Em 2012, o vocalista dos James despediu-se do Palco Mundo do Rock in Rio dizendo, em jeito de mote para aquilo que se seguiria, que nos anos 80 o seu melancolismo, herdado de bandas como os Joy Division ou os Smiths, fora abalado desde a raiz por uma explosão de felicidade que sentira ao assistir a um concerto de Bruce Springsteen e da E Street Band.

Depois do que se viu na Bela Vista, nenhuma descrição parece mais exata do que esta feita há quatro anos por Tim Booth. O Boss continua, portanto, a ser o profeta de uma alegria musculada, que não se retira nem se rende e que parece sempre disposta a desafiar o pessimismo enfezado para uma dança às escuras ou para um combate mano-a-mano, mesmo quando o passar do tempo parece começar a tornar-se num inimigo invencível. Bruce, Max, Patti, Little Steven e Garry estão cada vez mais velhos e conscientes de que “everything dies, baby, that’s a fact”, mas a velhice só torna a necessidade de uma boa festa mais urgente. Os anos que passam não encurtam os concertos nem diminuem os clássicos ou as corridas em palco (mesmo tendo o espectáculo de ontem acontecido na ressaca de um concerto com trinta e quatro músicas em Bilbao na quarta-feira). Bruce fala menos entre as músicas, mas a alegria está lá toda, intacta. Porque, passado este tempo todo, a noite ainda lhes pertence, como se canta em “Because The Night” e porque os dias de glória ainda não ficaram para trás, ao contrário do que Bruce dizia temer em 1984, quando cantava “Glory Days” pela primeira vez.

A festa deveria ser para apresentar a re-edição de The River, tocando o álbum de uma ponta à outra, como aconteceu, aliás, em todas as datas da tournée que antecederam o espetáculo de ontem, mas o Boss não quis uma celebração amarrada a um guião e decidiu tocar o que muito bem lhe apeteceu, virando os holofotes para o igualmente icónico Born in The USA, sem deixar de tocar os singles mais pedidos da sua vastíssima e muito recomendável discografia.

Não se julgue, no entanto, que um concerto do Boss é uma espécie de recordação de um passado, certamente glorioso, mas já morto ou um serão familiar de karaoke. Nada disso. Nenhuma das palavras que saíram da boca de Bruce (e foram muitas) perdeu a sua atualidade ou a sua força. Todas as canções sobre a “suicide trap” que é o sítio onde vivemos continuam tão verdadeiras como quando Bruce as cantou pela primeira vez, tal como continua verdadeira a urgência de escapar, de não permitir que o desânimo nos adie a libertação de um mundo que nos oprime. Porque se todos temos um coração esfaimado (como o protagonista de “Hungry Hearts”, que procura em todos os lugares errados um consolo que a sua vida lhe vai negando) então, meus caros, nada nos resta fazer senão gritar que à vagabundagem que somos só resta correr sem olhar para trás.

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