Artigo publicado originalmente a 8 de julho de 2016, e agora republicado depois de Ronaldo ter feito mais um dos seus golos “aéreos”: saltou 71 cm até aos 2,56 m para dar a vitória da Juventus frente à Sampdória.
Tão alto quanto um urso pardo, mais veloz que um coiote. Foi assim o golo com que Cristiano Ronaldo estreou o marcador frente ao País de Gales. Perante o passe certeiro de Raphael Guerreiro, o capitão elevou a cabeça até aos 2,61 metros de altura e encaminhou a bola para a rede adversária a uma velocidade de 71,3 quilómetros por hora. A bola chegou à baliza apenas sete décimas de segundos depois do remate. Havia de ser o primeiro passo para a nossa viagem rumo a Paris e festejar a conquista do Euro 2016.
O golo de Ronaldo a voar sobre os centrais correu o mundo. Os jornais internacionais disseram que Portugal tinha “conquistado o céu” com os “altos voos” do avançado madeirense. Mas a verdade é que não foi a primeira vez que Cristiano mostrou que tinha asas nos pés: o golo marcado nas meias-finais do Euro 2016 foi muito parecido (quase igual, mesmo) ao que o melhor do mundo marcara nas meias-finais do Euro 2004 perante a Holanda.
Há doze anos, Cristiano Ronaldo recebera a bola cruzada por Deco, saltara nas alturas e cabeceara para a baliza inimiga. Foi o primeiro golo português na partida e com ele também chegaríamos à final do campeonato europeu que se realizava em Portugal. Mas dessa vez, foi o tal de má memória e amargo sabor grego.
Esta quarta-feira, Ronaldo repetiu o feito. Aos 34 anos, a jogar em Génova frente Sampdória, Ronaldo voltou a “voar sobre os centrais”. Saltou 71 centímetros a uma altura de 2,56 metros para apontar de cabeça o 2-1 da vitória da Juventus. “CR7 Air Jordan!”, escreveu o próprio jogador nas suas redes sociais, comparando-se a um dos melhores basquetebolistas de sempre, Michael Jordan.
O enorme sucesso de Cristiano Ronaldo nos céus, sempre que está perante a baliza contrária, deve-se em grande parte às suas características físicas (o resto é treino). CR7 tem 1,851 metros de altura, 80 kg de massa, um perímetro de coxa muito superior à média, mas um perímetro de gémeos inferior ao normal. E é disto que são feitas as asas do jogador português: longas pernas de um velocista, o físico delgado de um atleta de meia distância e a estatura de um atleta de salto em altura. Foram estas as conclusões a que chegaram os especialistas em física desportiva da “Castrol Edge Rankings“, que em 2012 foram perceber porque é que Ronaldo é um dos futebolistas mais valiosos do mundo. E dos que salta mais alto.
A gordura corporal de um supermodelo
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Cristiano Ronaldo tem menos 3% de gordura corporal que um supermodelo.
Os cientistas quiseram perceber o que tinha contribuído para o facto de a taxa de sucesso nos duelos aéreos de Ronaldo ter aumento dos quarenta para os 66%. E encontraram a resposta na física. Quando Cristiano salta sem impulso e sem a ajuda dos braços, não consegue saltar mais que 44 centímetros através de uma força apenas 1,5 vezes maior que o peso do seu corpo. Em situação de jogo, no entanto, Ronaldo torna-se num jogador alado: consegue elevar-se a 78 centímetros do chão – mais alto, de facto, que a média dos jogadores de basquetebol da NBA – e com uma força cinco vezes maior à do seu peso – 5G -, tanto quanto um astronauta quando parte da Terra em direção ao espaço. Essa força, no caso de Ronaldo e tendo em conta a Segunda Lei de Newton, é de 3920 N.
A lei de Newton
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A Segunda Lei de Newton (ou o Princípio Fundamental da Dinâmica), a força que atua sobre um corpo é sempre diretamente proporcional à multiplicação entre a massa desse corpo e à aceleração a que ele está sujeito. No caso de um salto de Ronaldo, essa aceleração é igual ao valor da gravidade. Na Terra, o valor da gravidade é de 9,8 N.
Quando o avançado português salta, tende a levantar os joelhos e as pernas para a parte de trás do seu corpo. Isto permite elevar o centro de gravidade temporariamente, mas durante o tempo suficiente para permanecer no ar, receber a bola e cabeceá-la para dentro da baliza. Claro que esse período de tempo em que Cristiano Ronaldo permanece no ar não é tão grande como parece. É um “ilusão de ótica”, como esclarece o físico Carlos Fiolhais ao Observador. “O que se passa é que a trajetória do centro de gravidade do atleta é basicamente uma parábola”, ou seja, igual à trajetória de um corpo sem resistência do ar (que, embora exista, é tão pequena que pode ser desprezada dos cálculos matemáticos).
E as outras medidas sobrenaturais
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Com uma coxa com 61,7 centímetros de perímetros, Cristiano Ronaldo consegue levantar o peso equivalente a dezasseis carros Toyota Prius durante um treino intensivo de pesos. Os cientistas descobriram que um pontapé livre de Ronaldo pode ser quatro vezes mais rápido que a velocidade da Apollo 11 quando partiu da Terra. E que, numa época apenas, Cristiano consegue acelerar 900 vezes mais que um atleta olímpico.
Ora, sempre que um jogador de futebol salta do chão, parte com uma posição inicial e com uma velocidade. É a componente vertical da velocidade que detém a resposta para o milagre dos saltos de Ronaldo: a altura máxima é proporcional ao quadrado desta velocidade. A “ilusão da suspensão” de Cristiano é assim explicada pela matemática. No futebol, tal como no basquetebol, metade do tempo de um salto é passado nos pontos mais altos a que ele pode chegar, enquanto a outra metade do tempo é dividida entre o tempo da ascensão (em que o atleta contraria a força da gravidade) e o tempo da descida (em que o atleta obedece à força da gravidade, que atrai os corpos para a Terra). É por isso que ao espetador parece que o atleta flutua.
Uma questão de Ação-Reação
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A Terceira a Primeira Lei de Newton, ou o Princípio da Ação-Reação, diz que quaisquer dos corpos dotados de massa são atraídos um pelo outro através de uma força que, embora tenha a minha direção, vai ter intensidade e sentido opostos. Em suma: a maçã de Newton foi atraída para a Terra, mas a Terra também estava a ser atraída pela maçã.
Carlos Fiolhais explica ainda que a altura do salto depende do impulso que é comunicado pelo chão, algo que obedece à Terceira Lei de Newton. Mas não depende só disso: a magia também se faz pelos músculos. “Ronaldo tem geneticamente um corpo de atleta, mas desenvolve o seu corpo com exercícios no ginásio” onde trabalha muito a coxa. É da força que Ronaldo armazena na zona inferior do corpo que vem grande parte da energia com que ele se eleva nos céus. Daí e da mente também. É que Cristiano Ronaldo tem uma extraordinária visão do campo e reage rapidamente: os tempos de reação do português quando está em campo conseguiriam circum-navegar o mundo 31 horas mais depressa de um comboio de alta velocidade. “Ele adivinha onde a bola vai cair, calculando o momento certo de salto. Essa é uma noção intuitiva que o próprio não conseguirá explicar, mas que todos vemos. Ele está no sítio certo à hora certa. Digamos que sabe ler o jogo, isto é, tem uma atenção permanente à posição e à velocidade da bola, assim como às posições dos seus companheiros”. É quanto vale uma experiência de 15 anos.
O que Cristiano Ronaldo faz é notável, mas não é exclusivo do mundo do futebol. Atletas como os basquetebolistas ou os jogadores de voleibol treinam profundamente as técnicas associadas aos saltos: só assim é que conseguem marcar pontos. É isto que nos explica Roberto Reis, jogador de voleibol pelo Benfica e um dos melhores jogadores portugueses de sempre da modalidade. A disponibilidade para este tipo de exercícios não é inata: tem de ser trabalhada. “O Cristiano é um jogador extremamente explosivo que consegue aliar perfeitamente a técnica à execução. A coordenação dele é perfeita”, avalia Roberto. Mas apenas o é porque, tal como no voleibol, essa capacidade é treinada antes das performances oficiais: “Durante os treinos somos sujeitos a exercícios de força e de musculação. O voleibol é feito essencialmente a saltar, por isso a impulsão que damos em campo é consciente. E é preciso ter mais resistência”, explica o atleta benfiquista.
Carlos Fidalgo, jogador de voleibol pelo Vitória de Guimarães, internacional português e filho do guarda-redes António Fidalgo, subscreve as palavras do seu colega de profissão. Explica ele ao Observador que “é impressionante o que Cristiano Ronaldo faz, porque em princípio não treina tanto o salto como um atleta de voleibol ou de basquetebol”. É que, pelo menos no voleibol, os saltos por treino são incontáveis. “É algo que vamos melhorando, embora a capacidade de saltar também tenha a ver com a carga genética ou com uma certa aptidão desde o início”, acrescenta Carlos. O salto é normalmente treinado com trabalho pliométrico, que procura que os atletas utilizem os músculos no seu máximo expoente. São “exercícios de explosão e de reação” que buscam uma preparação física ao nível dos grandes atletas.
Mas como é que esse potencial é demonstrado durante uma jogada? Aqui é que reside a grande diferença em relação a outros desportos. No voleibol, a impulsão é conseguida através da “chamada”: o atleta dá três passos de apoio e depois eleva-se no ar com a ajuda dos braços e das pernas em coordenação. E tem de reagir rapidamente, para conseguir equilibrar o tempo da preparação com a chegada da bola.
E depois há Ronaldo. Sempre a voar sobre os centrais.