1. Está tudo à vista. De quem janta e de quem passa
Não é que o final da Rua dos Navegantes, junto à Basílica da Estrela — morada do Loco — seja mais local de passagem do que de destino. Não é. Mas quem andar por ali não deixará de reparar nos arcos que rodeiam a parede totalmente envidraçada do restaurante e que, tal como acontece no seu interior, que dispensa a divisão comum entre sala e cozinha, deixa tudo à vista. Ou seja, mesmo não entrando pode contemplar-se, por exemplo, a garrafeira em ferro numa extremidade da sala e, na outra, uma parede de azulejos em cerâmica, inspirada na Casa dos Bicos, de autoria da arquiteta e artista plástica Maria Ana Vasco Costa. E pode também ver-se o trabalho que o pai do chef (e proprietário, em conjunto com a mulher) Alexandre Silva fez nas mesas, suportadas por pés de madeira de oliveira. Tudo somado, tendo em conta os argumentos da casa, a exibição pública não parece ser apenas uma excelente opção estética. Também o é de marketing.

2. As surpresas começam logo à entrada
O Google acusa 7440 resultados para a expressão “a primeira impressão é que conta”. Apesar de não ser isso que lhe garante algum fundo de verdade — juntar “Gustavo Santos” e escritor na mesma pesquisa devolve 45600 –, ajuda a explicar porque é que há restaurantes que apostam forte em surpreender logo à entrada. O Loco é um desses casos. Não tem quadros, não tem flores, tem uma árvore suspensa. E não, não se trata de um bonsai ou de um congénere de pequeno porte, mas sim de uma portentosa oliveira. “O conceito está todo ali”, explica Alexandre Silva, que se inspirou, conta, “nas árvores das muralhas de Jerusalém”. E qual a relação com o restaurante? A oliveira, como corpo vivo que é “simboliza o processo evolutivo e orgânico do restaurante e da própria equipa – para crescer tem que ser regada, podada, tratada com respeito e paciência.”

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Depois do espaço no Mercado da Ribeira, Alexandre Silva volta aos restaurantes a sério (muito a sério) neste Loco. (foto: © Paulo Barata)

3. A cozinha é bem maior do que a sala
“Sonho com este restaurante desde que sou cozinheiro”, confessa Alexandre Silva. E por sonhar com ele há tanto tempo precisou de encontrar um arquiteto que conseguisse transformar em projeto exatamente aquilo que tinha na cabeça. Entre outras exigências, uma cozinha maior do que a sala, característica nada habitual na grande maioria dos restaurantes e que, por isso mesmo, salta à vista de quem entra. Aliás, tudo na cozinha salta à vista, já que esta apenas está separada da sala de jantar por um longo balcão. Assim, é possível apreciar in loco o que habitualmente está reservado aos bastidores. In loco, lá está. “Tudo acontece aqui, neste lugar, e está tudo à vista, daí o nome Loco”, explica Alexandre, que também desenhou a cozinha e o próprio fogão italiano Marrone, feito à medida. “É um privilégio cozinhar nestas condições”, reconhece o chef.

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4. Não se escolhe à carta, fica-se entregue a quem sabe
Excelente notícia para quem perde sempre largos minutos a olhar para a carta com a sensação de que, escolha o que escolher, vai sempre ficar qualquer coisa boa por provar. No Loco há apenas dois menus de degustação. Bom, talvez ‘apenas’ seja um advérbio demasiado humilde para o caso: o menu Descobrir tem 14 momentos (custa entre 65 e 70€, dependendo da matéria-prima utilizada nesse dia) e o Loco tem, no mínimo, 18 (80-85€).

5. Entradas, pratos, sobremesas? Nada disso: momentos e andamentos
É aceitável estranhar a utilização da expressão ‘momentos’ no tópico anterior. Mas a explicação é simples, no Loco a refeição divide-se em quatro andamentos — cada um deles reúne snacks, pratos principais, sobremesas e petits-fours — e cada criação que sai da cozinha e é servida aos clientes vale como um momento. Isto tanto é válido para o carasau (um pão laminado crocante, típico da Sardenha) que aparece suspenso sobre a mesa, preso por fios, e que dá o mote para o início da refeição, como para as mignardises servidas depois do café, que chegam à mesa numa incrível (e desdobrável) mesa de costura, que Carlos Fernandes, o chef pasteleiro, revela não ter sido “nada fácil encontrar”.

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Não parecem, é certo, mas são pães com chouriço, um dos snacks do primeiro andamento. (foto: © Paulo Barata)

6. O chef também serve. À boca, inclusive
Ao primeiro andamento do menu de degustação não lhe falta, lá está, andamento. Os momentos sucedem-se a um ritmo assinalável, ao ponto de um cliente se poder sentir num ringue de boxe, desamparado, a levar ganchos e uppercuts de um Rocky Balboa disfarçado de Alexandre Silva. “É de propósito, a intenção é mesmo essa, que a pessoa não tenha tempo para pensar muito entre cada momento”, explica o chef. Entre os golpes desferidos neste primeiro round contam-se um pão cozinhado a vapor recheado com uma mousse de chouriço que remete para um sabor bem familiar, do tradicional pão com chouriço, uma pequena peça de ceviche de peixe de captura do dia para comer à mão, de uma vez só, ou uma colherada de atum com quinoa tufada e limão que é o próprio chef que conduz à boca dos clientes.

7. O pão surge a meio da refeição
Pode ser estranho ver o pão chegar à mesa apenas depois de ter sido servida uma quantidade bem razoável de snacks. Mas no Loco é assim que acontece, na transição do primeiro para o segundo andamento, uma espécie de descanso merecido para o cliente, depois de cumprida a (intensíssima) primeira parte da contenda. E é assim devido “à importância que na nossa cultura damos ao pão”, refere Alexandre Silva. Os pães — como tudo no Loco — são feitos no próprio restaurante, sendo que se apresenta sempre um pão branco e um outro do dia, menos comum, que pode ser, por exemplo, de centeio e limão ou de cerveja. Já o acompanhamento fica a cargo de manteigas caseiras diversas — que podem ir da alga nori à tinta de choco fumada — e uma curiosa reprodução do famoso molho de bife à Café, onde tantos gostam de mergulhar o miolo e a côdea, finda a refeição na cervejaria.

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Ainda do primeiro andamento, outro snack: mexilhões com aipo, funcho e maçã.
(foto: © Paulo Barata)

8. O chef está em grande forma
Antes de vencer o concurso televisivo Top Chef e de passar pelas cozinhas de Bica do Sapato e do hotel Marmóris, em Vila Viçosa, Alexandre Silva deu-se a conhecer no Bocca, um restaurante que, apesar da vida curta (2008-2012), deixou saudades em Lisboa. Nele, Alexandre foi introduzindo pratos e conceitos curiosos, como a ‘fast food in slow motion‘ dos menus de almoço. Se já nessa altura o chef dava excelentes indicações, agora, com 35 anos acabados de fazer, confirma-as plenamente. Não só ao nível da criatividade, como da técnica, qualidades bem presentes no segundo andamento do menu, dedicado aos pratos principais. O salmonete com bergamota, por exemplo, serve-se em duas fases, primeiro cru, infundido num molho à base de pato, cebola e malagueta, sem abafar o aroma do cítrico e depois apenas a cabeça, frita, para imergir em nova combinação de ingredientes. Noutras ocasiões, Alexandre desconstrói um caril verde tailandês, reinventa a mão de vaca com grão ou recheia um raviolo com rabo de boi e mergulha-o numa espuma de alho tostado capaz de despertar a mais adormecida das papilas gustativas.

9. Matar a sede é fácil e prazeroso
Omitir tudo o que se pode beber no Loco seria deixar este artigo mais vago que certos programas de Governo. Porque se a comida é importante, a bebida não o é menos. Primeiro, destaque-se o trabalho de Sérgio Antunes, escanção que esteve com Vítor Sobral no Terreiro do Paço e na Tasca da Esquina e que, nos últimos tempos, esteve ligado ao projeto Wine Service 4 You. Coube a Sérgio fazer a seleção da carta de vinhos, todos eles nacionais, com uma aposta forte em referências de pequenos produtores. Entre eles está o rótulo da casa, o Loco, produzido em parceria com a Herdade do Rocim, Vale da Mata. O serviço de vinhos destaca-se pela pedagogia: será normal ver o escanção a servir duas referências para acompanhar o mesmo prato para promover a discussão à mesa sobre qual será o melhor. Mas os vinhos contam apenas parte da história: no Loco servem-se cervejas artesanais produzidas no restaurante — uma pilsener, para já, e em breve outras de trigo e estilo abadia –, sumos que recorrem a técnicas de fermentação, entre eles um ginger ale caseiro que serve de limpa-palato entre dois momentos, e, finalmente, café de balão, a recuperação de um ritual antigo, preparado à mesa, em que o blend utilizado é moído diariamente e resulta de uma parceria com a (excelente) casa de Bettina & Niccolò Corallo.

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A inexistência de barreiras entre a sala e a cozinha permite assistir a momentos como este, a finalização pelo chef de um dos pratos do menu. (foto: © Tiago Pais / Observador)

10. Hoje foi assim, amanhã ninguém sabe como vai ser
O Loco é um restaurante com manifesto. E nesse manifesto manifesta-se, passe a redundância, a preferência pelos produtos nacionais, o respeito pelos ciclos da Natureza e seus produtos, o privilégio dado ao sabor e a promoção da sustentabilidade através dos produtos biológicos, entre outras intenções. Assim, os menus vão sofrer alterações constantes. Às vezes na mesma noite. “Queremos provocar as pessoas, por isso podemos servir coisas diferentes a mesas que pedem os mesmos menus. Queremos que se perguntem: ‘porque é que eu não comi aquilo?!'”, conta Alexandre Silva. A criatividade da equipa do chef também vai ser posta à prova semanalmente. “Importámos o conceito do Saturday Night Project, que se faz no Noma, em que ao sábado, depois do serviço, já com tudo arrumado, um cozinheiro ou dois têm que apresentar um prato em frente a toda a equipa, que o vai discutir e aprovar ou não.” Isto faz especial sentido depois de se ler o décimo tópico do supracitado manifesto: “A equipa é uma e unida, e o processo criativo nasce de todos os elementos que a compõem.”

Nome: Loco
Morada: Rua dos Navegantes, 53B (Estrela), Lisboa
Horário: De terça a domingo, das 19h00 às 23h00
Contactos: 21 395 1861 / reservas@loco.pt
Site: facebook.com/locorestaurant
Preço Médio: 80 a 120€
Reservas: Obrigatórias