Os profissionais de Terapêuticas Não Convencionais (TNC), como a osteopatia, a acupuntura e a naturopatia, queixam-se de “ilegalidade” e “discriminação” por serem agora obrigados a pagar o IVA dos últimos quatro anos, quando todas as outras especialidades de medicina estão isentas de pagar este imposto. O assunto já chegou aos deputados do Parlamento e será amanhã discutido com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Em causa está o enquadramento fiscal destas terapias. A maioria dos profissionais está coletada como “outros técnicos paramédicos”, regime que lhes dá isenção de IVA, pelo artigo 9º. Mas a situação mudou no ano passado, quando a Autoridade Tributária fez sair um ofício que anulou essa regulamentação e equiparou estes profissionais a “paramédicos”, fazendo com que afinal tenham de pagar 23% de IVA. Mais: segundo esse despacho da Direção de Finanças de 2015, as clínicas têm agora de pagar esse imposto sobre a faturação total dos últimos quatro anos, porque o IVA retroativo prescreve a cada quatro anos. O despacho é de agosto do ano passado e, na altura, ainda estava em funções o governo de coligação PSD/CDS-PP.

As clínicas que operam na chamada medicina não convencional foram assim notificadas para o pagamento do imposto pelos anos anteriores, imposto esse que nunca cobraram aos pacientes. “Ora, uma empresa ou um profissional que não cobrou esse imposto, com certeza que não o tem para devolver ao Estado. O que estamos a atravessar é uma autêntica barbaridade fiscal. Um confisco inqualificável que irá levar à falência várias empresas”, aponta Cátia Antunes, diretora da clínica Da Vinci, uma das lesadas.

A responsável já fez as contas e o valor total dos quatro anos que terá a pagar corresponde a meio milhão de euros. Para a diretora clínica da Da Vinci, esta situação é “injusta” e “ilegal” visto que estas formas de medicina foram regulamentadas como profissões de saúde e “todas elas estão isentas de IVA, desde a medicina à psicologia”, explica.

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“Temos todas as obrigações que tem a medicina convencional: estamos inscritos na Entidade Reguladora da Saúde, como qualquer clínica, submetemos as nossas candidaturas à Administração Central da Saúde e nessa lei de 2015 foi-nos dada autonomia no diagnóstico e na terapêutica — não estamos sob a alçada de nenhum outro médico”, sublinha. Ou seja, para a responsável, é uma questão de terem os mesmos deveres mas não os mesmos direitos.

Pagar 23% de IVA na osteopatia e não pagar na fisioterapia não é justo. O cidadão é livre de escolher a medicina com que se quer tratar. E é obvio que esse acrescento vai condicionar a escolha. Se eu vou pagar mais numa, escolho a outra. Como se a saúde fosse um bem de luxo”, refere Cátia Antunes.

Pedro Choy: “Isto é uma sentença de morte”

Um dos empresários mais reconhecidos no ramo da acupuntura é Pedro Choy. A trabalhar na área desde 1987, o dono de 20 clínicas aponta efeitos devastadores para o negócio, mas também para os funcionários e para os pacientes. Tudo começa pela própria taxa que, no seu entender, é abusiva. “Cobram-nos 23%, como se fosse um produto de luxo. Isto é medicina, é saúde”, destaca.

Feitas as contas, se a cobrança for para a frente, o valor pago por Pedro Choy “corresponde a 147% da faturação”, visto que aos 23% pelos quatro anos ainda acrescem juros, dita a Autoridade Tributária. “Esses valores correspondem a 70 anos da totalidade do lucro da empresa. Vou ter que pagar muito mais do que o que ganhei a vida toda. E vou ter de pagar por ter trabalhado”, refere. Se assim for, Pedro Choy garante que vai ter de mandar “400 pessoas para o desemprego”.

A acupuntura e as terapias não convencionais são profissões de saúde. Estão regulamentadas. Não pode haver essa desigualdade de coletar a uns e não coletar a outros”, defende Pedro Choy.

Tanto Cátia Antunes como Pedro Choy optaram por não pagar ainda os valores, visto que vão ocorrer reuniões com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi enviada uma carta ao ministro das Finanças, foi feita uma petição com 120 mil assinaturas e a Autoridade da Concorrência emitiu esta quarta-feira um parecer em que recomenda a isenção de IVA para estas terapêuticas. Tudo esperanças de que a cobrança seja repensada antes que os profissionais comecem a pagar a dívida.

Ganha a indústria farmacêutica?

Os dois responsáveis ouvidos pelo Observador consideram que, por trás desta situação, está uma espécie de favorecimento à indústria farmacêutica. “Isto vai levar à falência das empresas, vai levar ao despedimento de muitas pessoas, e o valor que vamos ter de pagar não vai compensar o prejuízo para o Estado. Então porque é que a Autoridade Tributária insiste?”, questiona a diretora clínica da Da Vinci. A resposta, diz, está no favorecimento da indústria farmacêutica.

Pedro Choy vai ainda mais longe: “O Estado perde, eu perco, o cidadão perde. Quem é que ganha? As indústrias farmacêuticas, que são as opositoras às medicinas convencionais. Penso que a Autoridade Tributária está a ser manipulada”, atira. Para ele, a intenção daquelas indústrias é “exterminar um concorrente”. E essa eliminação vai colar uma “sentença de morte” às clínicas.