdadeiramente fascinante: imagine um automóvel que, durante o trajeto pelas ruas de uma cidade, faz a leitura automática dos lugares de estacionamento livres. Essa informação é depois colocada em rede e disponibilizada para os condutores que estão nas proximidades à procura de um lugar vago. Agora imagine todos os automóveis equipados com esses sensores, capazes de “ver” os lugares disponíveis, a partilhar essa localização enquanto se deslocam de A para B, informação essa que é depois partilhada com os outros condutores.
A “nuvem” ao serviço da comunidade
É aquilo a que a dada altura, durante a conferência, se chamou de “cloud comunitária”, ou seja, a tecnologia e informação partilhadas pelo bem comum, que traz associada uma mudança de paradigma: o automóvel como um sensor do meio envolvente. A consequência imediata de qualquer um dos exemplos acima é a melhoria da gestão de tráfego, menos tempo perdido e uma redução substancial do consumo de combustível e emissão de gases poluentes (30% do tráfego nas grandes cidades é gerado pela procura de estacionamento).
E é aqui que entra o novo serviço de armazenamento remoto (cloud, ou “nuvem”) da Bosch, que foi desenhado para integrar e processar a informação do número crescente de dispositivos ligados em rede. A multinacional alemã é assim a primeira a juntar as três peças: os sensores, o software e o armazenamento. Foi esse o sumário da sessão de abertura da conferência Bosch ConnectedWorld IoT, presidida pelo diretor executivo da empresa alemã, Volkmar Denner.
A Bosch desenhou estas plataformas de gestão de informação em modelo open source (código aberto) e vai manter a infraestrutura, ou seja, os servidores, na Alemanha. Será assim o primeiro grande operador neste mercado com a base instalada fora dos Estados Unidos da América. Além disso (ou também por isso), a privacidade e a segurança estão na primeira linha das preocupações, o que se fez notar em todas as intervenções a que assistimos ao longo do primeiro dia.
Volkmar Denner considera mesmo que este é “um dos passos mais importantes na história recente” da empresa alemã. Uma solução Cloud IoT que é simultaneamente uma infraestrutura, plataforma e software capaz de ligar tudo, porque “a IoT é outra coisa”, disse, para justificar a criação deste novo serviço. Basicamente, porque os que existiam até agora não suportavam os padrões necessários para gerir a interação entre os diferentes dispositivos na IoT, uma explicação técnica que o CEO da Bosch detalhou neste artigo.
Completamente focados na indústria automóvel, Volkmar Denner deu vários exemplos do benefício que é transformar os automóveis em sensores do meio envolvente, bem como das futuras aplicações da Bosch IoT Cloud: deixa de ser preciso ir a uma oficina para atualizar o software do carro; recolher informações de trânsito e das condições da estrada, informando as autoridades e os outros condutores em tempo real; analisar o comportamento dos condutores.
E sobre este último tópico, Klaus-Jürgen Heitmann, administrador da seguradora alemã HUK-COBURG explicou uma das vantagens da integração (e partilha) dos serviços da IoT: a avaliação da condução pode permitir melhorar as condições do seguro automóvel. Uma pessoa que pratique uma condução conservadora, defensiva, ou que utilize o carro apenas uma vez por semana, não tem de pagar o mesmo dos que o fazem diariamente e de forma, digamos, menos de acordo com as boas práticas da condução.
Os argumentos são pertinentes mas não convenceram toda a gente. Quando confrontado por alguém da assistência sobre a privacidade, Heitmann respondeu que estes sistemas de armazenamento e gestão de dados só fazem sentido se o utilizador tiver o controlo total sobre a informação que gera e partilha na rede. “É o dono do carro quem decide o que partilha e com quem”, reforçou ainda o diretor executivo da Bosch.
A ideia da seguradora alemã recebeu aplausos mas também gerou expressões (sorrisos) de desconfiança. Com mais de 10 milhões de veículos segurados na Alemanha (o único país onde opera), a parceria da HUK-COBURG com a Bosch inclui o desenvolvimento de sistemas de telemetria, serviços de emergência e o já explicado “Pay as you drive!” (pague o que – e como – conduz).
Além da segurança, o conforto
Mas a Bosch IoT quer ser capaz de permitir também prazer e conforto, através da ligação entre o carro e a casa, fazendo do automóvel “um companheiro inteligente”. Volkmar Denner deu este exemplo: porque não abrir a porta de casa e ter música a tocar de acordo com o “espírito” do trânsito? Se a viagem foi stressante, ao entrar em casa a aparelhagem pode ligar-se ao Spotify e pôr a tocar uma música relaxante. Ou algo mais animado, se a viagem tiver decorrido com descontração.
A isto junte-se o dia da semana, a hora do dia, se faz sol ou chuva, frio ou calor, mas também se fizemos muitas chamadas telefónicas (e para quem), se passámos demasiado tempo sentados ou em pé, quantos passos demos, o que comemos e bebemos durante o dia, tudo isto informações que partilhamos voluntária e involuntariamente através dos smartphones, wearables e redes sociais. O automóvel, companheiro inteligente, pode fazer com que o final de um dia de trabalho seja o resultado de uma ligação muito mais abrangente que uma mera viagem de regresso. Isto é a Internet das Coisas.
O Observador viajou a Berlim a convite da Bosch.