Este artigo de balanço tem de começar pelo dia seguinte. Isto porque, já de madrugada, a organização do Rock in Rio anunciou em comunicado que o espetáculo de Ariana Grande, marcado para este domingo, foi cancelado por motivo de doença — como demos conta, na hora, no nosso liveblogue. A substituição foi anunciada de imediato: a brasileira Ivete Sangalo irá subir ao Palco Mundo, pelo segundo dia consecutivo. Os fãs que preferirem ser reembolsados ficarão a saber como o fazer a partir de terça-feira, na página oficial do Rock in Rio.
Mas vamos então olhar para o que aconteceu no quarto dia da 7ª edição do Rock in Rio Lisboa, este sábado, começando pelos cabeças de cartaz que levaram à Bela Vista cerca de 85 mil pessoas. A digressão “Maroon V Tour” já anda na estrada desde fevereiro de 2015 e continua um doce.
Maroon 5
Bastou um acender de luzes para o público lançar um grito ensurdecedor. O Parque estava quase a rebentar pelas costuras quando, pouco depois da hora marcada, os Maroon 5 entraram palco adentro. Sem rodeios, lançaram o primeiro tema da noite — “Animals”, um dos êxitos do quinto álbum V (2014). “Como é que estão?”, gritou Adam Levine. O público respondeu de bom grado, entoando “just like animals, animals” em coro. Disparando hits atrás de hits, seguiu-se “One More Night”. Os fãs, com os braços no ar, dançavam sem parar.
Sem parar seguia também a banda, que parecia com pressa de chegar ao fim da setlist. O som também não foi o melhor — aqui e alí, o feedback fez-se convidado e conseguiu mesmo engolir a voz de Levine. A falta de comunicação por parte do vocalista começava também a fazer confusão. Ao terceiro tema, “Stereo Hearts”, os fãs ainda não tinham tido direito sequer a um breve “olá”.
Depois de “Stereo Hearts”, veio a já velhinha “Harder to Breathe”, tema do primeiro álbum da banda, Songs About Jane, lançado há já 14 anos (como o tempo passa!). Com o público a fazer coro, Levine deu tudo o que tinha para dar, com uma atuação irreprensível e falsetes — a sua imagem de marca — q.b. Em “This Love”, pegou na guitarra (cor-de-rosa fluorescente) para uns acordes finais. Para além de ter uns moves like Jagger – ou seja, a fazer lembrar o líder dos The Rolling Stones – o vocalista norte-americano também toca que se farta.
“Payphone” foi um momento bonito, com a banda reunida em frente ao microfone para cantar os primeiros versos. Os Maroon 5 provaram que sabem cantar, mas o grande elogio foi para o público da Bela Vista. “Vocês têm vozes tão bonitas, têm tanto ritmo”, disse Levine. “Às vezes, quanto tocamos nos Estados Unidos, o público não tem tanto ritmo. Queremos que cantem todas as músicas connosco.” Rendido, o vocalista ainda deixou escapar um “incrível!” a meio do tema “Payphone”.
Em “Daylight”, Levine, já mais comunicativo, voltou a repetir o pedido: “Cantem connosco!”. Para o grand finale, voltou a pegar na guitarra — outra, menos fluorescente. A noite foi dada por terminada, mas a banda de Los Angeles ainda voltou para o encore sob uma gigantesca chuva de palmas. Adam Levine podia estar rendido ao público português, mas o público português também não estava menos encantado com ele.
Num momento mais intimista, Levine cantou “Lost Stars” acompanhado apenas à guitarra (acústica) por James Valentine. Num encore especialmente logo, seguiu-se “She Will Be Loved”, para contentamento de muitas fãs. Mas ainda faltava uma música e a banda não desiludiu — já com todos em palco, houve “Moves Like Jagger”. A fechar, esteve o inevitável “Sugar”, que (quase) resumiu a noite – não fosse o vocalista ter mantido tanta roupa vestida. Depois, uma saída abrupta, sem nenhum “adeus”.
Podemos acusá-los de falta de comunicação, mas não de falta de empenho. Os Maroon 5 arrasaram o quarto dia do Rock in Rio Lisboa, e deixaram os fãs contentes. Foi um belo fim de noite na Bela Vista.
Ivete Sangalo
44 anos de vida, 20 anos a atuar em Portugal e sete participações em sete edições do Rock in Rio Lisboa (este domingo será a oitava). Bate tudo certo com Ivete, ela é uma carta que não falha. Há fãs acérrimos que sabem as letras todas de cor. Não são todos, mas não há ninguém que não conheça pelo menos um dos sucessos da cantora. A artista brasileira já está tão à vontade entre nós que trocou, durante a atuação, os saltos altos por uns ténis. Objetivo: dançar mais à vontade, pois claro. Ela correu para todos os lados do palco, ela saltou na chuva, ela agradeceu muito e elogiou os portugueses com um: “Vocês são gostosos!”.
Ela até se dirigiu aos vários brasileiros que estavam no recinto, a empunhar bandeiras do Brasil, e não deixou escapar um comentário à situação que se vive no país. “A gente está vivendo uma crise financeira e social. Mas é sobretudo uma crise moral”, sublinhou a baiana. “E eu torço para que seja a moral a resolver” o problema. E por aí ficou, porque a noite era para momentos mais alegres.
No concerto não faltaram as mexidas “Arerê”, “Eva” e “Sorte Grande (Poeira)”, mas faltaram baladas tais como “Se eu te amasse tanto assim” e “Quando a chuva passar”. Mas também não foram precisas. Aliás, o ritmo non stop do espetáculo ajudou a esquecer a chuva que ia e vinha, e ela própria enfrentou o problema. “Não interessa se faz chuva ou frio. Eu sou o fogo que Lisboa precisava!”. Tem razão.
São já 20 anos de Ivete em solo português e a cantora esteve em todas as edições do RIR Lisboa. Um facto que faz questão de sublinhar várias vezes ao longo do show, sempre em tom de agradecimento a Portugal e a “Deus” pela oportunidade. “Quando me perguntam como eu consegui este trabalho todo em Portugal, eu respondo que o que eu fiz não foi um trabalho. Foi um encontro”; e logo recebe mais gritos e mais braços no ar. Ela sabe tratar bem os portugueses e eles gostam dela, pequenos e graúdos. E sempre que o Rock in Rio quiser, o trunfo Ivete está lá para singrar. Não falha.
D.A.M.A. com Gabriel O Pensador (convidado especial)
Os Deixa-me Aclarar-te a Mente, Amigo — o significado do acrónimo D.A.M.A — tocavam uma das suas canções mais conhecidas, “Balada do Desajeitado”, quando a chuva começou a cair com mais força.
O público não se deixou incomodar e entre a água e a boa disposição dos músicos, escolheu a segunda. O alinhamento dos êxitos estava bem feito, com todos os sucessos do FM que a maioria soube entoar. “Às vezes”, “Luísa” e “Agora é tarde” não falharam e fizeram as delícias de quem assistia.
Miguel Coimbra e Francisco Pereira (também conhecido por Kasha), fartaram-se de puxar pelas vozes — as suas e as de quem assistia — e distribuíram elogios à banda que os acompanha e aos festivaleiros. O brasileiro Gabriel O Pensador subiu ao palco apenas duas vezes, uma das quais para interpretar o já clássico “2345meia78”, da sua autoria.
O momento alto do concerto aconteceu quando pediram ao público para levantar o telemóvel e mostrar uma vez mais, porque é que “é o melhor do mundo”. Muitos braços no ar e muitas luzes acesas trouxeram beleza à moldura humana que acompanhou o “Não dá” que começou a cappella e acabou com a banda a dar tudo.
Houve ainda tempo para distribuir elogios à música cantada em português, balões gigantes pela plateia e para o público dançar. “Sabíamos que ia ser bom, não sabíamos que ia ser tão bom”, disse o vocalista Miguel Coimbra em jeito de despedida.
Foi bom e podia ter sido ainda melhor, não fosse a sensação de ter sido um pouco rápido e ter sabido a pouco. As canções tiveram pouco tempo para respirar e foram encadeadas a uma velocidade acima da desejável. “Sabemos que o nosso tempo é curto”, disse às tantas o vocalista, como que a pedir desculpa. Apesar de alguma pressa, a banda esforçou-se e cumpriu o que se exigia, com um concerto feel good, cheio de groove e que animou a Bela Vista, apesar da presença semi-constante da chuva.
Real Estate
Chovia, mas a chuva não afastou o público do Palco Vodafone. À hora marcada, os norte-americanos Real Estate estavam em cima do palco e tinham uma pequena multidão (encharcada) à sua frente. “Obrigada por estarem aqui a ver o concerto com este tempo”, agradeceram meio incrédulos, admitindo que gostavam muito de Lisboa. Foram 70 minutos de bom indie rock — tão bom que o público fincou o pé e não quis ir embora. Mas a chuva não perdoou, e voltou em força. “Vocês ficam fixes à chuva. Vocês são fixes!”
O tempo podia não estar do lado dos fãs dos norte-americanos Real Estate, mas a organização do Rock in Rio estava. A meio do concerto, foram distribuídos impermeáveis azuis pela multidão, que se agarrou a eles de bom grado. De repente, os norte-americanos pareciam estar a tocar para um grupo de smurfs todos contentes, que iam saltando à media que a banda avançava na setlist, entre novos e velhos temas.
Já passava das 21h quando os Real Estate disseram “adeus”, mas o público queriam mais e a banda arranjou tempo para mais uma música. Para trás ficou a promessa: “Esperamos voltar a Lisboa muito em breve.”
Capitão Fausto
São a banda sensação do panorama português. Entre crítica e público, o recém-lançado Os Capitão Fausto têm os dias contados foi aclamado por todos os que seguem a carreira da banda desde o início.
Num espétaculo com maior afluência do Palco Vodafone até agora (igualado na última sexta-feira, talvez, pelos METZ) e com um público recetivo, esperava-se mais energia. Pelo alinhamento passaram alguns dos grandes temas de Pesar o Sol, o álbum de 2014 em que a banda piscou o olho pela primeira vez ao rock psicadélico.
Singles como “Maneiras Más” levaram o público a bons caminhos. Ainda assim, e como seria de esperar, o concerto foi marcado pelas canções mais recentes. “Amanhã estou melhor” foi o primeiro single do novo álbum e tem tido alta rotação nas rádios portuguesas, ao lado de “Morro na Praia”, a canção que encerrou o concerto.
Parecem muitos os anos que já passaram desde 2011, ano em que lançaram Gazela. Os “putos” cresceram e este novo álbum marca o salto para a idade adulta. Seria, por isso, de esperar um concerto mais maduro. Ou talvez a idade já pese. Foi um bom espetáculo, mas esperava-se melhor.
Mighty Sands
Os Mighty Sands tocaram um surf rock competente que não entusiasmou particularmente o público. As pessoas começaram a aglomerar-se e pareciam interessadas em dançar, mas acabaram por não encontrar na banda incentivo suficiente.
À segunda música já havia desistências (de ressalvar três rapazes groupies da banda que marcaram lugar na primeira fila e cantaram e dançaram todos os temas). Ainda assim o concerto continuou com menos público, mas com vontade de fazer melhor. E assim foi. A seguir a “DK”, uma das canções mais conhecidas da banda, Salvador dos Capitão Fausto subiu ao palco para tocar congas no novo tema “Mozambique”. A canção mostra um bom caminho.
Só nas últimas é que o público teve direito a saborear o psicadelismo que apimenta o surf rock até então insonso dos Mighty Sands. Os temas “Solengo” e “Love Son” apareceram tarde no alinhamento e deram um cheirinho do que uma das bandas promessa da música portuguesa é capaze. O concerto começou morno e acabou quentinho.
Este domingo termina a 7ª edição do Rock in Rio, mas a organização já fez saber que, em 2018, estará de volta a Lisboa. No próximo ano será a vez do Rio de Janeiro e, provavelmente, Buenos Aires.