O Tribunal da Relação de Lisboa ordenou ao Tribunal Judicial de Lisboa que condene António Soares, ex-diretor do Banco Espírito Santo (BES), Nuno Escudeiro e Pedro Serra, ambos ex-funcionários do Departamento Financeiro Mercados e Estudos (DFME), pelo crime de abuso de informação privilegiada, vulgarmente conhecido por insider trading.

Os três ex-funcionários do BES tinham sido absolvidos em fevereiro deste ano pela primeira instância mas a Relação de Lisboa, numa decisão assinada pelo desembargador Rui Rangel e datada de 12 de julho, aderiu totalmente ao recurso do Ministério Público (MP), deu como provados todos os factos que eram imputados aos arguidos pela acusação e anulou a decisão do Tribunal Judicial de Lisboa.

Trata-se de um caso relacionado com a compra de ações da EDP durante a Oferta Pública de Subscrição (OPS) da subsidiária da EDP Renováveis em 2008 e que chegou a levar o MP a constituir como arguidos Amílcar Morais Pires, ex-Chief Financial Officer do BES e administrador da seguradora BES Vida, e José Maria Ricciardi, ex-presidente executivo do BES Investimento. Ricardo Salgado também foi ouvido durante a investigação mas sempre como testemunha.

O caso foi descoberto através da Operação Monte Branco, tendo sido extraída uma certidão para um processo autónomo na 9.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa. A Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários fez igualmente uma participação para o Ministério Público.

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Estava em causa a compra em janeiro de 2008 para carteira própria do BES de um conjunto de ações da EDP representativas de mais de 0,5% do capital social da elétrica nacional que foram parcialmente alienadas no momento em que a OPS da EDP Renováveis foi anunciada ao mercado, gerando uma mais-valia de 10 milhões de euros para o BES — valor que corresponde a cerca de 5% dos resultados líquidos do banco liderado por Ricardo Salgado no exercício de 2008. António Soares, enquanto diretor do DFME, e os funcionários Nuno Escudeiro e Pedro Serra executaram as operações de compra e venda das ações da EDP Renováveis tendo sido acusados pelo MP do crime de abuso de informação privilegiada.

Morais Pires e José Maria Ricciardi viram o titular da ação penal arquivar as suspeitas que existiam contra si no despacho final de inquérito por entender que não existiam provas sólidas de que tinha sido Ricciardi, presidente executivo do Banco Espírito Santo de Investimento e membro do Conselho Superior da EDP, a passar a Morais Pires, administrador executivo do BES com a tutela do DFME, a informação de que o órgão máximo da EDP tinha aprovado a OPS da EDP Renováveis.

Isso, contudo, não impediu que o MP tentasse provar durante o julgamento em primeira instância que a decisão de compra das ações da EDP Renováveis por parte do DFME tinha sido motivada precisamente por essa informação — cuja fonte o MP diz não ter conseguido apurar.

O Tribunal Judicial de Lisboa, no entanto, deu razão à defesa, visto que existiu um intervalo significativo entre a hora em que a decisão foi tomada no Conselho Superior da EDP e as ordens de compra.

A Relação de Lisboa revogou agora essa decisão da primeira instância e deu como provado esse facto.

Pena será fixada pela primeira instância

A decisão da Relação de Lisboa obriga, assim, o tribunal de primeira instância a formular uma nova sentença que condene os arguidos pelo crime de abuso de informação privilegiada e fixe as penas que terão de ser cumpridas pelos arguidos. A pena definida pelo Código de Valores Mobiliários oscila entre um mínimo de pena de multa até 240 dias e um máximo de 4 anos de prisão, com a possibilidade de aplicação de penas acessórias de inibição de funções em sociedades que operem no mercado de valores mobiliários.

O desembargador Rui Rangel, relator do acórdão, entendeu que devia ser a primeira instância a fixar a pena por ter na sua posse os elementos sócio-económicos referentes aos arguidos que permitem quantificar uma pena.

Contactado pelo Observador, Tiago Félix da Costa, advogado do escritório Morais Leitão Galvão Teles que defende os três arguidos, garantiu que ainda está a analisar o acórdão para decidir como reagir judicialmente. “Por vezes, a Justiça produz decisões profundamente injustas e completamente desfasadas da realidade, mas há que respeitá-la. Vamos analisar esta decisão e ponderar todos os meios de reação possíveis”, afirmou o causídico.

O papel da CMVM

Além dos indícios que foram recolhidos pelo Ministério Público na Operação Monte Branco, verificou-se igualmente uma participação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) por suspeitas da prática do crime de abuso de informação mas também por indícios dos crimes de abuso de confiança e de infidelidade.

O papel da CMVM foi fundamental para o MP conseguir recolher indícios sobre todos os pormenores das operações complexas realizadas, já que à data de aquisição o grupo BES detinha informação privilegiada sobre a OPS da EDP Renováveis, derivada do facto de o BES deter uma participação qualificada na EDP, com administradores comuns, e o BES Investimento encontrava-se à data a assessorar a montagem do spin-off da EDP Renováveis.

Foi através da colaboração da CMVM que foi possível descobrir que o BES decidiu vender a si próprio as ações da EDP que faziam parte da carteira da seguradora BES Vida por via de contrato de derivados (um contrato de equity swap) estabelecido com o Credit Suisse. Isto é, o BES, na qualidade de banco encarregue da gestão da carteira do BES Vida, decidiu vender e comprar estas ações, terminando antecipadamente o contrato estabelecido com o banco suíço.

Dias depois do anúncio da OPS da EDP Renováveis, e em virtude da subida da cotação do título EDP, revendeu as ações. A maioria dos títulos foi recomprado pela seguradora BES Vida a um preço 11% superior ao valor da primeira operação.

Corrigida informação contida no terceiro parágrafo: ações adquiridas pelo BES foram da EDP – e não da EDP Renováveis.