Bater recordes nos Jogos Olímpicos não é novidade. A forma como alguns deles são alcançados pode variar de atleta para atleta, mas envolve sempre uma característica: superação. Santiago Lange, argentino de 54 anos, que o diga.

O velejador é o mais velho em competição no Rio 2016 e foi o primeiro argentino a ganhar uma medalha de ouro na vela na classe Nacra 17 (catamarã misto), com a parceira Cecília Carranza Saroli, na passada terça-feira. A vitória aconteceu um ano depois de outra, contra um rival de peso: um cancro no pulmão. Em abril de 2015 foi-lhe diagnosticado um tumor. Ainda tentou evitar ser operado mas sentia-se cada vez mais cansado. Porque mesmo após o diagnóstico inicial, não deixou o mar.

Santi, como é conhecido na Argentina, tinha trocado a vela depois de cinco participações olímpicas — que lhe valeram duas medalhas de bronze na classe Tornado, em Atenas 2004 e Pequim 2008, com Carlos Espíndola — pela America’s Cup (a mais antiga regata do mundo). Mas o seu rendimento competitivo era cada vez menor. Já não podia adiar mais a cirurgia. Em setembro de 2015 (por volta do seu 54º aniversário — nasceu a 22) foi operado em Barcelona, onde lhe retiraram metade do pulmão esquerdo. Cinco dias depois teve alta e um mês depois, estava de volta ao mar.

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“Agora, quando olho para trás, penso que foi uma boa experiência, mas difícil. Aprendi muito. Fui operado em Barcelona e cinco dias depois já andava bicicleta, um mês depois voltei a velejar”, disse sobre os seis meses mais críticos da doença.

Em dezembro desse ano apurou-se para os Jogos Olímpicos. Santiago Lange voltou à competição olímpica pela sexta vez, mas o objetivo principal não era o lugar no pódio. Nem sequer provar — a si mesmo ou aos outros — que o podia fazer depois da doença. O argentino voltou por amor (e preocupação). Os filhos Yago (de 28 anos) e Klaus (de 21 anos), ambos velejadores na classe 49er, tentavam apurar-se para os Jogos com o pai como treinador de serviço.

“Comecei o ciclo como treinador deles. Mas no início do ano passado, vi que era uma enorme responsabilidade ser treinador dos meus filhos”, explicou Santi Lange sobre a razão que o levou a deixar de treinar os próprios filhos. Ficava muito ansioso de cada vez que os dois entravam no mar. Quando Cecília Carranza Saroli o convidou para velejar na classe Nacra 17, não hesitou em aceitar: era o seu bilhete para os Jogos. Foi com ela que ganhou o segundo lugar no Mundial que carimbou o passaporte para o Rio de Janeiro.

“Estes Jogos são muitos emocionantes para mim. Nunca chorei tanto como na cerimónia inaugural que partilhei com eles [os filhos]”, afirmou quando ainda não sabia como iria correr a sua participação.

Os quatro velejadores integram a delegação argentina de vela nos Jogos Olímpicos. Quando Santi e Cecília venceram, o triunfo foi celebrado em conjunto, em cima do catamarã da dupla. A regata na baía de Guanabara foi renhida e os dois argentinos ganharam à justa. Yago e Klaus que torciam pela equipa na Marina da Glória não hesitaram em lançar-se à água poluída para comemorar com o pai. Um momento que foi captado pela lente dos fotógrafos e que pode ver na fotogaleria acima. Os dois disputam nesta sexta-feira (18 agosto) a regata da classe 49er: se não conseguirem alcançar o pódio, partilharam o ouro com o pai.

A vida dedicada à vela do “velho lobo-do-mar”

Esta sexta participação nuns jogos do argentino, selada com o primeiro lugar no pódio, é o culminar de uma vida dedicada à vela. Mais do que a qualquer coisa, incluindo a família. Para além de Yago e Klaus, Santiago Lange tem mais dois filhos e as contas nem sempre foram fáceis de pagar.

Separei-me da minha esposa e vivi num barco. Não tinha onde cair morto, um amigo emprestou-me um barco e acabei por viver no barco quatro anos”, contou o velejador sobre o seu início de carreira.

A decisão de trocar a vela olímpica pela America’s Cup teve também a ver com razões financeiras: esta competição é mais rentável em termos de patrocínios. Santiago Lange é engenheiro naval — a formação já apontava para que viesse a estar sempre perto de barcos — mas passou mais tempo no mar a competir (a primeira competição foi em 1988) do que a trabalhar em terra. Começou a velejar no Club Náutico San Isidro (na cidade argentina com o mesmo nome, de onde é original), talvez inspirado pelo pai, também velejador, que alcançou o quarto lugar nos Jogos Olímpicos de 1952.

O jornal Marca diz que Santi é uma lenda da vela — tem um palmarés invejável que inclui quatro mundiais (três na classe Snipe e um na classe Tornado), duas medalhas de prata e uma de bronze nos jogos pan-americanos (sem contar as olímpicas) — e um “velho lobo-do-mar”.

Ganhar no Rio 2016 foi mais que levar uma medalha. Foi a vitória emocionada de uma vida. “A vida é maravilhosa. Tenho o privilégio ter a família e os amigos que tenho mas, principalmente, porque faço o que amo. Eu não meço as coisas pela idade, mas pela forma como as vivo”, confessou Santiago. Uma vida intensa e partir de agora, um pouco mais dourada.