Estávamos em 2002 quando a Herdade do Esporão abriu as portas da segunda adega, inteiramente dedicada à produção de vinhos brancos. A ideia era investir num perfil de vinho e tipo de casta que, até então, não era particularmente procurada. “Honestamente, acho que isso só aconteceu porque o dono da empresa [José Roquette] sempre foi muito visionário e proativo”, diz Sandra Alves, enóloga encarregue dos vinhos brancos e rosés com o selo do Esporão desde 2004. Ao Observador, conta que a responsabilidade de trabalhar castas brancas foi encarada como um desafio, sobretudo numa altura em que as vendas estavam muito em baixo. Tantas vindimas e vinificações depois, o sucesso bateu-lhe à porta: é disso exemplo o Verdelho 2014, considerado o melhor vinho do país em 2015.
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“Vinho que é vinho é tinto” ou ainda “vinho branco não é vinho, é refresco”. As expressões que já passaram de boca em boca — e que, volta e meia, ainda vão passando –, faziam dos brancos uma espécie de parente pobre dos vinhos tintos, que em tempos ficaram condenados a ganhar pó na prateleira de casa ou o do restaurante. “O consumidor tinha alguma razão”, aponta Sandra Alves, referindo-se ao facto de há alguns anos existir um maior investimento nas castas tintas em detrimento das brancas. “Antes, as pessoas estavam muito focadas em produzir vinhos tintos de qualidade. Não havia tanta preocupação em explorar as castas brancas. A coisa começou a mudar a partir de 2004, 2005.”
“Isso ouvia-se principalmente entre as gerações mais velhas, mas ainda há quem diga que vinho não é branco”, confirma o escanção Sérgio Antunes, que se apressa a explicar que atualmente assiste-se a uma mudança de consumo, no sentido em que os jovens começam a interessar-se pelos brancos que “são cada vez mais bem feitos e complexos”. Apesar de não existirem dados que confirmem uma possível evolução de vendas dos brancos — segundo o Instituto do Vinho e da Vinha, consultado pelo Observador, os volumes de vendas não são discriminados consoante a tonalidade do vinho –, André Ribeirinho, um dos fundadores da rede social de vinhos Adegga, ajuda a trazer alguma luz sobre o assunto.
Desde há seis anos que os vinhos brancos cresceram. Vendemos muito mais branco hoje, enquanto antes havia um consumo esmagador de vinho tinto”, constata Ribeirinho, que desde 2009 já organizou 23 feiras de vinho conhecidas pelo nome de batismo Adegga Winemarkets (o próximo evento realiza-se já no dia 2 de julho, em Lisboa).
E o que tem o branco que o vinho tinto não tem? A diferença fundamental, explica Sérgio Antunes, é a frescura, algo que mais dificilmente se encontra nos néctares bordeaux, que habitualmente são mais intensos e pesados. “Os brancos acabam por cansar menos o palato do que os tintos”. Talvez seja por isso que no restaurante Loco, onde trabalha, se venda mais brancos do que tintos.
A complexidade dos vinhos tom de ouro que hoje encontramos está associada a um maior investimento na sua produção e também ao facto de, atualmente, ser mais recorrente estagiarem em madeira. Que o diga Carlos Lucas, o produtor do Dão que já conseguiu levar um vinho por si produzido à ementa de um dos restaurantes do chef escocês Gordon Ramsay — falamos do Ribeiro Santo Branco 2014.
Além disso, confirma o produtor, é mais difícil fazer um branco do que um tinto. “Fazer branco normalmente implica um controlo da temperatura muito eficaz e para isso é precisa mais maquinaria e um maior consumo energético”, começa por explicar Carlos Lucas, que adianta que os brancos demoram mais tempo a fermentar do que os tintos. “O branco é um vinho da era moderna. Atualmente são vinhos que decorrem de estudo, não são baseados no empirismo. Cada vez há mais tecnologia para fazer vinhos brancos.”
Carlos Lucas — que há mais de duas décadas anda com as mãos e os pés nas uvas — admite que existe cada vez mais procura por brancos, sobretudo com um caráter aromático e atrativo. Exemplo disso é o sucesso do seu Ribeiro Santo Encruzado que “cresce praticamente 100% ao ano”. “Todos os anos tentamos produzir o dobro do vinho”, conta, esclarecendo que o lançou para o mercado em 2000 — a produção que começou tímida vai, em 2016, nas 35 mil garrafas (colheita de 2015). “Quando vim para a região do Dão há 25 anos, praticamente ninguém engarrafava encruzado a 100%. Sempre acreditei nesta casta.”
Quem também acredita nela é a Caminhos Cruzados, criada em 2012 pelo empresário têxtil Paulo Santos, que tinha (e tem) como ambição regressar às origens, Nelas, e aí ajudar a fazer renascer os vinhos do Dão. A empresa lançou recentemente o vinho branco Teixuga, colheita de 2013. O néctar é feito a partir de vinhas velhas com predominância de encruzado e representa a gama superior da Caminhos Cruzados. A versão tinta está a caminho, ainda a estagiar: “Não havia razão nenhuma para esperar e lançar os dois vinhos ao mesmo tempo, até porque queríamos dar o destaque que o branco merece. Sobretudo no caso do Dão, que tem uma das mais emblemáticas castas portuguesas, o encruzado”, diz Lígia Santos, filha do fundador. “Às vezes brincamos a dizer que os encruzados são os tintos dos brancos, por causa da complexidade e longevidade dos vinhos”, acrescenta ao Observador.
“Acho que o setor começa finalmente a despertar para consumir vinhos brancos com mais idade, bem como a perceber o quão interessantes são”, diz a enóloga do Esporão. A isso, Sérgio Antunes acrescenta que os vinhos brancos podem-se guardar durante muitos anos, coisa que antes não acontecia, salientando que num passado não muito longínquo os vinhos careciam de estrutura, não conseguiam evoluir em garrafa e eram bebidos de ano para ano — mal ganhavam uma cor dourada eram de imediato postos de lado. “Hoje em dia já têm longevidade. O consumo de brancos com 10 ou 15 anos é uma nova tendência, algo que antes era impensável.”