O conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) considera que não há fundamento legal para rescindir o contrato de atribuição de uma concessão de pesquisa e exploração de petróleo na Bacia do Algarve a uma empresa detida por Sousa Cintra, porque esta adjudicação foi feita ao abrigo do “poder discricionário” pelo anterior governo. No entanto, o atual executivo considera este parecer ainda preliminar e voltou a colocar à PGR dúvidas sobre o cumprimento das disposições contratuais por parte da empresa concessionária, a Portfuel.

O secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, assumiu esta terça-feira no Parlamento a discordância com esta interpretação e afastou um cenário de indemnização: “Não sou favorável a que se dê benefício ao infrator”. Numa audição na comissão parlamentar de economia e obras públicas, deixou também esta nota: “Temos de ser o mais exigentes possível para que o interesse público seja salvaguardado”.

A decisão de adjudicar este contrato de exploração onshore (em terra) foi tomada pelo anterior governo, por despacho do então ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, sem a realização de um concurso público e tem vindo a ser contestada pelas autarquias, que não foram ouvidas no processo. Em causa está o direito de exploração sobre uma área que abrange os concelhos de Aljezur e Tavira, cobrindo quase metade da chamada Bacia do Algarve.

Perante as dúvidas sobre a legalidade da concessão, assumidas publicamente pelo secretário de Estado da Energia, foi pedido um parecer ao conselho consultivo da PGR sobre eventuais incumprimentos do procedimento e do contrato que foi assinado em setembro de 2015, um mês antes das eleições legislativas.

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O parecer da Procuradoria, a que o Observador teve acesso, reconheceu algumas fragilidades no procedimento, designadamente o incumprimento de alguns dos requisitos exigidos ao candidato — a apresentação de relatórios financeiros e técnicos dos últimos três anos e a verificação de experiência da empresa na área da pesquisa de hidrocarbonetos. O pedido de concessão da exploração de petróleo foi feito em 2014 pela Portfuel, uma empresa constituída em 2013.

Apesar de estes requisitos serem considerados desejáveis, o parecer da PGR é de opinião que nem sempre serão necessários “por considerações de oportunidade e conveniência para o interesse público”. Conclui por isso que a adjudicação se tratou “do exercício de um poder discricionário de dispensa e sem se descortinar nenhum dos vícios próprios que podem comprometer a validade dos atos a partir do seu lastro de autonomia pública (…), motivo por que se conclui que o ato não é inválido por infração deste comando jurídico”.

“Em face da precedente conclusão, também não há motivo para apontar invalidade derivada à aprovação das minutas (do contrato), em 9/9/2015, nem à outorga dos contratos, em 25/9/2015”, lê-se no parecer que data de junho.

Apesar deste parecer, o governo continua a defender que o contrato não cumpriu todas as regras legais e suscitou já novas dúvidas sobre incumprimentos contratuais junto do conselho consultivo da PGR.

Entre as novas questões levantadas estão o incumprimento de disposições contratuais, como o pagamento do seguro e a entrega de caução fora do prazo, mas também a apreciação da legalidade e validade do ato de adjudicação do ex-ministro do Ambiente e Ordenamento ao conferir uma autorização para prospeção, pesquisa e produção de petróleo em áreas abrangidas pela Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional, bem como pelo Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Na frente ambiental é ainda suscitada a eventual necessidade de uma avaliação de impacte ambiental, ainda antes de um projeto concreto, caso esteja a ser equacionada a utilização de métodos não convencionais de prospeção como a fratura hidráulica (usada para produzir o gás de xisto).

Em dez anos de concessões, só duas não tiveram concurso público

Em causa está a atribuição de direitos de pesquisa, exploração, e produção de petróleo, garante o atual governo, a uma única empresa, numa concessão que pode ir até 30 anos numa área que representa cerca de 48% da área onshore do Algarve.

A concessão da Bacia do Algarve foi atribuída por negociação direta, depois de uma manifestação de interesse feita pela concessionária, a Portfuel, sem concurso público e sem consulta a outras entidades. Os críticos deste contrato apontam ainda a falta de transparência do procedimento — a adjudicação só terá sido tornada pública dias antes da assinatura do contrato –, a exclusão das autarquias de todo o processo e a falta de experiência no setor da Portfuel, a empresa constituída pelo empresário Sousa Cintra, que na área da energia é dono da rede de postos de abastecimento Cipol.

Para além do contrato com a Portfuel, o anterior governo também adjudicou por negociação as concessões de Pombal e Batalha à empresa Australis sem concurso público. Estes dois contratos foram os únicos procedimentos entregues sem concurso público em dez anos de concessões para a prospeção, pesquisa e produção de petróleo e gás natural em Portugal. Este contrato tem suscitado menos polémica. Uma das razões apontadas é o facto de esta empresa estar cotada em bolsa e ter entre os seus quadros técnicos que vêm de uma outra sociedade especializada nesta atividade que operou em Portugal. A Portfuel já reforçou entretanto a sua equipa técnica.

O atual secretário de Estado da Energia já assumiu que pretende alterar o decreto-lei de 1994 que regula a atribuição de concessões de prospeção e exploração de hidrocarbonetos. As mudanças irão no sentido de reforçar a exigência de qualificações e experiência técnica aos promotores, mas também a prestação de informação e a discussão pública dos projetos, bem como o envolvimento das autarquias em explorações onshore. Já foram introduzidas alterações ao nível dos requisitos de segurança que devem ser respeitados por estas explorações.