Foi uma noite de frio e vento, o som não esteve particularmente bom mas, à medida que o tempo passava, tudo o resto pareceu perder importância. Afinal, não é todos os dias que se tem oportunidade de ver ao vivo um espetáculo deste tamanho, não só em duração mas, sobretudo, em intensidade. A organização do Rock In Rio sabia que ia ser assim, por isso apostou em mudar o primeiro fim de semana do festival para uma quinta-feira, para garantir no alinhamento a presença de Bruce Springsteen com a E Street Band. Chegados ao final da noite, percebeu-se que foi um tiro certeiro. O espetáculo a que assistimos na noite passada começou morno, mas transformou-se num colosso.
Bruce Springsteen tem andado na estrada com a digressão “The River Tour 2016”, mas neste regresso a Portugal trouxe uma visão mais alargada da carreira, em particular alguns temas dos anos 1970 e 80, ou seja, material para conhecedores. Foi por aí que começou, com canções menos conhecidas que demoraram algum tempo a aquecer o público que, como sempre, espera o que melhor reconhece – foi como se viu, por exemplo quando Springsteen entrou mais a sério no álbum Born In The U.S.A. (1984) [consulte o alinhamento completo do espetáculo na fotogaleria acima].
O “Boss” cantou durante mais de duas horas e meia, de rajada, praticamente sem pausas nem tão pouco fez encore. Sempre com um sorriso no rosto, ele continua a ser um homem de ganga bem lavada, mantém a pose e atitude que se tornou uma imagem de marca, até aquele tique que lhe eleva o braço depois de uma passagem rápida pelas cordas da guitarra. Continua a cantar com o sentimento das memórias antigas, o peso das palavras nem sempre tem data, por isso há músicas e histórias com muitos anos que ainda hoje lhe vestem a pele. Isso sentiu-se nas expressões, nos olhos fechados, na delicadeza e força do sopro na harmónica, no prazer estampado no rosto no final de cada música bem tocada.
Foi generoso, desceu ao fosso mais que uma vez para cumprimentar os fãs, cantou para eles e com eles. Bruce Springsteen retribui com entrega o carinho que tem por quem o segue há tantos anos, mais do que tinham de idade a maioria dos ali presentes.
Uma nota fundamental no que ali se assistiu esta noite foi precisamente a banda que o acompanha. A E Street Band é um agrupamento de excelência, um caso raro na história do rock (e da música), quanto mais não seja pelas ligações que os seus membros tiveram ou têm com outros artistas. No palco do Rock In Rio esteve o mítico Steven Van Zandt, apenas uma referência num magnífico leque de músicos que suportou a pedalada do “patrão” (boss) durante todo o concerto, numa alegria partilhada e contagiante.
Apesar do frio, foram mais de 60 mil os que ali estiveram até ao fim, apesar de ser dia de semana e de o espetáculo ter terminado bem para lá das duas da madrugada. Oportunidades destas não acontecem todos os dias, merecem bem uma noite de sono perdido. Pode ler mais detalhes sobre o concerto nas últimas entradas do nosso liveblog.
Segundo a organização, entraram até à meia-noite de quinta-feira 67 mil pessoas. Uma delas foi a cantora Adele que aproveitou para ouvir Bruce Springsteen antes dos concertos em Lisboa, nos dias 21 e 22.
Xutos & Pontapés
A presença dos Xutos e Pontapés no Rock In Rio não é nenhuma uma novidade, mas nem por isso a melhor banda rock portuguesa entrou em palco apenas “para mais um concerto”. Zé Pedro e companhia apresentaram-se em grande forma e não desiludiram. A mancha humana estava bem compacta em frente ao Palco Mundo quando passavam poucos minutos das 22h, a hora da entrada em palco. As luzes que banhavam a multidão eram roxas, mas as cores que estavam no palco eram outras. Kalú escolheu o azul da bandeira do FCP, Tim com o lenço vermelho do costume, Zé Cabeleira de chapéu de cowboy preto e Zé Pedro com duas braçadeiras verdes fluorescentes. Rock’n’roll em todo o seu esplendor.
“Hoje trazemos só músicas dos Xutos e quero ouvir-vos a gritar”, disse Tim, como forma de cumprimento num concerto que celebrou também os 37 anos da banda. Os clássicos dominaram o programa das festas, que arrancou com “Enquanto a noite cai”. O público não se fez rogado e muito se cantou e gritou ao longo do concerto. A multidão aqueceu as cordas vocais com “Contentores” e dali em diante foi sempre a subir de tom. Tim foi incansável a puxar pelo público e Zé Pedro não lhe ficou atrás, com muito dedilhar de guitarra à boca de cena e a sorrir para a imensa plateia, que retribuía a simpatia e cruzava os braços no ar (“X” de Xutos).
De seguida ia tocar o “Boss”, mas ninguém parecia estar ali à espera do que havia de vir depois. Todos estavam envolvidos com a banda, que suava as estopinhas como que a querer mostrar ao próximo inquilino que quem manda no rock em Portugal também são eles.
“Quero ouvir as vossas vozes nesta canção que já foi um fado”, grita Tim. E começa a ouvir-se “Homem do Leme” a muitas vozes. Os Xutos estavam eufóricos e a euforia contagiava os muitos que não desfaziam o coro e acompanhavam o “Circo de Feras”, o “Homem do Leme” e a “Chuva Dissolvente”. O ambiente esteve sempre em alta, mas conseguiu subir mais um degrau quando Zé Pedro pegou no microfone e deu umas palavras emocionadas aos fãs. “Queria agradecer-vos muito, muito, do fundo do coração porque sem vocês não havia razão nenhuma para estarmos aqui”, diz Zé Pedro. A mancha humana vibra e canta ainda com mais vigor “Ai se ele cai”.
Seguem-se “À minha maneira” e “Maria” com milhares de vozes em uníssono. Afinal, o público é que manda. “Tudo tem um princípio e um fim”, anuncia Tim. O concerto fecha e bem com “Casinha”, afinal aquele palco tem sido também a sua casa.
Stereophonics
A abrir o palco principal (sem contar com o musical, já lá vamos) estiveram os Stereophonics. Depois de “C’est La Vie”, Kelly Jones anunciou ao microfone: “I want to get lost with you”. Mas o público não parecia querer perder-se. À exceção de algumas mãos no ar em frente ao palco e umas salvas de palmas arrancadas a ferros, a receção aos britânicos foi fria, a condizer com a temperatura.
Com um alinhamento composto por temas mais recentes, houve ainda tempo para algumas canções mais antigas. “Local Boy”, o primeiro single da banda (lançado em 1996), foi uma viagem no tempo. Para “Sunny”, Jones sentou-se ao piano, acabando por trocá-lo por uma guitarra para o solo final.
À medida que o concerto ia avançando, a noite ia caindo sobre o Parque da Bela Vista. Com o palco iluminado, o espaço pareceu ganhar uma nova vida. E os Stereophonics pareciam finalmente ter caído nas boas graças do público. Em “Maybe Tomorrow”, Kelly Jones conseguiu até pôr muita a gente a cantar. Lembrando que aquela noite também era a noite de Bruce Springsteen, o vocalista prestou-lhe uma modesta homenagem: “Esta é uma das músicas favoritas do Bruce”, disse, anunciando “Indian Summer”.
Em “Mr. and Mrs. Smith”, os espectadores decidiram finalmente levantar os pés do chão e dar uns passinhos de dança, enquanto no ecrã gigante do palco pisava a palavra “Motel”. “Dakota”, uma das músicas mais conhecidas da banda britânica, serviu de despedida. “Espero voltar a ver-vos em breve”, disse Jones, antes de abandonar o palco.
Rock In Rio — O Musical
Eles já estiveram em digressão pelo Brasil mas nesta e na próxima semana, têm lugar marcado no Parque da Bela Vista. “Rock In Rio — O Musical” é uma das novidades desta edição. O espetáculo vai abrir o Palco Mundo todos os dias, às 19h.
O musical é feito da história do próprio RIR. Tem por base uma história de amor, mas centra-se sobretudo nas aventuras de um grupo de amigos que, através de uma viagem no tempo, passa por todas as edições do festival. E tudo começou em 1985, ano do fim da ditadura militar no Brasil e da primeira edição do Rock In Rio. A ideia, essa, nasceu da cabeça do empresário Roberto Medina que queria fazer um evento que melhorasse a imagem do Rio de Janeiro para o mundo, depois de anos de repressão política. O nome do festival vem daí: Rock na cidade Rio de Janeiro.
Mas o festival havia de passar pela Europa e ainda pelos EUA. O musical revisita canções dos milhares de artistas que passaram pelo festival. Um alinhamento variado que inclui os Rolling Stones, Daniela Mercury, Queen e Prince. Em 2004, dizem os atores e bailarinos que o RIR chegou a Lisboa. E aí cantaram Britney Spears e até Da Weasel. O espetáculo é uma boa entrada de uma hora para manter entretidos os espetadores que se acomodam junto ao palco, enquanto esperam os cabeças de cartaz. E para ir aquecendo os músculos.
Black Lips
Os Black Lips encerraram o Palco Vodafone no dia de arranque do festival. A banda garage norte-americana soube trazer (finalmente) o rock ao Rock in Rio, num concerto que pôs o público a mexer. Se durante todo o espetáculo temas como “O Katrina” conseguiram aquecer um público até então morno, foi só mesmo no fim com “Bad Kids” que o concerto incendiou, com direito a moche.
Foi um espetáculo de rock em que voaram rolos de papel higiénico, cuspidelas e até sinais com o dedo do meio. E o público adorou. A banda trouxe a atitude rebelde que lhes é característica e, pela primeira vez neste primeiro dia, ouviu-se música rock (com um travo a punk) no Rock in Rio.
Keep Razors Sharp
Às seis em ponto começaram a soar os primeiros acordes do concerto de Keep Razors Sharp, no Palco Vodafone. O público começou timidamente a aparecer, mas hesitou em chegar-se à frente. Foi preciso a banda dizer que o “Rock’n’Roll não morde” para que o público começasse a responder, ainda assim, pouco. Tocaram durante uma hora temas do álbum homónimo lançado em 2014. Foi um bom concerto mas ficou a sensação que público estava à espera de outra coisa. A banda portuguesa surgiu em 2014, mas individualmente não são “novatos”. Da formação fazem parte membros dos Sean Riley & the Slowriders, Riding Pânico e Poppers.
The Sunflowers
O primeiro dia do festival começou, à hora certa (16h45 em ponto), com os portugueses The Sunflowers, também no Palco Vodafone — rodeados de girassóis e com muitos sofás insufláveis à sua espera. “É um prazer enorme estar a abrir esta edição do Rock in Rio”, disse ao microfone o guitarrista Carlos de Jesus, num sussurro quase inaudível. O público não perdoou: “Mais alto!”, gritou alguém. A acompanhá-lo na bateria estava Carol Brandão, companheira destas e outras aventuras.
Depois de “The Witch”, seguiram-se cerca de 45 minutos do que de melhor por cá se faz, garage rock sem compromissos. Percorrida a discografia, composta por meia dúzia de EPs lançados entre 2014 e 2016, houve tempo para uma música nova, com o amigo Fred a acompanhar numa guitarra azul-turquesa. Sem tempo para descansar. E não fosse alguém acusar os Sunflowers de falta de versatilidade, já perto do fim, Carlos e Carol trocaram de lugares. Ela pegou na guitarra, ele subiu para a bateria. Fred, fiel a si mesmo, ficou onde estava.
Com um grito (um de muitos), os Sunflowers despediram-se. Não podia ter começado melhor o dia no Palco Vodafone (e no Rock in Rio).
Ao longo do dia estivemos em direto neste liveblog, onde pode rever muitos dos momentos vividos no Parque da Bela Vista, que vão muito para além da música. Mais logo estaremos de volta para lhe dar conta do que vamos ver e ouvir no segundo dia da 7ª edição do Rock In Rio Lisboa, que tem como cabeça de cartaz no Palco Mundo os Queen com Adam Lambert.
Correção: retirada a referência a Patti Scialfa, que não esteve presente no concerto do Rock in Rio Lisboa. Quem integrou a E Street Band, como o faz há vários anos, foi Soozie Tyrell