É uma das grandes questões na história da evolução humana e pode ter agora uma resposta mais consistente. Os humanos modernos apareceram há 200 mil anos, em África; mas quando é que a espécie se espalhou pelo resto do planeta? Alguns cientistas defendem que houve apenas uma grande migração, há cerca de 40-80 mil anos, a partir da qual os humanos se dispersaram por todo o planeta. Outros, contudo, acreditam que o movimento aconteceu por fases: a primeira, há cerca de 90 mil anos, levou o Homem à península Arábica. Depois, há 50 mil anos, à Indonésia e à Austrália, e logo a seguir para a Europa. Já o norte da Ásia e o continente americano terá sido apenas povoado há cerca de 20 mil anos, num última onda de migração.
O debate baseia-se, sobretudo, nos fósseis encontrados em várias partes do mundo, que apontam para datas muito distintas. Agora, três equipas de investigadores foram por outra via para tentar chegar à resposta. Analisando detalhadamente o ADN de 891 pessoas de dezenas de populações indígenas de várias partes do mundo, os cientistas tentaram descobrir quando é que os genes humanos se começaram a misturar com os seus parentes mais próximos: os Neandertais e os Denisovanos. A análise do material genético pretendia também averiguar se de facto os aborígenes australianos se separaram dos ancestrais africanos antes do aparecimento dos europeus e asiáticos.
- Um primeiro estudo, liderado pelo investigador David Reich, analisou o material genético de 300 pessoas, provenientes de 142 populações que não são habitualmente estudadas relativamente à evolução humana. De acordo com os resultados deste estudo, terá havido apenas uma grande migração, há cerca de 200 mil anos. Nessa altura, os homens modernos de África deixaram o continente e espalharam-se por todas as partes do globo.
- Outro dos estudos, orientado por Eske Willerslev, foi noutro sentido. A análise do ADN de 83 aborígenes australianos e de 25 nativos da Papua Nova Guiné permitiu concluir que a os aborígenes têm características genéticas bastante diferentes dos atuais australianos (a Austrália foi colonizada no séc. XVIII pelos britânicos). No entanto, as conclusões do estudo apontam também para a existência de apenas uma grande migração. “A grande maioria dos seus ancestrais, se não a totalidade, provém da mesma onda de migração a partir de África que os europeus e os asiáticos”, disse Willerslev, citado pelo The New York Times.
- Simultaneamente, o investigador Mait Metspalu levou a cabo outro estudo, em que analisou material genético de 483 pessoas, sobretudo europeus e asiáticos, mas também alguns africanos e australianos. Este estudo chegou a uma conclusão ligeiramente diferente. Se de facto 98% do ADN de todas as pessoas analisadas podem ser relacionados com uma única migração, há 2% do material genético que parece ter ligações a um êxodo bastante anterior. Mais: todas as pessoas na Papua Nova Guiné têm, nos seus genes, ligações a uma migração anterior — de há 140 mil anos.
A grande conclusão que pode ser retirada da análise destes três estudos é que uma grande migração, acontecida entre há 80 mil e 50 mil anos, levou à povoação humana de todo o mundo, apesar da existência de uma outra migração anterior, menor e menos significativa, que levou humanos à Papua Nova Guiné. A confirmar-se esta primeira migração, sublinham os cientistas, estes serão os primeiros homens de sempre a sair de África. A única certeza é que os humanos que fizeram parte dessa migração acabaram por ser extintos. “Talvez não fossem tecnologicamente avançados, e vivessem em pequenos grupos. Talvez tenha sido fácil para uma onda maior de migração, posterior, ter acabado com eles”, sublinha ao jornal americano o investigador Luca Pagani.
Estas investigações ainda permitiram concluir que os humanos começaram a separar-se geneticamente mais cedo do que se pensava. Há cerca de 200 mil anos, já os KhoiSan, uma tribo de caçadores que ainda hoje vive na África Austral, se separavam dos outros humanos em termos genéticos. E há 100 mil anos, já viviam completamente isolados dos primeiros.
Uma outra investigação, orientada por Axel Timmermann e Tobias Friedrich, estabeleceu ainda uma relação entre o ciclo de alterações climáticas e as migrações a partir do continente africano. De acordo com o estudo, citado pelo ABC, houve um conjunto de migrações causadas por várias eras de gelo há cerca de 125 mil anos. No entanto, o estudo permite concluir que a globalização da espécie humana aconteceu na sequência de uma única migração, há cerca de 80 mil anos.
Os vários estudos, apesar de apresentarem todos resultados diferentes, permitem ir traçando, aos poucos, o percurso do ser humano na Terra. Para já, às provas documentais junta-se a análise genética para comprovar que o Homem chegou a todo o planeta na sequência da mesma migração.