“Todos os anos, nas marés vivas, o mar leva o que não é essencial. Naquele sítio, um maciço rochoso interrompe as três linhas paralelas: encontro do mar e do céu, da praia e do mar, longo muro de suporte da via marginal. Alguém pensou em proteger uma depressão desse maciço, utilizando-a como piscina de marés. Mas o Atlântico não é o Mediterrâneo, nem é simples construir uma piscina onde poucas se fazem…” Álvaro Joaquim de Melo Siza Vieira, 1980.
A história da Piscina das Marés, uma das obras mais emblemáticas do arquiteto portuense Álvaro Siza Vieira, começa 20 anos antes, com uma carta da Câmara de Matosinhos, empenhada à época em recuperar a importância da zona como estância balnear. Em março de 196o, a autarquia assume, pela pena do engenheiro civil Bernardo Ferrão, que “a construção de uma piscina de água salgada nas imediações da praia de Leça (…) constitui uma aspiração antiga”, e que tinha chegado a hora de a concretizar. Orçamento: 200 mil escudos. É com esta memória descritiva que abre o livro Piscina na Praia de Leça – A Pool On The Beach, o segundo da coleção “Single” da editora A+A Books. Escrito em português e inglês, contém textos, desenhos, fotografias e um escrito do próprio arquiteto, vencedor de um Prémio Pritzker.
É um documento importante para arquitetos e estudantes de arquitetura, mas também interessante para quem já nadou numa das duas piscinas (uma só para crianças) de água salgada que foram inauguradas em 1966. Ou para quem já passou pela praia de Leça e ficou impressionado pela simbiose entre o projeto arquitetónico e os elementos naturais. Em 2011, foi classificada como Monumento Nacional, juntamente com a Casa de Chá da Boa Nova, mais a norte da praia.
Siza Vieira projetou a Casa de Chá pouco tempo antes, quase em simultâneo com a Piscina da Conceição, no final dos anos 1950. O curso de Arquitetura da Escola Superior de Belas Artes do Porto tinha sido concluído em 1955, o que faz destes monumentos algumas das primeiras obras do jovem arquiteto. A ideia inicial da Câmara Municipal de Matosinhos era, na verdade, construir um tanque, alimentado pelo vai e vem do vizinho Oceano Atlântico.
Escolhido o local, numa depressão que permitira poupar muito trabalho em escavações, em novembro de 1959 a autarquia decide contactar uma empresa de obras públicas, especializada em obras marítimas, conta no livro Michel Toussaint. Só que, no decorrer de um projeto que se pensava simples, surge a necessidade de se pensar no enquadramento urbanístico da obra com a paisagem envolvente. Nesta fase, é chamado um jovem arquiteto de 26 anos. Bernardo Ferrão conhecia Siza Vieira das colaborações com o seu irmão, o arquiteto Fernando Távora.
Duas das primeiras decisões foram construir um tanque para as crianças e desistir da ideia de esperar pelo vai e vem marítimo. Para cumprir as regras de higiene, a piscina seria enchida com água do mar, sim, mas tratada. A 25 de março de 1960, 10 dias depois da carta com a memória descritiva, o Secretário Nacional de Informação, Moreira Baptista, faz uma visita ao local onde iria ser construída a Piscina de Marés, tal como a conhecemos hoje. A obra fazia parte de uma estratégia maior de tornar Leça da Palmeira uma atração balnear forte. Para além da inauguração da Casa de Chá da Boa Nova, destaque para a abertura, em 1959, da ponte móvel sobre o Porto de Leixões, que ligava Leça a Matosinhos.
Na segunda fase chegaram as preocupações com as instalações anexas, ou seja, os balneários, os sanitários e também a intenção de construir um restaurante que, por falta de meios, acabou por ser substituído por uma cafetaria. Para a construção, o arquiteto deixa clara a sua predileção pela simplicidade e o betão: “Os edifícios construídos com paredes de betão descofrado e cobertura em madeira, revestida com chapa de cobre, sobre telas asfálticas.”
No mesmo texto de 1980 que abre este artigo, Siza Vieira recorda que “nas primeiras marés vivas o mar levou um bocado de muro, corrigindo o que não estava bem”. 50 anos depois, a Piscina das Marés mantém-se em funcionamento e continua a ser citada como uma das obras mais emblemáticas da carreira do arquiteto que também projetou o Museu de Serralves, no Porto, o Museu para a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, no Brasil, ou o Centro Galego de Arte Contemporânea.
Esta não é a primeira obra dedicada à Piscina das Marés — da bibliografia destaca-se Piscina na Praia de Leça, de Christian Gaenshirt e Luiz Trigueiros (Editorial Blau, 2004). Para além da história do equipamento e de várias análises e detalhes sobre a evolução e as influências arquitetónicas de Siza, o livro traz ainda fotografias recentes de Nuno Cera, um DVD com um filme de Luís Urbano e uma análise ao percurso dos banhistas desde a entrada dos balneários até às rochas, a cargo de Pedro Vieira de Almeida.
O lançamento está marcado para esta quinta-feira, às 18h00, na Piscina das Marés, com a presença de Siza Vieira. Este é o segundo livro da coleção Single da editora A+A Books, que dedica publicações a uma só obra de arquitetura, procurando analisá-la numa perspetiva histórica e crítica, sustentada por especialistas e pelo olhar de um artista. O primeiro volume da coleção foi lançado em 2014 e é sobre o Bloco das Águas Livres, da autoria dos Arquitetos Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral, tendo sido selecionado para o catálogo da representação portuguesa na Bienal de Arquitetura de Veneza 2014.