Banda: Capitão Fausto
Título: “Capitão Fausto têm os Dias Contados”
Editora: Sony
Como é que se faz um conjunto de canções com tanta categoria como estas? Fácil: com bom gosto e atitude. Fazê-lo bem e fazê-lo no momento, quando interessa. Estes cinco conseguiram-no ao mesmo tempo que se fizeram gente e essa é uma história bonita. Tomás Wallenstein, o homem da voz e da guitarra, diz-nos: “Só agora é que vamos começar a sair de casa dos pais, é ainda uma espécie de adolescência profissional.” Mas a adolescência é o melhor dos tempo para fazer planos sem pés na terra. E só assim se saca um disco como este.
As canções são brilhantes, é essa a ideia principal de Os Capitão Fausto têm os Dias Contados. Brilhantes porque há poucas assim, é raro cruzarmos caminho com coisas destas, daquelas que deixam a pergunta “como é que eles fizeram isto?”. Descrevendo o disco com rapidez: é pop psicadélica, feita em garagens portuguesas mas com os tiques dos 60s e 70s que fizeram história. Mas, como é costume na história da música pop, o que parece simples pode esconder muita e boa complexidade. E há doses consideráveis de segredos e mistérios para descobrir aqui.
[“Amanhã Tou Melhor”, o primeiro single do novo álbum]
Muito trabalho, é mais ou menos isso, muito aprumo em não deixar pontas soltas, em fazer os arranjos certos, em escolher o som ideal, as harmonias de vozes bronzeadas, palmas, pandeiretas, metais bem sacados, teclas com todos os feitios, voltas e voltinhas em versos que nunca caem no previsível, nunca, só na mania de rechear de elegância cada estrofe-refrão-estrofe. Tudo para simular um pedaço de verão, uma noite perdida e todas as manhãs desgraçadas que se seguiram. Como se faz nos primeiros anos da coisa adulta mas já com a maturidade toda no lugar, aquela que permite aos Capitão Fausto serem mais do que foram até aqui mas sendo os mesmos. E entre versos que parecem slogans, de tão certeiros.
A banda tomou conta de todas as etapas deste disco porque quando não o fazem correm alguns perigos. Wallenstein explica: “Há decisões que não são nossas, podemos não concordar com elas e depois não há nada a fazer”. Ou, dito de outra maneira: se é para fazer bem, faço-o eu. Atiram-se ao trabalho sem grande plano, apesar de gostarem de fazer a coisa de outra maneira: “Idealmente, devíamos chegar ao estúdio com as decisões todas tomadas mas isso é só o ideal. Na realidade, esperamos pelas experiências certas, por outras decisões, para ver o que acontece.”
E todas as obras do acaso saíssem como esta. Capitão Fausto têm os Dias Contados acerta em cheio no título porque é o fim da banda e o recomeço, tudo ao mesmo tempo. Não é a festa pós adolescente do primeiro “Gazela”; e também já não é só a (ótima) sedução do psicadelismo roqueiro de “Pesar o Sol”. É o terceiro álbum, foi filtrado ao limite, sem que esta rapaziada sequer pensasse nisso. Ficaram com o melhor de todas as partes que construíram a banda porque a evolução assim o ditou. É uma espécie de seleção natural mas em canções. Darwin nunca brincou, este Capitão muito menos, ainda que pareça. E aproveitar as boas lições pelo caminho é truque bravo e valioso: “Há muitas coisas que não imaginamos quando só pensamos em ter uma banda: como é que se fazem determinadas coisas, as pessoas que conhecemos, conseguir os concertos, tornar esta atividade sustentável, fazer uma profissão disto. São coisas que vamos descobrindo.”
Quando perguntamos a Tomás Wallenstein o que lhe passou pela ideia ao ouvir tudo de uma ponta à outra, com o trabalho finalmente terminado, ele fala-nos em “alívio, está feito, vamos passar à próxima fase, é mais ou menos isso que sentimos porque é muito tempo a trabalhar sobre a mesma matéria. A dada altura já não há euforia, já não conseguimos ser surpreendidos por isto”. Do nosso lado, da parte de quem ouve tudo isto pela primeira vez, é o contrário: se caímos no erro feliz de ouvir uma faixa que seja destas oito, estamos feitos.
Desdobremos esta armadilha em justificações palavrosas. Capitão Fausto têm os Dias Contados é uma dedicatória aos estúdios e às possibilidades que esses locais sagrados trouxeram à música popular. Seria um gozo para George Martin ouvir isto e perceber que inspirou boa parte do que aqui vai. “Trabalhar nunca me fez bem nenhum” é a primeira frase que Wallenstein canta no disco, no tema “Morro na Praia”. “Fecho-me em casa, finjo que sou cantor”, insiste ele. E pronto, é por aqui que andamos em todo o álbum. Gente que já não vai para nova mas que não quer ser mais velha, isso não. Gente que sabe o que custa chegar aqui — ter um nome, boa reputação, fãs carinhosos, discos a fazer a diferença — e que, por isso mesmo, tenta não cair na armadilha do deslumbre. E não cai, nem sequer um tropeção.
“Semana em Semana”, ou como se os Beach Boys fossem ali a Alvalade com os Grizzly Bear, ou os Thrills com os primeiros Pink Floyd (é muito mais do que isto na verdade) cantar umas malhas assim: “Se tenho o fisco à porta devo ser ladrão, não vou para a Comporta saltitar no verão”. “Amanhã Tou Melhor” ou “Corazon”, para ensinar a dançar com o amor numa mão e um gelado na outra. “Dias Contados” e “Tem de Ser”, esta com o melhor refrão-caramelo que 2016 vai receber, que ninguém tenha dúvidas. E só mais duas, “Mil e Quinze” e “Alvalade chama por mim”. Até porque oito foi a conta que alguém fez quando foi preciso decidir com quantas faixas se faz um disco tremendo.
Ser slacker profissional, vagabundagem cool ao jeito de de Mac de Marco ou Kurt Vile, mas com o brio e a ambição de Brian Wilson, rapaziada que ainda tem sonhos altos e que trabalha para os concretizar com toda a razão e a matemática que a música exige. Não é só isso que está em Os Capitão Fausto têm os Dias Contados, claro que não, mas é um bom ponto de partida para quem passar por estas linhas e decidir ouvir o disco. Até porque depois de ouvir não há mais nada a fazer, não há mais conversa. É deixar tocar e tocar, que aqui não há prazo de validade. Quando a canção 8 chegar ao fim é começar do início, por favor.
Os Capitão Fausto apresentam o novo disco esta sexta-feira, dia 15, na Casa da Música, no Porto.