A moeda única “não tem salvação”, sentencia um dos fundadores do Bloco de Esquerda. Francisco Louçã já tinha escrito em 2014 “A Solução Novo Escudo”, um livro a meias com outro economista — João Ferreira do Amaral, próximo do PS — sobre a saída de Portugal do euro. Hoje conselheiro de Estado, resume uma entrevista ao Observador, durante a X Convenção do BE: “Acho que o euro é prejudicial à economia portuguesa. Este debate é muito sério. Fomos os únicos economistas em Portugal a fazer as contas, dizendo às pessoas que têm uma solução muito difícil. Mas a pior de todas é continuarmos a matar o país. Por isso é preciso pensar na saída do euro”.
Francisco Louçã admite que este é um processo difícil e nesse caso seria necessário ao Governo acautelar problemas como “o preço dos medicamentos, ou da energia e dos transportes, como evitar o aumento da inflação para níveis excessivos”.
Nas palavras do ex-coordenador do BE, “o euro não tem salvação”. E acrescenta: “Sim, o euro é destruidor de Portugal”. Louçã explica-se: “Quanto mais no agarrarmos a essa âncora que nos arrasta para o fundo, mais impossível se torna salvar o sistema bancário, garantir a confiança dos depósitos ou ter uma estrutura política em que possamos decidir sobre o orçamento. Portanto é uma situação de humilhação nacional e de destruição política.”
Debater referendo ao euro na convenção era pôr o “carro à frente dos bois”
No entanto, “não se deve pôr o carro a frente dos bois”, diz Francisco Louçã ao Observador. O Bloco não deve reagir “de cabeça quente” ao referendo britânico, mas perceber o que está a correr mal na Europa. “O debate deste fim de semana não é sobre o referendo. O Bloco defendeu o referendo ao Tratado Orçamental e tinha razão”.
Um referendo ao tratado era desejável, mas “não como uma decorrência do que aconteceu em Inglaterra”. Para Louçã, “é muito mais grave o que aconteceu em Inglaterra” por constituir “uma peça da desagregação da UE. É muito mais vasto que o Tratado Orçamental”, afirma.
Geringonça: “Pragmatismo, coerência e responsabilidade”
Apesar de apoiar um Governo socialista que se baseia em pressupostos contrários ao que defende o Bloco de Esquerda, Francisco Louçã considera que “o BE nunca poderá compactuar com políticas contraditórias com o seu mandato”. Se houver novas exigências europeias ao longo do verão, o Bloco deverá escolher perante medidas concretas que possam estar sobre a mesa. “Se essas medidas são aumento de impostos, o BE não pode aceitar porque cria recessão. Se for uma pequena mas sustentada recuperação de salários e pensões, deve comprometer-se com isso. Estamos no domínio do pragmatismo, responsabilidade e coerência”. E insiste: “É preciso manter a coerência e torná-la muito responsável.”
O dossiê decisivo é, segundo Louçã, “a reestruturação da dívida”. O cenário que desenha é catastrófico: “A Europa desagregar-se-á porque expulsará as periferias, incluindo a França e a Itália, se não houver uma recomposição que nos proteja de um choque financeiro. E isso é uma reestruturação da dívida. Quando for preciso, devemos ir buscar dinheiro ao abuso da dívida”.
O histórico bloquista reconhece que o PS “tem uma atitude muito reservada” sobre o tema. Mas antecipa que, mais dia, menos dia, “a UE vai dizer, como tem dito, cortem nas pensões ou cortem nos salários”. Nesse caso, como é que o Bloco deve reagir? “Tem de procurar soluções”, diz Francisco Louçã.
O BE não pode aceitar que os acordos escritos sejam postos em causa e trabalhar em novos problemas que não estejam previstos. Nuns, haverá acordo, noutros não. O BE tem de se colocar muito acima da sua experiência para mostrar uma soma de verdade, radicalidade, coerência, responsabilidade e preparação. Porque as pessoas olham para o Bloco não só como uma voz, mas como quem sabe fazer e quer fazer”.
Novo Banco não deve integrar a CGD
No que respeita a um tema que tem marcado a semana — a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos –, Francisco Louçã deixa claro que é contra a integração do Novo Banco na CGD (Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças do PSD, chegou a escrever um artigo no Jornal de Negócios a sugerir que havia boatos em Bruxelas sobre uma eventual proposta do Governo para integrar o Novo Banco na Caixa). “Nunca defendi essa solução de integração do Novo Banco na CGD”, assume Louçã ao Observador. “A Caixa tem uma história, tem um caminho. Não tem muito sentido concentrar a banca em torno da caixa.”
“Acho que deve haver um controlo público sobre o sistema bancário”, continua, mas recorda que em dezembro fez uma sugestão ao Governo com Ricardo Cabral, vice-reitor Universidade da Madeira. A solução passava pela divisão “do Novo Banco em vários bancos, para não estar subordinado à união bancária e ao BCE e poder operar de forma prática na criação de crédito. Não sei o que o Governo pretende fazer, não há nenhum sinal sobre isso, será um grande debate.”