Palavra-chave
“Chantagem”
No discurso de encerramento do Fórum Socialismo 2016, a rentrée do Bloco, Catarina Martins recorreu várias vezes à expressão “chantagem” para deixar uma mensagem clara aos que sempre prometeram o apocalipse da “geringonça”: o Bloco de Esquerda nunca cederá às pressões, venham elas de PSD e CDS ou do directório europeu.
Ao mesmo tempo que admitia que o percurso tinha e tem sido difícil, com contradições e muitas limitações, Catarina Martins recordou as conquistas conseguidas e foi lembrando às tropas bloquistas que este era o caminho possível e necessário para travar um inimigo comum: a direita. Contra a chantagem “europeia”, da “finança”, da “ortodoxia, neoliberal e austeritária”, marchar — é o repto do Bloco de Esquerda.
“Não tem sido fácil” e “não vai ser uma luta fácil”, foi admitindo Catarina Martins. “Diziam-nos, no último orçamento, que os cortes nas pensões eram inevitáveis e nem pensar em restituir salários” e “disseram-nos que o país não aguentaria três meses sem novas medidas de austeridade”. Mas “provou-se que assim não era”.
A coordenadora bloquista falava para fora, para os críticos, unindo o partido por dentro. Uma estratégia já ensaiada, de resto, na X Convenção do Bloco, no final de junho. Para provar que o “arrependimento” assumido em relação à “geringonça” era mesmo uma figura de estilo — como mais tarde admitiu — Catarina Martins insistiu em fazer prova do empenho do partido nesta solução. “Desengane-se quem pense que o Bloco de Esquerda se acomoda ao que foi feito até agora ou que a chantagem europeia diminui o alcance dos acordos que foram feitos”.
E tal como fizera no conclave bloquista, Catarina Martins aproveitou a rentrée do partido para pressionar o Governo socialista a bater-se pelo país: se o Bloco de Esquerda não cede às chantagens, António Costa também não o pode fazer. O recado foi evidente: não, não basta ficar por aqui; e não, não é possível recuar no que quer que seja. “Não aceitamos que encerrem o país numa jaula de rendas e favores à finança” ou que seja dado qualquer “passo atrás”. Uma garantia do Bloco para os socialistas ouvirem.
Como Catarina Martins prepara os discursos
A solo mas não sozinha
O Bloco de Esquerda é uma estrutura “descomplicada”. Sem agências de comunicação, sem consultores de imagem, sem grandes formalismos, vai dependendo, em grande parte, do maior ou menor talento dos seus protagonistas.
Com Catarina Martins não é diferente. Ainda que as suas intervenções sejam “naturalmente a expressão dos debates que acontecem dentro e fora do partido”, é a coordenadora quem escreve e prepara os seus próprios discursos, assume fonte próxima de Catarina Martins.
“O Bloco é por definição um projeto coletivo”, explica o mesmo bloquista. “Ninguém trabalha sozinho”. Catarina Martins costuma discutir as intervenções públicas do partido com o núcleo duro no Parlamento — Jorge Costa, Pedro Filipe Soares, Mariana Mortágua e José Manuel Pureza. São eles os grandes conselheiros da coordenadora do Bloco.
Bengalas
Uma atriz treinada
Bordões linguísticos? Catarina Martins também os tem. A coordenadora do Bloco de Esquerda não hesita em usar um iniciador de conversa natural como “julgo que”, um organizador de discurso como um “portanto”, um redundante “nomeadamente” ou um definidor temporal como “este é o momento”.
Por vezes, Catarina Martins recorre a uma destas bengalas de linguagem. Mas muito mais raramente do que os outros líderes partidários. A formação académica e profissional de Catarina Martins — licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, mestrado em Linguística e carreira como atriz e dramaturga — fazem da coordenadora do Bloco de Esquerda uma excelente comunicadora, com domínio exímio do ritmo e do tom da mensagem. O trabalho de um ator é, exatamente, saber dizer e interpretar um texto.
Dentro do Bloco de Esquerda, Catarina Martins destaca-se ainda pela capacidade de recordar os números mais sensíveis da política portuguesa sem grande dificuldade, o que lhe dá várias soluções de recurso quando a situação se torna mais delicada. Bengalas para quê?